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Guerra no afeganistão

Um empresário quer “privatizar” a guerra no Afeganistão

Tropas americanas treinam soldados afegãos | ADAM FERGUSON/NYT
Tropas americanas treinam soldados afegãos (Foto: ADAM FERGUSON/NYT)

Uma nova safra de altos funcionários americanos no Afeganistão tem se esforçado para conter uma crise dupla que acontece no campo de batalha e em uma disputa eleitoral potencialmente explosiva. No entanto, um personagem norte-americano diferente – o executivo mercenário Erik Prince – tem sido o assunto de Cabul atualmente. 

 Mais de um ano depois de apresentar ao presidente Donald Trump seu plano para privatizar a guerra no Afeganistão com um quadro de combatentes contratados – e uma força aérea privada – Prince, fundador da empresa de segurança Blackwater, que se tornou famosa por matar civis no Iraque, está aparentemente em todo lugar. 

 E quando vai fazer seu discurso de vendas diretamente a uma série de afegãos influentes, ele com frequência tem sido apresentado como conselheiro do próprio Trump. 

Empresário se coloca como alternativa às tropas

 Prince vem avançando com seu plano em um momento particularmente vulnerável para o país. As forças de segurança afegãs estão morrendo em um número recorde de 30 a 40 por dia, em grande parte tentando se defender de um Talibã que vem ganhando território. O governo está sendo assolado por repetidas crises políticas e, em meio a tudo isso, as eleições parlamentares, adiadas por três anos, foram programadas para este mês. As eleições presidenciais estão marcadas para abril. 

 Entrevistas com meia dúzia de figuras políticas que conheceram Prince nos últimos meses – bem como uma conversa com ele publicada pelo New York Times durante sua viagem a Cabul em setembro – revelam um executivo determinado a vender uma visão de como seus mercenários poderiam oferecer uma retirada militar oficial do Afeganistão a um público e um presidente norte-americanos cansados da guerra. 

 Agora, segundo essas autoridades, ele tem encontrado uma audiência cada vez mais receptiva entre os agentes de poder do Afeganistão e vem falando com todo mundo: comandantes das milícias, ex-oficiais, homens fortes regionais entrincheirados e vários potenciais candidatos à presidência. 

 O que a maioria desses afegãos tem em comum é o desejo de se livrar do presidente Ashraf Ghani. E o circuito de lobby de Prince, que inclui várias visitas a Cabul, a Washington e aos Emirados Árabes Unidos, tornou-o cada vez mais mal recebido por Ghani, que rejeitou repetidos pedidos de um encontro. 

Alguns membros do governo até tentaram bloquear o visto do executivo, segundo autoridades afegãs e pessoas próximas a ele. 

 Várias autoridades ligadas a Ghani dizem que veem o plano de Prince não apenas como inviável em meio a um conflito complexo e a um esforço de paz com o Talibã, mas também como uma ameaça politizada ao próprio presidente afegão antes da eleição presidencial do próximo ano. 

 E dizem que a inflexível oposição de Ghani à presença de um grupo de segurança privado o transformou em um obstáculo para as ambições de Prince. 

 Em um discurso, um irritado Ghani direcionou uma crítica mal velada a Prince e seu plano. "Mercenários estrangeiros nunca serão permitidos neste país", afirmou ele. 

 Em uma declaração, o assessor de segurança nacional de Ghani disse que o governo afegão não permitiria que o combate ao terrorismo se tornasse um "negócio com fins lucrativos". "Vamos considerar todas as opções legais contra aqueles que tentam privatizar a guerra em nossas terras", afirmou. 

 Prince está posicionando sua proposta como uma opção intermediária mais barata entre a continuação de uma estratégia militar, em grande parte fracassada e com um custo anual de dezenas de bilhões de dólares, e uma retirada completa das equipes de segurança, o que, alguns temem, abandonaria 17 anos de dispendiosos esforços ocidentais para refazer o Afeganistão. 

 Ele argumenta que sua proposta pode alcançar o que mais de 140 mil soldados dos EUA e da OTAN, em pleno aumento das tropas em 2009 e 2010, não conseguiram. Prince compara a missão atual, que está reduzida a cerca de 15 mil tropas dos EUA apoiadas em suas bases por mais de 20 mil combatentes privados, aos fracassos da União Soviética. 

 Prince descreveu o que chama de "racionalização" da contratação privada que já está acontecendo: uma missão mais enxuta de seis mil mercenários fornecendo "apoio à estrutura básica" e treinamento para as forças afegãs. Pequenas equipes de veteranos das Forças Especiais, incorporadas ao batalhão afegão por cerca de três anos, disse ele, garantiriam a continuidade que falta hoje aos soldados norte-americanos, que são trocados todos os anos. 

 Eles seriam apoiados pelo ar por meio de uma frota de aeronaves contratadas pilotadas por equipes conjuntas de afegãos e mercenários. Cerca de 2.500 forças norte-americanas de Operações Especiais permaneceriam no país para missões de combate ao terrorismo. Tudo isso, segundo Prince, reduziria o custo anual da guerra para cerca de um quinto do valor atual. 

 Prince nega que esteja tentando influenciar o processo político afegão para alcançar seus objetivos. Ele disse que o único dinheiro que gastou no país foi US$ 1.500, o custo de produção de um vídeo de dez minutos para explicar seu plano. 

 "O povo afegão terá uma eleição, e eles farão as escolhas com as quais vão viver. Mas vou falar com qualquer partido no Afeganistão que queira pensar em um caminho diferente para o problema e que realmente estanque a sangria", afirmou Prince. 

 Prince também vinculou sua proposta a um esforço para explorar a riqueza mineral do Afeganistão, incluindo as terras raras – um tema favorito de Trump, que reclamou que os EUA não ganham recursos suficientes com seus esforços de guerra. 

 Em uma apresentação multimídia assistida pelo Times, Prince lista um de seus objetivos: "Desenvolver e produzir minerais-chave de terras raras para restaurar a cadeia de fornecimento de alta tecnologia dos EUA". Durante suas visitas aqui no Afeganistão, ele também se encontrou com oficiais afegãos ligados à mineração, no que descreveu como reuniões exploratórias. 

Empresa envolvida em polêmicas

 A Blackwater, antiga empresa de Prince, ganhou centenas de milhões de dólares em contratos militares dos EUA, principalmente no Iraque, antes de entrar para a lista negra depois que combatentes contratados pela empresa massacraram civis em Bagdá em 2007. Seus negócios já passaram por várias reencarnações. Seu mais recente empreendimento, o Frontier Services Group, sediado em Hong Kong, tem contratos na África e na Ásia e conta com o apoio do Citic Group, grande empresa estatal chinesa de investimentos. 

 No ano passado, a pressão inicial de Prince para privatizar a guerra no Afeganistão foi anulada por dois dos membros mais antigos da equipe de segurança nacional de Trump: H.R. McMaster, conselheiro de segurança nacional na época, e Jim Mattis, o secretário de Defesa. Eles persuadiram Trump a aumentar o número de tropas e recursos no Afeganistão. 

 Prince agora acredita que os ventos em Washington estão mudando a seu favor, com McMaster fora e Mattis muitas vezes discordando de Trump. Ainda assim, o atual plano de Prince para o Afeganistão enfrenta muito ceticismo. 

 "A ideia de que esses mercenários contratados em unidades afegãs serão apenas 'treinadores' é quase ridícula", diz Laurel Miller, especialista sênior em política externa da Rand e ex-diplomata norte-americana no Afeganistão e no Paquistão. 

"E a noção de que privatizar a guerra vai economizar dinheiro é certamente risível", continua ela. "Se essa ideia não prometesse gerar uma quantidade significativa de dinheiro, aqueles que vão lucrar com ela não estariam se esforçando tanto." 

 Miller afirma que a proposta foi baseada em um diagnóstico incorreto do motivo pelo qual o conflito está em um impasse. Embora existam problemas de liderança e de capacidade nas forças afegãs, o Talibã já provou que pode manter sua insurgência contra uma força muito maior do que a proposta por Prince, diz ela. 

 Mudanças nas táticas de treinamento e aconselhamento não converteriam o impasse em uma vitória ou no fim da guerra, acredita Miller. "No mínimo, trazer mercenários estrangeiros provavelmente forneceria ótimos slogans de recrutamento para os insurgentes", acrescenta. 

 Ela se refere à maneira como o Talibã já transformou a ocupação dos EUA em ponto de propaganda e provavelmente veria uma invasão de forças mercenárias apoiadas pelos norte-americanos como ainda mais desprezível. 

 

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