Relações públicas é problema
Bento XVI já deu várias provas de que é um excelente comunicador. Sua média de público nas audiências gerais é maior do que a de João Paulo II. Quando esteve nos EUA, em abril do ano passado, recebeu a aprovação de 86% dos católicos. Seu discurso em Auschwitz foi belíssimo. O texto da primeira encíclica, Deus é Amor, é erudito mas também claro e acessível. Por que motivo, então, ele enfrenta tanto problema com a mídia?
Para John Allen Jr., biógrafo do Papa, o problema é de relações públicas. O exemplo mais recente foi a viagem à África, ofuscada por uma declaração condenando o uso da camisinha. A entrevista foi concedida no avião, a caminho de Camarões, a um único jornalista. O Papa não tocou no assunto durante todo o tempo no continente africano mas não se falou de outra coisa.
No caso da polêmica sobre a anulação da excomunhão do bispo ultraconservador Richard Williamson, que nega vários dos pontos mais sombrios do Holocausto, a maneira como Bento XVI lidou com a mídia também foi equivocada, como ele mesmo admitiu. Tivesse sido melhor explicada desde o início, quem sabe a repercussão tivesse sido bem menor.
"Bento XVI precisa ser cercado por pessoas hábeis em traduzi-lo para o resto do mundo", afirmou Allen, em entrevista ao Religion News Service.
Polêmicas
Veja os assuntos mais controversos envolvendo o papado de Bento XVI:
Maio de 2005 O Papa condena o homossexualismo. "Hoje, várias formas de dissolução do casamento, uniões livres, concubinato bem como pseudomatrimônios entre pessoas do mesmo sexo são expressões de liberdade anárquica que falsamente tentam se passar pela verdadeira liberdade do homem."
Setembro de 2006 Papa cita as críticas ao profeta Maomé feitas pelo imperador bizantino Manuel II que disse que o profeta só trouxe o mal, "como sua ordem para disseminar pela espada a fé que ele pregava". A declaração gera uma onda de protestos nos países muçulmanos.
Maio de 2007 Durante visita ao Brasil, diz: "O anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição". A Funai e o governo venezuelano criticam a declaração como falsa.
Março de 2009 Bento XVI diz que a aids é "uma tragédia que não pode ser combatida apenas com dinheiro ou a distribuição de preservativos, os quais podem, inclusive, aumentar o problema".
Durante a missa de abertura do último conclave, em 18 abril de 2005, o então cardeal alemão Joseph Ratzinger fez um discurso que ficaria famoso, atacando o relativismo e o secularismo dos tempos modernos. "Estamos avançando para uma ditadura de relativismo que não reconhece nada como certo e que tem como objetivo central o próprio ego e os próprios desejos", disse ele.
Para alguns, de tão vigoroso, o texto era um sinal de que o alemão não seria eleito Papa. No dia seguinte, quando a fumaça branca saiu pela chaminé da Capela Sistina, ficou claro que Ratzinger havia recebido a aprovação pela homilia do dia anterior. Hoje, quando seu papado completa quatro anos, o texto da véspera da posse parece uma premonição de como Bento XVI planejava guiar 1,1 bilhão de católicos em todo o mundo.
Seu papado tem sido marcado por um direcionamento de linha bastante conservadora, preocupado em garantir uma "verdadeira" identidade católica. Para isso, ele vem tentando reconciliar duas alas da Igreja que divergiram após o estabelecimento do Concílio Vaticano II: os tradicionalistas e os progressistas.
Convocado em 1961 pelo Papa João Paulo XXIII, o Concílio Vaticano II propunha abrir a Igreja Católica para o mundo moderno. Mas diferentes interpretações apareceram dos documentos que resultaram do encontro.
Abertura
Num primeiro período, de cerca de 20 anos, até o início do Pontificado de João Paulo II, em 1978, prevaleceu a ideia de um novo rumo para a Igreja, com revisões de questões relacionadas à vida religiosa, à liturgia e ao ecumenismo. Passou-se a ter mais liberdade na forma de celebração das missas e abriu-se o diálogo com outras religiões.
"Essa interpretação do Concílio como a Teologia da Libertação foi muito forte em partes da América Latina e, especialmente, no Brasil. Mas com a eleição de João Paulo II, ganhou força uma outra interpretação do Concílio, que o vê como uma continuidade da tradição. É essa a visão do atual Papa", diz Maria José Fontelas Rosado-Nunes, professora da cadeira de Gênero e Religião da Pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Doutrina
Ratzinger tornou-se o líder da Igreja Católica depois de 23 anos à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, em que era responsável por defender e difundir a doutrina católica. Em grande parte, como ideólogo de seu predecessor, ele foi o responsável pela retomada conservadora do Vaticano. Foi esse cargo de "guardião da fé" que lhe rendeu o apelido "Rottweiller de Deus".
Temendo que o reconhecimento de outras religiões como "verdadeiras" levem a uma indiferença religiosa, Bento XVI promove uma doutrina sem relativismos, tradicional, em busca de uma identidade católica clara.
E aí o motivo de tantas polêmicas de seu papado: a condenação ao uso da camisinha, ao feminismo, ao ato homossexual. "Uma das questões mais características da Igreja Católica é a unidade. Não tem achismo na Igreja. A Igreja usa as fontes da revelação para nos propor as suas verdades. Claro, nem tudo é dogma. São vários graus de verdades. Algumas são dogmas, outras são definitivas, outras são ensinamentos morais. Agora, o critério de verdade não pode ser a opinião de cada um, de um teólogo x. A gente não pode ter relativismo em relação à doutrina do magistério. E neste ponto o Papa Bento XVI tem dado muita ênfase", diz dom Fernando Rifan, bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, em Campos, no Rio de Janeiro.
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