Entrevista
Expedito Bastos, pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O senhor concorda com a análise do Sipri de que o aumento dos investimentos militares do Brasil não está de acordo com as necessidades do país?
Eles acham que estamos gastando integralmente com defesa, quando, na verdade, há muitos gastos com a folha de pagamento, por exemplo. Quem olha, acha um absurdo, mas na realidade estamos muito aquém do que almeja o país.
Quais os principais aspectos em que as políticas de defesa do Brasil precisam melhorar?
Não definimos o que nós queremos, não definimos nossos interesses na região. Somos um país hegemônico na região, visto como potência militar, embora não sejamos e não exerçamos esse papel. Temos que definir para que nós precisamos de Forças Armadas e como vamos empregá-las. A partir daí, vamos definir o grau tecnológico que precisamos alcançar e o país vai conseguir investir decentemente em algumas áreas. Guerra é para rico, não é para pobre. Um país que almeja ir para o Conselho de Segurança da ONU precisa mostrar a que veio. Não pode ser só na conversa, para não passar vexame.
E com relação ao aumento de 50% nos investimentos militares na última década? O senhor acha que é excessivo?
Às vezes aparecem cifras extraordinárias, mas é porque os equipamentos são caros. Um carro de combate hoje está na faixa de 6 milhões de euros, há aviões que custam US$ 500 milhões. Os EUA se dão ao luxo de ter alguns desses, e eles precisam investir nessa área, como nós também deveríamos investir mais. Então, como o grau de sofisticação dos equipamentos está atingindo um patamar elevado, em alguns casos, está se comprando menos armamentos do que no passado só que a um preço absurdo, porque estão comprando produtos mais sofisticados. (JN)
O mundo está mais armado hoje do que estava dez anos atrás. Em comparação a 2001, no ano passado a média de gastos na área militar no planeta foi 50% maior e chegou a US$ 1,6 trilhão. O relatório do Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (Stockholm International Peace Research Institute Sipri) traz uma série de dados e análises sobre os investimentos na área de segurança internacional, despesas bélicas e desarmamento.
O maior responsável pelo aumento do índice global de despesas militares são os Estados Unidos. Na última década, o país teve um crescimento de 81% com os gastos na área e atingiu US$ 698 bilhões em 2010. O chefe do Projeto sobre Gastos Militares do Sipri, Samuel Perlo-Freeman, analisa a influência que o 11 de Setembro teve sobre essa porcentagem. "Certamente os ataques tiveram um efeito sobre o aumento dos investimentos militares dos EUA, serviram como justificativa ou desculpa para as guerras do Iraque e do Afeganistão." O pesquisador reconhece que é difícil projetar qual teria sido a postura dos americanos se os eventos não tivessem ocorrido. "O governo Bush provavelmente iria aumentar as despesas militares, mas não tanto."
Freeman observa que, diante do incremento da estrutura de defesa dos Estados Unidos, a China e a Rússia não quiseram ficar muito para trás e também fizeram fortes investimentos. Os três países fazem parte de uma elite formada por dez países responsáveis por 75% dos gastos militares.
O professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing Heni Ozi Cuckier explica que é preciso analisar os gastos dos países de acordo com o contexto histórico e relativizá-los em relação ao PIB local. "Os EUA vivem um momento de custos militares mais baixos. Durante a Segunda Guerra Mundial, eles destinavam o equivalente a até 40% do PIB", diz o professor, que já atuou como assessor no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
Armas nucleares
Para o Sipri, houve pouco progresso com relação ao desarmamento nuclear. EUA, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão e Israel possuem mais de 20 mil armas nucleares e 5 mil delas estão instaladas e prontas para uso. O relatório informa que os EUA e a Rússia têm feito cortes modestos no armamento nuclear, mas ao mesmo tempo aprovaram instalações de novos vetores nucleares e pretendem manter seus arsenais por tempo indeterminado.
O relatório mostra ainda que o crescimento econômico levou países que não sofrem ameaça evidente a gastar mais com segurança, caso da Turquia e dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Sul-americanos são os que mais investiram
A América do Sul foi a região do mundo onde houve maior aumento nos investimentos militares. De acordo com o relatório do Sipri, a evolução de 2009 para 2010 chegou a 5,8%. Esse crescimento foi alavancado pelo Brasil, com gastos que chegaram a US$ 35 bilhões (R$ 59 bilhões) em 2010. Em comparação com o ano anterior, foi um aumento de 9,3% e, na década, ele chega a 30%.
Entre os fatores que justificam a liderança brasileira nos gastos militares na América do Sul, o relatório aponta o crescimento econômico do país na última década e o interesse em se tornar membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Além disso, o documento afirma que as despesas militares podem ser motivadas pela "busca de prestígio ou status, e não pela preocupação com as necessidades de defesa nacional".
O chefe do Projeto sobre Gastos Militares do Sipri, Samuel Perlo-Freeman, considera incomum os investimentos que o Brasil faz na área militar, já que mantém relações muito boas com os vizinhos e não tem qualquer intenção de exercer domínio militar na região. "O Brasil vê a posse de grandes sistemas de armas, como aviões-caça, submarinos nucleares e porta-aviões como necessária para ser visto como integrante do clube das "grandes nações". Também é forma de promover ambições, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU".
O professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing Heni Ozi Cukier argumenta que o instituto de Estocolmo tem um viés pacifista. "Mas do ponto de vista da segurança internacional, da competição política, o Brasil não pode usar este tipo de análise para garantir sua sobrevivência, precisa proteger seus interesses e ganhar o seu espaço como grande potência no mundo."
Para Cukier, o país precisa decidir qual será sua posição geopolítica mundial. "Pelo tamanho que o país tem e pelo que almeja, é preciso aumentar os investimentos militares. Ainda mais tendo países que são parceiros ou rivais no grupo dos Brics. Países como Índia, China e Rússia, que estão entre os que têm os maiores gastos militares no mundo."
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