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O motorista do "cocotaxi", moto adaptada com uma carcaça amarela que lembra um coco e carrega dois passageiros, responde com um sinal de mais ou menos à pergunta "¿las cosas van bien mismo?". A questão surgiu por causa de um outdoor do governo cubano – aliás só há destes –, à frente de um semáforo em uma avenida de Havana, onde esperávamos o sinal verde. Nele se lia "Vamos Bien", ao lado de uma foto de Fidel Castro.

Perguntas sobre as chances de emprego de um ortopedista cubano no Brasil. Esse era o assunto entre o médico plantonista em um pronto-socorro na capital cubana no feriado de 26 de julho e um colega de profissão brasileiro. A data comemora a tentativa (frustrada) de tomada do quartel de Moncada por um grupo liderado por Castro, em 1953. Fulgêncio Batista acabou mandando Fidel ao exílio no México, onde ele encontrou Che Guevara e, enfim, tudo começou.

Dependendo da dose de romantismo de quem visita a ilha, o encanto pode perder fôlego em ritmo acelerado nas conversas com a gente de lá. Histórias com ares de insatisfação contida ou declarada são ouvidas com alguma facilidade. Há ainda "relatos" sem tom de queixa, que soam dolorosos para ouvidos criados em ambiente de maiores direitos civis. "Que pena que vocês deixam Santa Clara hoje. Tem uma praia bonita para visitar. Não posso ir, cubano não entra." Por que? "Muito perto da costa americana", diz o taxista com naturalidade, despertando em filhos do 3.º Mundo tupiniquim alívio pela sensação de liberdade de ir e vir. (Meio fictícia, é verdade, nem todos se banham em Búzios, e pior, têm refeições nutritivas diariamente... mas dá algum alento).

O mesmo homem conta sobre a esposa cirurgiã cardíaca que ganha 15 dólares/mês. Nada de muita revolta. "Aqui temos tranqüilidade, não há assalto, nem ganância".

Em um bar: "Vocês comem carne todo dia no Brasil?", pergunta um estudante de Matemática da Universidade de Havana. "Aqui é sempre o mesmo, arroz e feijão. Frango é lucro".

O professor de Educação Física, na faixa dos 40, pondera que a juventude não vê mais o lado bom da Revolução. "Já nasceram com educação, saúde, alimento e segurança garantidos. Agora querem mais. É uma pena ver as conquistas baseadas no bem da coletividade soarem pouco." O rapaz que aguarda dois gregos no saguão do hotel, para levá-los a uma diversão picante, veste Nike dos pés à cabeça e olha atento o tênis que calço.

A lindíssima, ousada e curiosa Cuba parece estar em linha com o desgaste de seu guia maior, Fidel. "El comandante en jefe" mantém (ou mantinha) a pose ilibada, o discurso antiamericano a postos, a admiração interna quase divina de muitos, mas padece da passagem do tempo. "Castro já não agüenta mais fazer discursos em público. São cada vez mais raros", conta um simpático cubano, consolando turistas brasileiros que em vão tentaram ver o comandante falar, ao vivo e a cores.

Como o criador, a "criatura" – o país que se orgulha de afirmar que lá "el imperialismo Yanqui sufrió en América su primera gran derrota" – se mantém firme com diretrizes comunistas, provém as necessidades essenciais para toda a população, tem baixíssima criminalidade, mas manca forte em vários quesitos.

E quando Fidel morrer? Há discrição ao falar do líder e, quando o comentário é áspero, o tom de voz baixa. Se um fiscal do partido pega, problemas na certa. (Imagina o trabalho de uma fiscalização dessas no Brasil).

A resposta comum sobre o futuro pós-Castro: "Dizem que seu irmão Raúl deve assumir. Ele é forte, mas não tem o mesmo carisma com o povo. Não sei não."

A jornalista curitibana esteve em Cuba em julho de 2005.

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