No domingo (18), os delegados da assembleia geral da Interpol – a Organização Internacional de Polícia Criminal, órgão coordenador da aplicação da lei em 192 países – se reuniram em Dubai para sua 87ª sessão anual. O item mais importante da agenda ficou para o último dia do evento: nesta quarta-feira, os delegados elegerão o novo presidente da organização, que vai substituir Meng Hongwei, que desapareceu na China em outubro. Autoridades chinesas, que mais tarde admitiram ter detido Meng, anunciaram que ele havia sido preso por “acusações de corrupção” e enviaram à Interpol o que supostamente seria sua carta de renúncia à sede da agência em Lyon, na França.
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O principal candidato a tornar-se o próximo presidente da Interpol é Alexander Prokopchuk, um general da polícia do Ministério do Interior da Rússia que dirige há sete anos o departamento russo da Interpol. A candidatura de Prokopchuk foi mantida em sigilo até o último momento – e, presumivelmente, até que o Kremlin estivesse confiante em conseguir votos suficientes.
Vários países expressaram preocupação de que a Interpol possa eleger um russo como seu novo chefe apesar das críticas de que Moscou tenha usado a agência policial internacional para punir opositores políticos.
Os Estados Unidos “endossam fortemente” o candidato sul-coreano para substituir Meng, disse o secretário de Estado Mike Pompeo nesta terça-feira (20).
A possibilidade de um russo subir à presidência da Interpol disparou alarmes em capitais como Washington e Londres. A agência é uma central de serviços policiais nacionais que perseguem suspeitos fora de suas fronteiras.
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No passado, a Rússia e outros países foram acusados de abusar de “alertas vermelhos” sobre supostos inimigos políticos, levando-os a serem parados em aeroportos e detidos.
O exemplo mais conhecido é Bill Browder, um financista britânico nascido nos EUA e crítico do Kremlin. Browder fez lobby no Congresso para a aprovação do Ato Magnitsky, assim chamado em homenagem ao advogado e amigo russo de Browder, Sergei Magnitsky, que acusou o governo russo de fraude fiscal e morreu na prisão em 2009. Browder prometeu vingar a morte de Magnitsky. Desde então, ele foi detido pelo menos sete vezes em vários países, enquanto a Interpol tentava verificar os mandados de prisão emitidos pela Rússia.
Somente nesta semana, as autoridades russas lançaram uma nova investigação criminal sobre Browder, acusando-o de estar envolvido na morte de Magnitsky.
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Prokopchuk é bem conhecido dentro da Interpol e considerado um profissional. Acredita-se que ele tenha o apoio de vários países que não costumam ser aliados da Rússia. O candidato sul-coreano, Kim Jong-yang, é o atual presidente em exercício, mas ele não é tão conhecido como Prokopchuk.
Nos últimos dias, o Departamento de Estado dos Estados Unidos enviou diligências a embaixadas e consulados, segundo pessoas com conhecimento das notas diplomáticas usadas para persuadir e informar governos estrangeiros.
“Sem entrar em detalhes, gostaríamos de observar que há mais de um candidato para essa posição e estamos ativa e amplamente engajados com os estados membros da Interpol para ressaltar a necessidade de eleger alguém que promova, não enfraqueça, os valores e práticas que fazem da Interpol um órgão internacional tão vital”, disse um funcionário, falando sob condição de anonimato para ser mais franco sobre o esforço de lobby nos bastidores.
Quatro senadores dos EUA emitiram uma declaração na segunda-feira comparando a seleção de Prokopchuk a “colocar uma raposa no comando de um galinheiro” e instando chefes de polícia dos 192 países membros a rejeitá-lo.
“A Rússia abusa rotineiramente da Interpol com o propósito de acertar contas e assediar opositores políticos, dissidentes e jornalistas”, disse o comunicado, assinado por Jeanne Shaheen, Roger Wicker, Christopher Coons e Marco Rubio. “Alexander Prokopchuk esteve pessoalmente envolvido nesta estratégia de intimidação que, em última análise, procura enfraquecer as instituições democráticas e fortalecer o regime autoritário de Putin”.
O porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, divulgou uma declaração chamando a carta dos senadores de um exemplo de “interferência no processo eleitoral” na Interpol. O fraseado pareceu ser uma provocação a autoridades e legisladores dos EUA que acreditam que a Rússia interferiu na eleição presidencial de 2016.
Alvos
Um grupo de direitos humanos britânico, Fair Trials, escreveu ao secretariado da Interpol protestando fortemente contra a indicação e notando que “não seria apropriado para um país com um registro de violações das regras da Interpol (por exemplo, frequentemente ao usar seus sistemas para disseminar alertas politicamente motivados) ter um papel de liderança nesta instituição chave de fiscalização”.
“Alertas politicamente motivados” têm sido uma tática favorita do Kremlin, usada para legitimar as acusações contra oponentes políticos e dificultar suas vidas limitando seus movimentos. Apesar da proibição explícita na constituição da Interpol sobre “qualquer intervenção ou atividades de caráter político, militar, religioso ou racial”, a organização aceitou com entusiasmo os pedidos de Moscou de emitir “alertas vermelhos” – na verdade, mandados de prisão internacionais – contra oponentes notáveis do Kremlin.
Entre os alvos estão Vladimir Gusinsky, o antigo proprietário do principal grupo de mídia independente da Rússia; Leonid Nevzlin, vice-presidente da Yukos Oil, que foi indiciado como parte da campanha do Kremlin contra a empresa; Eerik-Niiles Kross, um político estoniano que há muito tempo é uma pedra no sapato do Kremlin; Boris Berezovsky, que já foi o mais influente “oligarca” da Rússia, que ajudou a levar Vladimir Putin ao poder e mais tarde se tornou seu oponente; Akhmed Zakayev, primeiro ministro checheno exilado; e Nikita Kulachenkov, ativista da Fundação Anti-Corrupção de Alexei Navalny. Foram precisos muito tempo e esforço para persuadir a Interpol a retirar os mandados por causa de sua motivação política.
“Com um chefe da polícia nomeado por Putin no comando, o Kremlin não precisaria mais abusar da Interpol para perseguir seus objetivos; seria capaz de colocar a organização a seu serviço”, diz Kara-Murza, historiador, cineasta e ativista russo, que também é vice-presidente do movimento Open Russia.
“O mau uso do sistema de ‘alerta vermelho’ seria o menor dos problemas caso Prokopchuk chegue à presidência da Interpol. O objetivo principal da organização é o compartilhamento de informações e a assistência mútua entre as forças policiais nacionais. Pode-se imaginar o que o Kremlin poderia fazer com acesso a bancos de dados confidenciais em todo o mundo”, afirma Kara-Murza.
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