Na Coral, uma das principais casas de apostas britânicas, Donald Trump e Kim Jong-un são os favoritos — com chances de 2/1 — para ganhar o Prêmio Nobel da Paz este ano. Eles estão à frente do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, o ativista saudita Raif Badawi, o Papa Francisco e outros potenciais vencedores. Se as conversas fluírem bem como a cúpula desta sexta-feira (27) entre Kim e seu colega sul-coreano Moon Jae-in, e a paz for restabelecida na península coreana, ambos merecerão isso.
Há uma lição nisso. As pessoas mais repugnantes e desagradáveis, até ditadores implacáveis e assassinos em massa, podem e devem ser celebrados por ações específicas que tornam o mundo um lugar mais seguro. Em alguns casos, essas ações irão — e devem — formar seu legado.
Tome como exemplo Winston Churchill. Reagindo ao filme de 2017, "O Destino de uma Nação", que apresentou o líder britânico como um brilhante e idiossincrático opositor lutando contra uma elite anêmica para acabar com as tentativas de acordo com os nazistas, Shashi Tharoor, chefe do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento indiano, escreveu provocativamente no Washington Post: "Ele foi um dos grandes assassinos em massa do século XX, mas é o único, ao contrário de Hitler e Stalin, que escapou do julgamento histórico no Ocidente." Ele empregou táticas homicidas contra rebeldes nas colônias britânicas, uma parte provocando a grande fome de 1943 em Bengala e o bombardeio de Dresden em 1945.
As exatas acusações e seu contexto ficam para os historiadores discutirem. Churchill é justamente festejado por enfrentar os nazistas, sua maior conquista. Esta ação não apenas inclina a balança a seu favor quando isto é comparado com seu lado sombrio, mas também tende a limpar seu histórico, já que do contrário as coisas teriam terminado ou tomado uma direção nefasta com a vitória dos nazistas.
Da mesma forma, pode-se argumentar que nada do que aconteceu desde o milênio poderia corresponder a um potencial acordo de paz coreano. O conflito que dividiu a Coreia é provavelmente o maior negócio inacabado do século 20, entrando século 21 adentro.
Começou em 1948, tornou-se uma “guerra de procuração” entre a União Soviética e os EUA, arrastou a China e continuou até sua fase atual, possivelmente ainda mais complexa. Criou uma das últimas nações divididas na Terra, governada por regimes que não poderiam ser mais diferentes — a tecnocracia sul-coreana e o estado ideológico norte-coreano impulsionado por um culto à personalidade.
Talvez seja prematura a cobertura incessante das conversações entre Kim e Moon, seus sorrisos e apertos de mão, suas incursões aparentemente sem perspectiva aos lados opostos da fronteira mais fortificada do mundo. Talvez as palavras de Kim sobre o começo de "uma nova história" e "uma era de paz" sejam apenas uma retórica destinada a fazer com que o Ocidente afrouxe as sanções contra a Coreia do Norte em troca de algumas promessas sem sentido.
Os hackers norte-coreanos acabam de ser ligados a um ataque cibernético maciço em todo o mundo, destinado a roubar dados sobre a infraestrutura ocidental e suas principais indústrias. E Kim ainda é o mesmo governante que usou tortura, trabalhos forçados, propaganda implacável e práticas sociais desumanas para subjugar seus súditos, como seu pai e seu avô haviam feito antes dele. Não há razão para que ele pare e aja de repente como o popular estudante da escola particular suíça que ele já foi. É difícil ver como ele pode se dar a esse luxo sem perder poder.
Trump também ainda é Trump. Ele ridicularizou Kim como "Little Rocket Man (Pequeno Homem Foguete)", então mudou de forma ininterrupta para um tom respeitoso — tudo sem demonstrar qualquer compreensão das complexidades da questão coreana. Ele pode voltar atrás facilmente quando as dificuldades aparecerem. Estrito, real controle internacional sobre o programa nuclear do Norte e grandes cortes na presença militar dos EUA, para citar apenas algumas das concessões necessárias que os lados possam precisar, não estão de modo algum garantidos. Trump gosta de ganhar e se torna petulante quando os outros não lhe dão o que ele quer.
Mas a possibilidade de um avanço deve fazer com que até os inimigos de ambos tomem cuidado para não depreciar seus esforços. Se um acordo de paz coreano for a única coisa boa que fizerem em suas vidas, pode ser o suficiente para resgatá-los e suplantar todas as coisas desagradáveis que eles disseram e fizeram.
De forma semelhante, Mikhail Gorbachev, o último líder soviético, que é culpado por muitas coisas diferentes na Rússia e seus ex-Estados vizinhos soviéticos, ganhou seu Prêmio Nobel da Paz por escolher a paz em vez da guerra — e acabar com a divisão da Alemanha no processo. Isso, e não sua ineficaz liderança, má escolha de subordinados ou tentativas frágeis de acabar com as revoltas na periferia soviética, faz de Gorbachev uma figura histórica.
Então não conte comigo para fazer uma careta para Trump e Kim. A paz é frágil. É também a conquista principal para um líder. Aqueles que o alcançam são heróis, sejam eles quem forem.
Bershidsky é colunista da Bloomberg View. Ele foi o editor fundador do jornal de negócios russo Vedomosti e fundou o site de opinião Slon.ru.