Manifestantes participam de protestos contra o governo de Daniel Ortega, em Manágua, capital da Nicarágua| Foto: INTI OCON/AFP

Depois da terceira grande manifestação contra o governo de Daniel Ortega, 72, nesta quarta-feira (9), a Nicarágua vive um “estado de euforia e de insurreição popular, ao mesmo tempo em que a população enfrenta muito medo por conta da perspectiva de mais repressão por parte do Estado”.  É o que diz Carlos Fernando Chamorro, opositor ao governo, filho da ex-presidente Violeta Chamorro (1990-1997) e diretor do jornal digital independente “El Confidencial”. 

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 Os distúrbios na Nicarágua começaram há três semanas, quando, convocados inicialmente por estudantes universitários, cidadãos saíram às ruas em centenas de milhares para rebelar-se contra um ajuste no sistema previdenciário e um aumento de impostos que o governo havia decidido. Nos últimos tempos, as medidas do Executivo são automaticamente aprovadas pelo Congresso, uma vez que a oposição foi impedida de participar das últimas eleições. 

 Os enfrentamentos de rua foram violentos, causando um saldo de pelo menos 43 mortos, centenas de feridos e mais de 20 desaparecidos. 

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Forte repressão

 Ortega, então, voltou atrás e desistiu da medida. Porém, as manifestações e a repressão continuam e vêm atraindo cada vez mais gente, desta vez levantadas contra a onda de violência protagonizada tanto pela polícia como por uma milícia ligada ao governo, a Juventude Sandinista. O grupo tem atacado e, frequentemente, tem sido acusado de matar manifestantes contra o governo.

 Vídeos que circulam nas redes mostram oficiais armando esses jovens com cassetetes e pedras para atacar os manifestantes. Um jornalista foi morto enquanto fazia uma transmissão ao vivo. 

 A OEA (Organização dos Estados Americanos) pediu para enviar uma comissão para avaliar a repressão aos protestos, mas o governo não permitiu. Familiares das vítimas disseram à mídia local que apenas recebiam os corpos de seus parentes depois de garantir que não prestariam queixas. A maioria dos mortos é de jovens de menos de 25 anos. 

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 “Agora estão todos na rua, inclusive os empregados de empresas que antes eram aliadas ao governo estão liberando seus funcionários para participar das mobilizações, então há estudantes, funcionários, aposentados, e gente do interior do país, que vem vindo apenas para participar”, conta Chamorro. 

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 A população do interior que veio se somar aos protestos na capital, Manágua, é formada por camponeses e indígenas que são contra o projeto de construção de um canal similar ao do Panamá, concedido a uma empresa chinesa, sem licitação e que danificaria lagos e destruiria aldeias e vilarejos. 

Renúncia é pedida

 A reivindicação generalizada que se vê nos cartazes e nos gritos de guerra é um pedido de renúncia tanto do presidente como de sua vice, que é também sua mulher, Rosario Murillo.  Entre os manifestantes, estão alguns mais violentos, que têm queimado e derrubado as chamadas “árvores da vida”, uma espécie de símbolo do governo, colocadas em várias avenidas por ordem de Murillo para sinalizar que a Nicarágua vive em paz. 

 Ortega ficou conhecido por ter participado da revolução que retirou do poder a dinastia do direitista Anastasio Somoza, na Revolução Sandinista de 1979. Até 1990, primeiro como coordenador da Junta de Reconstrução Nacional e depois como presidente, Ortega governou a Nicarágua. 

 Perdeu, então, as eleições seguintes para uma ex-apoiadora do sandinismo, Violeta Chamorro, mas voltou mais tarde ao poder, através das urnas, em 2007. 

Desrespeito às instituições

 Ortega é o presidente desde então, tendo-se transformado de ícone marxista latino-americano num autocrata, que avançou sobre a Justiça e as Forças Armadas, eliminou as restrições para reeleições e proibiu os partidos opositores de competir em eleições.   Até pouco tempo atrás, mantinha-se firme no poder, devido ao apoio da Igreja Católica, do Exército, do empresariado e de uma vultosa ajuda financeira e por meio de petróleo que vinha da Venezuela. O país crescia 4,5% ao ano. 

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 “Uma série de fatores causou o desgaste e, por fim, essa explosão social”, explica Chamorro. “Primeiro, o fato de não termos mais a colaboração venezuelana, que permitia programas de assistência social que mantinha a população apoiando o governo. Depois, os empresários se afastaram, vendo que as perspectivas de crescimento econômico estão caindo. Junto a isso, a insatisfação popular com as restrições civis e da liberdade de expressão." 

 A Igreja, diante das mortes causadas pela repressão, também retirou seu apoio ao governo e agora pede um “diálogo nacional” entre Ortega e a oposição. A Assembleia Nacional planeja montar uma comissão da verdade para investigar os protestos. Mas ativistas da oposição dizem que não se sentarão à mesa de negociações enquanto uma comissão independente não for estabelecida. 

 “O que temos agora é apenas esse estado de alteração de ânimos, e ninguém sabe bem como sair disso, porque se ambos renunciam, a linha de sucessão indica que quem assume é o líder do Congresso, que é de seu partido. O ideal é forçar que Ortega convoque eleições agora”, diz Chamorro

 Enquanto isso, ironicamente, quase 40 anos depois da Revolução Sandinista, o grito de guerra nas ruas de Manágua é “Ortega, Somoza, son la misma cosa” (Ortega e Somoza são a mesma coisa).