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Conflito no Golfo

Um roteiro para o Iraque

Curitiba – A Constituição que a população iraquiana deve votar em 15 de outubro será um roteiro para o país, que tenta se reestruturar politicamente há 13 meses. Apesar de o Parlamento adiar há uma semana a apresentação do texto final da carta, as discussões estão adiantadas. Os legisladores já teriam definido a maior parte das regras sobre como o governo do Iraque vai funcionar. Se a proposta for aceita pela população no referendo de outubro, passará a determinar as relações de poder e inclusive o mapa iraquiano.

O país foi invadido pelos Estados Unidos em março de 2003, e o processo de devolução do governo aos iraquianos começou em junho de 2004. No entanto, até que a Constituição entre em vigor, os líderes xiitas, sunitas e curdos vão continuar disputando o domínio sobre cada região, principalmente as mais ricas em petróleo – o sul e o norte.

Além disso, os Estados Unidos, que chegaram a sugerir uma Constituição pronta aos legisladores, fazem pressão para que as leis não sejam pautadas pelo Islã. O governo provisório – dominado pelos xiitas, que tinham que aceitar o comando sunita na ditadura de Saddam Hussein – estaria disposto a adotar uma Carta laica. No entanto, o papel dos líderes de cada grupo étnico-religioso ainda divide as comunidades. Segundo os especialistas, a discussão sobre a divisão do poder em Kirkut, por exemplo, teria sido apenas adiada por um acordo que dividiu a cidade em regiões na última semana.

As diferenças étnicas e religiosas são o centro da discórdia no Iraque, afirma o doutor em Ciência Política e especialista em Segurança Internacional Gunther Rudzit, da Universidade de São Paulo (USP). "Para os xiitas, a religião tem um papel importante. Sunitas e curdos discordam", explica. Ele diz acreditar que, apesar das divergências, os xiitas vão acabar cedendo, até porque os radicais iraquianos já conviveram com um governo que não seguia à risca as lições religiosas na época de Saddam.

Para Rudzit, o próprio atraso do Parlamento – que forçou os iraquianos a ignorarem as próprias regras da transição, segundo as quais são necessárias novas eleições se não houver acordo entre os parlamentares na elaboração da proposta da Constituição – é uma prova das dificuldades de consenso. Para ele o clima de impasse vai prevalecer, mesmo depois do texto finalizado.

Em sua avaliação, o parlamentarismo é o sistema que mais se adapta ao ambiente de discórdia, em que os xiitas, apesar de serem 60% da população, enfrentam forte oposição dos sunitas e curdos. "No presidencialismo, quem ganha leva tudo. O parlamentarismo é mais adequado por permitir o jogo de forças", avalia.

Essa saída atenderia em parte os interesses dos Estados Unidos, que temem a imposição dos interesses xiitas pelo risco de uma aproximação entre o Iraque e a Arábia Saudita, baseada na identidade religiosa. O grau de autonomia de cada região segue indefinido.

Segundo o cientista político Samuel Feldberg, do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, a discussão mais importante se dá justamente em torno da questão federativa. Ele diz que a dificuldade maior dos iraquianos é definir a extensão da autonomia de curdos no norte e de sunitas e xiitas no sul.

Mesmo assim, ele afirma que o atraso de dez dias na formulação da Constituição não compromete o processo de transição. Ou seja, para ele, ainda há tempo para que o referendo constitucional aconteça em 15 de outubro e as eleições gerais, em 15 de dezembro. Essas datas foram estabelecidas pelo plano que prevê a posse de um presidente eleito em janeiro do ano que vem.

O que parece certo, na avaliação de Feldberg, é a perda de influência sunita, mesmo que o destino do país continue sendo determinado por um Parlamento, como ocorre desde junho do ano passado. As concessões que vêm sendo feitas desde as eleições de 30 de janeiro deste ano seriam meras tentativas de reduzir a violência. Para os xiitas, a minoria sunita é responsável por boa parte dos atentados registrados no Iraque. Os insurgentes são responsáveis por 9% das mais de 25 mil mortes de civis, segundo o relatório Iraq Body Count (Contagem de Mortes no Iraque), elaborado por cidadãos norte-americanos e britânicos contrários à guerra.

O risco da indefinição prolongar o confronto armado entre as tropas estrangeiras e os grupos de resistência – encoberto pelo governo norte-americano e negado pelo governo interino do Iraque – foi confirmado pelo secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, que esteve no Paraguai na última semana. Questionado sobre se a demora fortalece a insurgência, ele disse que "o atraso não ajuda". Em sua avaliação, a questão é lógica: "Quanto mais cedo a Constituição for definida, menos iraquianos (e soldados estrangeiros) devem morrer."

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