O inesperado anúncio da libertação de 52 presos políticos cubanos fez renascer expectativas de que o regime político em vigor desde a Revolução Cubana de 1959 esteja esfarelando, e que a abertura política e comercial é logo ali. Além de surpreender o mundo, o gesto do regime de Raúl Castro livrou da morte o dissidente Guillermo Fariñas, em greve de fome havia 135 dias.Se concretizada por completa, a soltura negociada com o governo da Espanha e a Igreja Católica soma-se à uma série de medidas internas que beliscam o regime comunista instituído desde a Revolução Cubana em 1959."A mensagem que o governo cubano tenta passar ao mundo é que a distensão de seu regime é um caminho necessário para a sua sobrevivência, ainda que se tenha criado uma situação de tamanha pressão que qualquer passo de descompressão do regime seja perigosa para a própria permanência das atuais lideranças o que parece ser um dos objetivos do governo", analisa Daniel Chaves, pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para Tilden Santiago, ex-embaixador do Brasil em Cuba (2003-2006), a libertação dos prisioneiros amplia a expectativa quanto ao futuro político da ilha. "É um sinal muito positivo feito pelo regime cubano", define. "Esse gesto amplia a esperança de que Cuba possa rumar para um regime político mais aberto ao mundo. Acredito que Cuba inaugura a etapa mais importante de sua história desde a revolução de 1959", afirma.
Mesmo que a libertação dos prisioneiros seja um gesto inédito na história recente do país, as dúvidas sobre o futuro do regime cubano ainda permanecem. Embora não tenham gerado mudanças profundas no contexto político-econômico do país caribenho, as pequenas reformas de Raúl apontam certa pré-disposição em relaxar a economia comunista, mas também pode ser lido como uma cortina de fumaça em tempos de incerteza em torno da sucessão dos irmãos Castro.
"É difícil todo e qualquer diagnóstico sobre a dinâmica interna do regime, pela sua própria característica fechada, quase como uma caixa-preta. Mas, particularmente, não acredito em revisão de conceitos. A situação em Cuba está muito aquém de qualquer prerrogativa de progresso e mudança política", avalia Chaves.
Direitos Humanos
Os presos libertados foram detidos durante a Primavera Negra de Cuba, um levante governista contra dissidentes ocorrido em 2003 e condenado por organizações internacionais. As acusações de violação aos direitos humanos foram amplificadas pelas greves de fome feitas pelo prisioneiro Orlando Zapata Tamayo e, depois, pelo também dissidente Guillermo Fariñas. Tamayo, integrante de movimentos de oposição em Cuba, foi preso durante a Primavera Negra e condenado a 36 anos de prisão.
Em dezembro do ano passado, o dissidente iniciou a greve de fome exigindo poder usar roupas de cor branca (símbolo do movimento oposicionista) ao invés do uniforme da prisão. Também denunciava as condições do presídio, exigindo que os presos tivessem melhores condições no cárcere. Tamayo morreu após 85 dias de jejum, mas seu ato de desespero sensibilizou a opinião pública.
O clamor foi ecoado por uma outra greve de fome, iniciada um dia após a morte de Tamayo. O psicólogo e jornalista Guillermo Fariñas, no entanto, condicionou o término de sua greve de fome à libertação de 26 presos políticos doentes. A longa agonia de Fariñas, que manteve a greve por 135 dias e esteve perto de morrer, pressionou o governo de Raúl Castro a encontrar uma saída para retirar os holofotes de cima de si. "Depois da morte de Tamayo e do início da greve de fome de Fariñas, houve grande pressão da Europa, dos Estados Unidos e de outros países", relata Santiago. "A Igreja Católica, que sempre foi oposição ao regime cubano, teve importância fundamental no processo. O cardeal [Jaime] Ortega, líder das negociações, é muito pragmático e hábil na relação com os irmãos Castro", ressalta.
EUA
Toda discussão sobre uma abertura comercial em Cuba passa pelo levante do bloqueio imposto pelos Estados Unidos à ilha em 1961. No ano passado, quando acabou a proibição de viagens e envio de dinheiro à ilha por cubanos-americanos, o governo de Obama parecia estar flertando com a possibilidade de levante do embargo. Mas, desde então, gesto algum de aproximação foi feito por nenhum dos dois países.
"A relação entre Cuba e Estados Unidos vem se mantendo a mesma ao longo das décadas, não importa quem seja o presidente americano", percebe Virgílio Arraes, especialista em política externa dos Estados Unidos e professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília.
"Estamos diante de um impasse. Cuba não vai tomar a iniciativa, porque o regime justifica uma boa parte de seus problemas ao afirmar que tudo é resultado do embargo americano", explica.