Um pastor americano foi acusado de distribuir uma "bebida milagrosa" venenosa para milhares de ugandenses, incluindo bebês, de acordo com uma reportagem do jornal britânico The Guardian.
Robert Baldwin – fundador de uma organização cristã sem fins lucrativos com sede em Nova Jersey, EUA – estava oferecendo uma "cura milagrosa" para quase 50 mil ugandenses, de acordo com a reportagem original do jornal. Em conjunto com Sam Little, um suposto clarividente britânico, Baldwin estava promovendo a substância como uma cura para muitas doenças, incluindo câncer, malária e HIV / AIDS.
A cura? Conhecida como "solução mineral milagrosa", ou MMS, a substância consiste em clorito de sódio e ácido cítrico, que se combinam e produzem dióxido de cloro, um alvejante industrial. A embaixada dos EUA em Kampala condenou na segunda-feira (20) a distribuição da substância.
Em uma entrevista para o site de notícias NJ Advance Media, Baldwin negou a distribuição da "cura" e disse que teve que encerrar suas operações por causa do ódio que surgiu contra ele.
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O pastor, que não parece ser afiliado a uma igreja, desativou suas contas nas redes sociais e seu site, chamado Global Healing Christian Missions (Missões Cristãs de Curas Globais). O Washington Post não conseguiu contato com ele.
Baldwin, que não é profissional da área médica, treinou cerca de 1.200 clérigos em Uganda para administrar a "cura milagrosa", e eles então davam a mistura aos membros de suas congregações, escreveu o Guardian. O site de notícias também alega que a bebida foi dada a bebês com apenas 14 meses de idade.
"Os Estados Unidos e a Europa têm leis muito mais rigorosas, então você não é tão livre para tratar as pessoas porque [os tratamentos são] muito controlados pela FDA [Food and Drug Administration, agência americana responsável pelo controle de medicamentos, entre outros]. É por isso que eu trabalho nos países em desenvolvimento", disse Baldwin, segundo o jornal The Guardian.
Danos à saúde
A agência americana FDA emitiu uma advertência pública contra a MMS em 2010, quando a promoção dos supostos benefícios à saúde da bebida estava se espalhando nos Estados Unidos. A FDA pediu que as pessoas que tivessem MMS "parassem de usá-la imediatamente e a jogassem fora".
Os relatos de danos à saúde após o uso do produto incluem náuseas severas, vômitos e pressão arterial baixa com risco de morte devido à desidratação, de acordo com a advertência da FDA. O MMS foi banido no Canadá e na Irlanda.
Baldwin reconheceu que ele não queria chamar a atenção para o uso de MMS, de acordo com o Guardian. "Você tem que fazer isso de maneira discreta. É por isso que eu o estabeleci por meio da igreja", disse ele.
Pelo menos um especialista em missões cristãs disse que organizações como a de Baldwin não devem ser confundidas com o trabalho legítimo.
"Isto não é um trabalho missionário", disse Jonathan Bonk, diretor do Dicionário da Biografia Cristã Africana. Bonk, que cresceu na Etiópia, também é diretor executivo do Centro de Estudos de Ministérios Estrangeiros da Universidade de Boston. Ele disse que aproximadamente 85% dos ugandenses são cristãos, muitos deles devotos.
Operações como a de Baldwin muitas vezes se promovem como obra missionária porque isso funciona melhor para apoiadores americanos, disse Bonk. "Os Estados Unidos têm uma longa tradição de acreditar que eles têm muito a oferecer ao mundo", disse ele. "Isso dá uma espécie de legitimidade. Eles podem mostrar fotos de situações extremas para conseguir possíveis doadores".
Mas Bonk adverte que a maioria dessas organizações, como a de Baldwin, é fraudulenta.
"Essas são pessoas muito, muito pobres que estão doentes e acreditam que vão melhorar", disse Bonk. "Onde as pessoas estão desesperadas por cuidados médicos, elas depositam sua fé em milagres".
Medicina ilegítima
Stephen Barrett, um psicólogo aposentado, coordena um site de rastreamento de fraudes relacionadas à saúde desde 1997. Ele escreveu sobre os efeitos perigosos da MMS em 2016.
"O mundo não é bem preparado para lidar com pessoas que insistem em vender produtos inúteis", disse Barrett. Ele disse que as proteções aos consumidores contra produtos prejudiciais à saúde devem ser priorizadas e que a FDA deve tomar medidas proativas contra as pessoas que as promovem.
"Cabe ao governo de Uganda impedir isso agora", disse Barrett.
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Em um tuíte publicado na segunda-feira, a embaixada dos EUA em Uganda disse que tinha conhecimento de que um pastor americano fornecia MMS para igrejas em Uganda.
"Condenamos fortemente a distribuição desta substância, que é extremamente perigosa e NÃO é uma cura para doença alguma", disse o tuíte.
Fiona O'Leary, que faz campanha contra a medicina ilegítima e a MMS há seis anos, disse que Baldwin e outros aparecem em Uganda com "a Bíblia em uma mão e a água sanitária na outra".
O'Leary, que gravou uma conversa por telefone com Baldwin, que teve um trecho reproduzido no artigo do The Guardian, disse que ela quer que ele seja processado. "Eles vão para países do terceiro mundo porque sabem que podem se safar", disse ela. Bonk diz que acreditar em curas milagrosas não é exclusividade de um país ou de um grupo de pessoas. "Como humanos, somos uma espécie crédula", disse ela.