Os republicanos, incluindo Donald Trump, se opõem vigorosamente; cada vez mais, há custos e atrasos; os californianos estão basicamente contra. E a principal dúvida – a forma como será pago – ainda não foi esclarecida.
Mas no Vale Central, longe dos debates em Washington e em Sacramento, o trem-bala de US$100 bilhões entre Los Angeles e San Francisco já saiu da prancheta e está presente em 21 canteiros de obras espalhados por cinco condados centrais.
O trabalho começou recentemente em uma das partes mais ambiciosas do projeto: um viaduto por onde os trens passarão sobre uma grande rodovia, em Fresno. As obras vão ser iniciadas em mais três viadutos nos próximos meses.
Mas mesmo com todos os guindastes, equipes trajando coletes laranja, caminhões apitando e concreto fresco, ainda não está certo se será um dia concluído. Além da falta de financiamento, enfrenta oposição de Trump e do parlamentar Kevin McCarthy, republicano de Bakersfield, que é o líder da maioria na Assembleia.
Críticas contínuas
Os atrasos contínuos e os custos crescentes geraram críticas que acusam a Califórnia, talvez o estado mais próspero na nação, de jogar dinheiro fora em um projeto de transporte que alguns descrevem como o principal exemplo de desperdício governamental em um estado controlado pelos democratas.
"Este vai ser o trem-bala mais caro e mais lento que já se viu", disse Jim Patterson, ex-prefeito de Fresno que agora é deputado republicano na Assembleia e crítico do projeto.
A construção completa enfrenta a ameaça, sempre presente, de um futuro governador que decida que os recursos estatais talvez sejam melhor utilizados para, por exemplo, lidar com a crise imobiliária. Jerry Brown, grande defensor do trem, deixará o cargo no fim do ano.
"O projeto parece fazer ainda menos sentido hoje", disse Joe Nathan, professor de política pública da Universidade de Stanford.
Ambição
O trem de alta velocidade na Califórnia, defendido pelo democrata Brown e por Arnold Schwarzenegger, seu antecessor republicano, é o projeto mais ambicioso de transporte público em construção nos Estados Unidos hoje. E está em andamento, enquanto outras ambições de melhoria de trânsito em massa – para o sistema de metrô em Nova York, para uma linha inovadora de trem elevado em Honolulu – foram prejudicadas por custos e oposição.
O apoio entusiástico de Brown tem sido crucial para o avanço do projeto. Gavin Newsom, vice-governador democrata e o principal candidato para a sucessão, mudou de opinião várias vezes ao longo dos anos; por vezes, chegou perto de se opor de imediato, embora nesta campanha tenha dito que o apoia, mesmo expressando preocupação com os custos e os desafios de engenharia. Em contrapartida, seu adversário, o republicano John Cox, se comprometeu veementemente a abandonar o projeto se eleito.
A linha completa está programada para ser concluída até 2033. Não há escassez de obstáculos para o que mesmo os maiores defensores chamam de um calendário ambicioso, incluindo o desafio de construção de túneis através das Montanhas Tehachapi, uma barreira entre o Vale Central e Los Angeles.
Originalmente, o custo seria dividido entre o estado, o governo federal e empresas privadas, mas o acordo foi abalado pela incerteza quando a esperança de recebimento de verbas federais se esvaiu, devido à chegada dos republicanos ao poder em Washington e às companhias se afastando do risco incerto. Até agora, a autoridade ferroviária compareceu com menos de US$ 30 bilhões dos US$100 bilhões necessários, e acredita-se que os custos continuem a subir.
"É preciso conseguir a verba que falta. No momento, 100% do custo vai ser absorvido pelos contribuintes", disse Martin Wachs, professor emérito de Engenharia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e membro de um comitê nomeado pelo legislativo para rever o projeto.
Aposta estratégica
Iniciar a construção sem todo o financiamento garantido representa uma aposta estratégica da autoridade ferroviária, e de Brown – a de que uma vez que boa parte do trabalho for concluída, os futuros líderes vão relutar em interromper o projeto e deixar uma paisagem inacabada de pilares, viadutos, pontes e trechos de estrada. Confrontada com recursos reduzidos, a autoridade alterou seus planos, e está focada em terminar um trecho de 190 quilômetros de pista, entre Bakersfield e Madera, até 2022.
Brian P. Kelly, o chefe da agência, argumentou que quando esse trecho for concluído, as pessoas vão se reunir em torno do projeto e a comunidade empresarial se convencerá de sua viabilidade.
"Se eu conseguir que os trens comecem a funcionar, os californianos vão perceber que é uma coisa que todos querem. Há muita atenção dada ao que não temos, mas levantamos fundos suficientes para fazer o que é preciso", disse ele.
"Sim, o projeto enfrenta desafios, e o principal deles é hoje ser o mesmo que era no dia em que os eleitores o aprovaram, ou seja, não temos dinheiro suficiente para construir o que queremos", afirmou.
A estratégia de se concentrar primeiramente na seção de Bakersfield a Madera exclui o túnel que corta as montanhas que, segundo Kelly, poderia custar algo entre US$ 4 bilhões a US$ 13 bilhões. Isso também significa que as pessoas que vivem em dois grandes centros populacionais da Califórnia, San Francisco e Los Angeles, não verão o projeto tão cedo.
"O plano de negócios mais recente é essencialmente deixá-lo de lado. E finalmente admitir que não é possível completar o trem-bala entre San Francisco e Los Angeles", disse Patterson.
Mas John Hernandez, funcionário da Administração de Pequenas Empresas que vive em Fresno, disse que um trem de alta velocidade transformaria sua cidade, trazendo mais visitantes e facilitando o acesso a grandes cidades. "Mudaria minha vida. Poderia ir a muitos lugares, muito mais rapidamente. Pegaria um trem ao meio-dia e estaria em San Francisco às três."
Esforço
Já faz 10 anos que os californianos aprovaram o projeto de US$9,95 bilhões, valor necessário para iniciar a construção que, na época, foi estimada em US$ 40 bilhões; só que o entusiasmo público está diminuindo. Enquanto 48% dos entrevistados disseram que apoiaram o projeto em uma pesquisa do USC/Dornslife/Los Angeles Times, feita em maio, apenas 31% disseram que queriam que o estado continuasse a construir a linha após serem informados sobre o aumento dos custos.
Roger Dickinson, diretor executivo do Transportation California, um grupo de defesa de trânsito, disse que os obstáculos eram significativos, mas que o trem era essencial. "Se analisarmos a necessidade de uma forma ambientalmente saudável para transportar as pessoas entre o norte e sul da Califórnia, este é um projeto que ainda faz grande sentido, e acho que vai ser bem-sucedido."
Ainda é inteiramente possível que o estado se afaste do projeto e transfira os direitos adquiridos e os novos viadutos a outros usos, como trens de carga e de passageiros convencionais. A questão é saber se a construção que se vê no Vale Central será suficiente para dissuadir um futuro governador a fazer isso.
"Quanto mais puderem mostrar o que estão fazendo, mais difícil será abandonar o projeto. Por outro lado, pode-se facilmente argumentar que o custo do que foi feito até agora superou tanto as projeções que não seria ruim para um governador analisar e dizer: 'Não vamos investir mais dinheiro depois do tanto que já foi gasto à toa", disse Wachs.
Kelly disse que os méritos do projeto podem acabar fazendo com que seja completado. "O plano é um jogo político há algum tempo. O que sei é que este projeto tem todos os aspectos corretos do que a Califórnia está tentando fazer com o transporte. Estamos tentando fornecer um serviço rápido e eficiente de uma forma limpa, que expanda a nossa economia."
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