Faltando pouco menos de dois meses para a legalização da maconha para uso recreativo no Canadá, em 17 de outubro, novos dados da agência nacional de estatísticas do país estão alimentando temores sobre motoristas que dirigem sob efeito de drogas e levantam dúvidas sobre a capacidade dos policiais para fazer cumprir a lei.
Segundo dados da agência Statistics Canada divulgados na semana passada, um em cada sete usuários de maconha com carteira de motorista válida dirigiu duas horas após consumir a droga pelo menos uma vez nos últimos três meses.
Outras pesquisas da Health Canada e Public Safety Canada, de 2017, também revelaram que grandes porcentagens de canadenses dirigem depois de consumir maconha. De fato, um em cada dez entrevistados desta pesquisa disse acreditar que a maconha faz com que a pessoa seja "um condutor mais cuidadoso", uma convicção que foi refutada pela ciência.
O grupo “Mothers Against Drunk Driving” (Mães contra Dirigir Bêbado) descreveu estas estatísticas como "alarmantes”. Elas citam estudos do Centro para Controle de Doenças dos EUA que mostram que a maconha pode retardar o tempo de reação do motorista, diminuir sua capacidade de tomar decisões, prejudicar a coordenação e distorcer a percepção. Outros grupos dizem que os dados da pesquisa mostram apenas parte da história, já que não indicam que aqueles que dirigiram depois de fumar não tinham condições de fazê-lo.
Identificar os efeitos causados pela maconha é uma questão relevante que tem ocupado os parlamentares canadenses desde que o governo liberal do primeiro-ministro Justin Trudeau apresentou pela primeira vez a legislação para legalizar a droga, em abril de 2017.
Um projeto de lei que reformula a legislação de trânsito canadense prevê que condutores com 2 a 5 nanogramas de tetraidrocanabinol (THC) - o principal ingrediente psicoativo da maconha - por mililitro de sangue, podem receber multas pesadas. Motoristas que excedam o limite de 5 nanogramas, ou que tenham THC e álcool em seus organismos, enfrentarão penas mais duras, podendo chegar a até dez anos de prisão.
O problema, de acordo com Rob De Luca, diretor dos programas de segurança pública da Associação Canadense de Liberdades Civis, é "que a ligação entre os níveis de THC e os problemas causados pela maconha não é evidente".
Quantidade segura?
A cannabis é diferente do álcool, que pode ser medido com facilidade e precisão pelos níveis de álcool no sangue de uma pessoa, dizem os especialistas. A maconha metaboliza de forma diferente. Fatores como os níveis de gordura corporal, o histórico pessoal com a droga e até o modo como ela foi consumida afetam as reações da maconha sobre o corpo.
"O pico de comprometimento das condições do motorista não ocorre quando a concentração de THC no sangue está no nível máximo ou perto dele", aponta um relatório da Administração Nacional de Segurança no Trânsito nas Estradas dos EUA (NHTSA, na sigla em inglês) encaminhado para o Congresso em 2017. "Em contraste com o que ocorre com o álcool, alguém pode apresentar pouca ou nenhuma incapacidade a um nível de THC e outra pessoa pode ter maiores problemas".
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Um anexo ao projeto de lei fez a mesma observação ao afirmar que "a ciência não pode proporcionar uma regra geral aos motoristas sobre quanta maconha pode ser consumida antes de dirigir”.
Usuários habituais da droga e aqueles que a ingerem para fins terapêuticos são propensos a ter altos níveis de THC por dias ou mesmo semanas após o último consumo de maconha e muito tempo depois de experimentar seus efeitos psicoativos, segundo De Luca. Alguns estudos mostram que mesmo pessoas expostas à fumaça da maconha podem testar positivo para THC.
"Há um perigo muito real de que alguém que não esteja afetado pela droga enfrente complicações penais", diz De Luca, que antecipa que o projeto de lei enfrentará uma enxurrada de desafios legais.
A ministra da Justiça, Jody Wilson-Raybould, defendeu as regras no início deste ano. "Até que tenhamos evidências científicas definitivas sobre o que é um nível seguro, estamos seguindo uma base de precaução, dizendo que não há nível seguro", disse ela ao Globe and Mail.
Equipamentos
O projeto de lei também dá aos policiais, que tenham suspeitas razoáveis que um motorista está incapacitado para dirigir, a possibilidade de realizar testes de saliva, que determinam se um medicamento específico está presente no organismo do motorista. Os resultados não são considerados como provas judiciais, mas uma falha no teste poderá resultar na prisão da pessoa e a realização de mais exames na delegacia de polícia.
Especialistas dizem que esses testes e os dispositivos usados para realizá-los também têm problemas. O relatório da NHTSA destacou que "a precisão e a confiabilidade destes dispositivos ainda não foram claramente estabelecidas".
Um projeto de lei que permitiria que a polícia de Vermont (Nordeste dos EUA) usasse testes de saliva na estrada teve o fracasso decretado no início deste ano por causa destas preocupações.
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Também foram levantadas dúvidas sobre a capacidade dos dispositivos, que requerem temperaturas internas de pelo menos 4°C para funcionar. Um estudo piloto da Public Safety Canada que testou alguns desses dispositivos descobriu que em 17% dos casos em que o dispositivo não funcionava corretamente, a temperatura era a responsável pelo problema.
De Luca disse que o governo federal deve se concentrar mais no treinamento de especialistas em reconhecimento de drogas para identificar motoristas com problemas do que nos limites do THC.
No mês passado, a Associação Canadense de Chefes de Polícia disse que é improvável que alcance a meta de ter 2.000 especialistas treinados em reconhecimento de drogas quando a maconha se tornar legal em outubro.
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