No centro da polêmica: um estudo publicado pelo jornal estatal deu início ao debate, que divide opiniões, acerca do melhor destino para o terreno| Foto: Meridith Kohut/The New York Times

Caracas - Os jogadores de golfe ainda discutem o esporte. Os garçons ainda servem taças de Moët & Chandon. Os raios do sol ainda acariciam o piso colocado na década de 1920 pelos irmãos Olmsted, respeitados arquitetos e paisagistas americanos. O idílio do Clube de Campo de Caracas, um bastião da opulência para a elite venezuelana, parece ainda estar intacto. Mas talvez não por muito tempo.

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Por baixo da aparência de tranquilidade, reina um sentimento de medo. Em dezembro, um jornal estatal publicou um estudo afirmando que, se o governo ex­­propriasse o terreno do Clube de Campo de Caracas e de outro clube da cidade, o espaço poderia dar lugar a 4 mil casas para famílias pobres.

A ideia está longe de ser absurda. Afinal, o governo apreendeu centenas de empresas somente em 2010, e milhares de pessoas es­­tão desabrigadas devido às fortes chuvas, acentuando uma grave escassez de moradia. Por ordem do presidente Hugo Chávez, vítimas das enchentes já se mudaram a ho­­téis, museus, ao Ministério do Ex­­terior e até mesmo ao seu próprio gabinete (Chávez diz que ficará numa tenda entregue a ele pelo líder da Líbia, Moammar Gadhafi).

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"Estamos esperando", disse Manuel Fuentes, de 69 anos, vice-presidente do clube de campo, no inglês que aprendeu quando ainda era adolescente e estudava na Academia Militar de Nova York. "Perder um ícone como esse seria uma tragédia para a cidade, mas trata-se de um cenário que fomos obrigados a reconhecer".

Sob muitos aspectos, já é im­­pressionante que um clube como esse continue existindo no país, considerando-se a expropriação de tantas empresas privadas em 2010, fossem fazendas de gado ou construtoras. Alguns dos bens apre­­endidos pertenciam a membros do Clube de Campo de Cara­­cas, mas, de alguma forma, o clube e suas buscas pelo lazer, como competições de hipismo, parecem ter escapado ilesos.

Como uma relíquia de épocas passadas, o clube representa basicamente tudo o que Chávez é contra. Porém, enquanto muitos de seus membros se irritam com as tentativas governamentais de exercer maior controle sobre a economia, alguns viram suas fortunas crescerem através de acordos silenciosos com o governo de Chávez.

Para agravar o problema, a ligação do clube com um dos principais antagonistas de Chávez, os Estados Unidos, é tão profunda que um ex-embaixador dos EUA, C. Allan Stewart, morreu de um ataque cardíaco enquanto jogava golfe nesses campos – e os nomes dos fundadores, incluindo um gru­­po de magnatas americanos do pe­­tróleo, estão gravados nas paredes.

Após essa coexistência intranquila, em dezembro, Chávez pe­­diu aos campos de golfe da cidade que "colocassem as mãos em seus corações" para ajudar ou abrigar evacuados das enchentes. Caso contrário, disse ele numa ameaça pouco velada, "nós mesmos faremos isso por eles".

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Polarização e autonomia

A reação à situação do clube reflete a de um país por si só polarizado. Jose Bejarano, de 34 anos, en­­tregador que trabalha num bairro na extremidade sul do clube, disse ser muito difícil derramar lágrimas por uma ilha de privilégios como essa.

"Estamos enfrentando uma emergência nacional, e o clube possui terras vazias que podem ser usadas para os pobres", disse ele.

Quase perdida em meio a todo esse debate, está a opção, defendida até mesmo por alguns dos membros do clube, de transformar o campo de golfe num parque público – numa cidade extremamente carente de espaços verdes.

O clube já enfrentou desafios à sua autonomia anteriormente. Em 2006, o prefeito de Caracas abruptamente ordenou a aquisição do campo de golfe. Porém, ma­­nobras dos advogados do clube e desentendimentos entre os aliados do presidente interromperam a desapropriação.

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Mas muitas coisas mudaram desde 2006, o que pode explicar o desânimo que se instalou sobre o clube em dezembro. Chávez, co­­nhecido por indicar publicamente seus alvos de expropriação, de­­clarou na televisão estatal que po­­dia ver as extensões de terras do clube, assim como o campo de golfe vazio, de seu helicóptero.

Os diretores do clube responderam dizendo que o campo de 18 buracos estava exposto a enchentes, tornando-o inadequado para levantar tendas a evacuados. Eles afirmaram que já estavam ajudando funcionários e seus familiares, muitos dos quais vivem em favelas vizinhas, com assistência durante as enchentes.

Agora, o majestoso clube, visitado por poucos venezuelanos além dos 2 mil membros e seus convidados, está tomado por especulações sobre o que pode acontecer. Numa recente manhã no sa­­lão de beleza, circulavam rumores, entre os funcionários, de que autoridades federais já haviam conduzido uma inspeção secreta do clube. "Alguém comentou que os ha­­via visto", disse uma sócia do clube enquanto passava pelo sa­­lão, pe­­dindo que seu nome não fosse usado devido às ameaças de sequestro sofridas pelos mais ricos.

Propriedade privada

Para chegar ao clube, é preciso di­­rigir por um frondoso bairro de mansões particulares chamado (em inglês, é claro) "Country Club". Uma vez dentro da propriedade, não é difícil cruzar com membros respeitados da camada superior que Chavez ridiculariza, como Peter Bottome, de 72 anos, um dos donos da RCTV – uma emissora de televisão opositora ao presidente, que foi removida das ondas pú­­blicas de transmissão em 2007.

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"Propriedade privada, o que é isso?" brincou Bottome enquanto cortava o cabelo na barbearia.

Em outros locais, empregados trabalhavam, cabisbaixos, sob os lustres. Araras berravam do alto das árvores. Cavalheiros, vestindo blazers conforme as regras do clube, bebericavam uísque e baforavam charutos no El Pinguino, o bar do clube, numa cena que não pareceria deslocada numa Hava­­na pré-revolucionária.

Alguns membros argumentam que a ascensão de Chávez já mudou a vida do clube para sempre, criando um abismo entre os membros que haviam confrontado abertamente o presidente e os outros, que discretamente optaram por lucrar com contratos go­­vernamentais.

O surgimento de uma nova clas­­se de magnatas – chamados de "boligarcas", devido ao rápido acúmulo de riquezas e às ligações com o governo, que reverenciam Simon Bolívar, o herói da libertação do século 19 – também trouxe mudanças ao clube.

Alguns boligarcas, como Wil­­mer Ruperti, magnata dos petroleiros, compraram mansões próximas ao clube, mesmo sem se tornarem sócios. Outro empresário pró-governo, Diego Salazar, é um membro. Às vezes se encontra, ali, um ou dois altos funcionários pú­­blicos. Sua presença captura a ascensão de uma elite e o declínio de outra, e a dança ocasionalmente desajeitada entre esses grupos conforme o processo se desenrola.

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Vanessa Neumann, escritora cujo avô era um importante in­­dustrialista local, descreveu uma recente competição de hipismo no clube, com a presença de Ale­­jandro Andrade, ex-oficial militar e hoje tesoureiro nacional da Ve­­nezuela. Ela contou que a bajulação em torno de Andrade, um fa­­moso aficionado por cavalos que se movimenta com facilidade pe­­los mais refinados círculos, foi mais divertida que a competição em si.

"Você vê os burocratas do go­­verno prestando homenagens disfarçadas à mesma oligarquia que ridicularizam publicamente, e vice-versa", disse Neumann, sobre a atmosfera do clube naquele dia. "Os antigos por um desejo de fazer parte, e os novos por um desejo de sobreviver".