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Coreano olha para imigrantes iemenitas na ilha de Jeju | JUN MICHAEL PARK/
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Coreano olha para imigrantes iemenitas na ilha de Jeju| Foto: JUN MICHAEL PARK/ NYT

Ilha tropical famosa por seus mares azul-turquesa, pelas mergulhadoras e por campos de golfe, Jeju atrai casais sul-coreanos em lua de mel há décadas. Nos últimos meses, no entanto, a ilha vem recebendo um novo tipo de visitante – pessoas em busca de asilo que estão fugindo da catástrofe no Iêmen.

 O jornalista Hani al-Junaid, de 37 anos, é um deles. "Não há mais um lugar seguro no Iêmen para eu me esconder", afirmou Junaid, cujas reportagens sobre o conflito em seu país – que a ONU afirmou ser "a maior crise humanitária do mundo" – fizeram com que se tornasse inimigo de vários grupos armados do Iêmen. 

 Ele desembarcou em Jeju, na costa sul do país, em maio, e está esperando que as autoridades sul-coreanas analisem seu pedido de refúgio. "Ouvi que a Coreia do Sul estava aberta aos iemenitas", explicou. 

 Não é bem assim 

 A chegada de centenas de iemenitas causou uma onda de oposição, levando ao que é considerado o primeiro movimento organizado contra refugiados na Coreia do Sul. 

 "Vamos expulsar os falsos refugiados", gritavam as pessoas durante uma manifestação em 30 de junho na ilha. É uma parte do fervor contra a imigração que vem varrendo o país. Protestos parecidos aconteceram em Jeju e em outros lugares, inclusive Seul, durante os últimos três meses. 

Manifestantes sul-coreanos protestam contra a imigração iemenitaJUN MICHAEL PARK/ NYT

Uma petição on-line pedindo que o presidente Moon Jae-in pare de receber requerentes de asilo já tem mais de 714 mil apoiadores, um recorde para esse tipo de reivindicação. 

 Surpreso, o governo de Moon, ele mesmo filho de refugiados que fugiram da Coreia do Norte durante a guerra, prometeu rever as leis para dificultar a triagem de candidatos. 

 Por que Jeju? 

 A popularidade de Jeju como local de férias domésticas vem diminuindo porque os sul-coreanos mais ricos começaram a voar para destinos no exterior. 

 Assim, para revitalizar a indústria do turismo, a ilha conseguiu, em 2002, uma permissão para introduzir uma política de não exigir visto para a maioria dos visitantes estrangeiros, o que garantiu que seus hotéis ficassem lotados de turistas da China e do Sudeste Asiático. 

 Em dezembro, quando a AirAsia começou a operar voos baratos diretos de Kuala Lumpur, na Malásia, para Jeju, a ilha de repente chamou a atenção dos refugiados iemenitas em busca de asilo, que a viram como um meio de entrar na Coreia do Sul, já que também estavam isentos de vistos. 

 Milhares de iemenitas fugiram para a Malásia por causa da conexão muçulmana  e porque o país não exige visto de turista para eles. Mas eles não podem permanecer mais de 90 dias ali, e o país não lhes garante status de refugiados, assim, Jeju pareceu um lugar mais seguro. 

Leia também:  Já estava ruim. Agora ficou pior: o retrato da maior crise humanitária no mundo

 Em 2017, 51 iemenitas aportaram na ilha. Nos primeiros cinco meses deste ano, o número pulou para 561.  Junaid, que foi para Jeju em 29 de maio, chegou em cima da hora. Em 1º de junho, a Coreia do Sul adicionou os iemenitas na lista de cidadãos de 11 outros países que precisam de visto para entrar na ilha. 

 Em 30 de abril, um mês antes de Junaid chegar, o governo proibiu os 487 iemenitas que buscavam refúgio e que ainda estavam em Jeju de partirem para o continente enquanto seus pedidos de asilo estivessem sendo analisados. 

 "Jeju era a nossa melhor opção", diz Jamal Nasiri, de 43 anos, ex-funcionário agrícola do Iêmen, que chegou à ilha em maio com sua mulher e cinco filhas, com idades entre oito e 18 anos.

Pensamos no nosso futuro, em como manter nossas crianças seguras e mandá-las para a escola para ter uma vida melhor, porque somos humanos." 

 Muaadh Galal Mohammed al-Razeqee e sua mulher, que está grávida, fugiram do Iêmen em maio e desembarcaram em Jeju seis dias depois, pegando na Malásia um voo de US$150 da AirAsia para a última parte da viagem. 

 "No Iêmen é só bomba, bomba, bomba o tempo todo", afirma Razeqee. "Não tem água, eletricidade, emprego, escola, nada. Como posso dar uma vida melhor para meu filho? A notícia sobre Jeju se espalhou e ouvi dizer que posso ter uma chance." 

 A Cruz Vermelha e grupos locais se mobilizaram para ajudar os solicitantes de asilo, oferecendo assistência médica, alimentação e cobertores enquanto aguardam a decisão sobre seus pedidos. Razeqee e sua mulher encontraram abrigo temporário quando uma professora de inglês norte-americana concordou em dividir seu apartamento com eles. 

 No entanto, nem todo mundo em Jeju tem sido tão receptivo. 

 Quem vem primeiro? 

 Enquanto poucas centenas de iemenitas constituem uma pequena porcentagem da população de 660 mil pessoas da ilha, sua presença vem gerando muita preocupação, e até mesmo medo. "Se essas pessoas são seguras, por que o governo não deixa que se mudem para o continente como elas querem fazer?", pergunta Kim Jin-yi, de 32 anos, que compareceu ao protesto em Jeju. 

 A Coreia do Sul se orgulha de sua sociedade homogênea e há muito tem evitado aceitar requerentes de asilo. Por causa de sua localização, o país não é um destino importante para os refugiados, além daqueles que fogem da Coreia do Norte, que geralmente são aceitos como compatriotas. 

 Isso, no entanto, vem mudando desde 2013, quando o país, sob pressão de grupos de direitos humanos, adotou uma nova lei que oferece proteção aos refugiados. Desde então, o número de pedidos de asilo subiu de 2.896 em 2014 para 9.942 no ano passado. 

 À medida que o número cresce, também amplia a cautela pública, e as tensões aumentaram muito em Jeju desde que os iemenitas se viram confinados ali. 

 "Quem vem primeiro, o nosso próprio povo ou os refugiados?", gritaram cerca de 50 manifestantes, a maioria mulheres, que marcharam sob a chuva ao redor da prefeitura de Jeju. 

 Durante a manifestação, os oradores chamaram os refugiados de criminosos em potencial ou de migrantes ilegais que vieram roubar empregos. Por que a Coreia do Sul aceita refugiados, perguntaram, quando os Estados Unidos estão fechando suas fronteiras? 

 "Se Jeju for violada, a Coreia do Sul será violada", disse Oh Mi-jin, de 44 anos, que planta repolhos e brócolis na ilha. Ela afirmou que estava furiosa com o fato de o governo ter deixado as pessoas da área rural como ela – "trabalharem sozinhas nos campos" – expostas ao perigo que, segundo ela, os migrantes representam. 

 Mais de 90% dos requerentes de asilo vindos do Iêmen são homens. Eles dizem que querem apenas um lugar seguro para trabalhar, mas alguns ilhéus afirmam que estão com tanto medo dos migrantes que não deixam mais seus filhos brincarem ao ar livre. "Quando eles andam em grupos, as mulheres os evitam", contou Byun Jin-young, de 40 anos, mãe de duas crianças. 

 Na internet, os alarmistas alertam sobre uma invasão de terroristas ou de estupradores árabes. "Desde cedo, eles aprendem a tratar as mulheres como escravas sexuais e a bater nelas como quiserem", disse Yang Eun-ok, de 70 anos, líder dos protestos de Jeju. "Eles podem ter várias mulheres e fazer muitos filhos. Agora, temos 500 deles. Em dez ou 20 anos, quantos deles haverá?" 

 Do que mais os sul-coreanos têm medo? 

 As centenas de iemenitas deixados em Jeju se sentem presos. Marwan Saeed, de 38 anos, engenheiro de computação de Sanaa, a capital do Iêmen, chegou no final de maio. Ele vendeu seu carro Hyundai usado e as joias de sua mulher para conseguir dinheiro para a viagem. 

 Depois que seu dinheiro acabou, mudou-se do quarto de motel barato para uma barraca, onde acampou por 11 dias, lutando contra as monções e os mosquitos. "Acho que tenho mais opções fora de Jeju", afirmou ele. "Mas eles nos prendem aqui como animais. Como humanos, temos direito de ir e vir. Qual é a diferença entre nós e os refugiados de outros países?" 

 O governo central está tentando ajudar os refugiados a encontrar empregos temporários em barcos de pesca, fazendas de peixes e restaurantes enquanto esperam as análises, que podem demorar meses. 

 Kim Eun-young, nativa de Jeju que oferece aulas de coreano para vários iemenitas, diz que se alguma região da Coreia do Sul deveria ser simpática à situação dos iemenitas, essa região é Jeju. 

 Desde o final dos anos 1940 até a Guerra da Coreia (1950-3), os militares, a polícia e as milícias de direita massacraram milhares de ilhéus em nome da luta contra os comunistas, e vários residentes, incluindo a tia de Kim, procuraram refúgio no Japão. 

 "Eles trabalharam duro em cidades japonesas como Osaka e mandaram dinheiro para construir centros comunitários, pavimentar ruas e comprar material escolar em suas cidades aqui em Jeju", contou Kim. 

 Os preconceitos dos locais deixam exasperados muitos dos iemenitas que estão aqui. Majid, de 28 anos, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome porque é procurado no Iêmen por causa de seu ativismo como ateísta, defendeu seu país de origem e o tratamento que eles dão às mulheres. 

 Não vemos as mulheres da maneira como eles acham. Do que mais os sul-coreanos têm medo? Do nosso nariz? Bem, eu não posso mudar meu nariz, posso?

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