Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Crise

Um tuíte e um discurso populista colocam a Turquia à beira do abismo

Pessoas trocam moeda em uma casa de câmbio em Ancara, capital da Turquia | ADEM ALTAN/AFP
Pessoas trocam moeda em uma casa de câmbio em Ancara, capital da Turquia (Foto: ADEM ALTAN/AFP)

Uma declaração populista do presidente turco, Recep Erdogan, e um tuíte de Donald Trump, o presidente americano, formaram uma combinação explosiva e levaram a lira turca a uma forte desvalorização nesta sexta: somente hoje, ela perdeu 13,77% de seu valor frente ao dólar, de acordo com a agência de informações financeiras Bloomberg. Nos últimos 12 meses, a queda foi de 45%. O impacto sobre a economia da Turquia pode ser pesado.

O presidente turco, nesta sexta, disse a uma multidão que o país está enfrentando uma guerra econômica. Ele apelou à população para que trocasse dólares, euros ou ouro por liras turcas, na tentativa de manter o valor da moeda local. "Esta é uma batalha doméstica nacional. E será a resposta do meu povo àqueles que travaram uma guerra econômica contra nós". 

Turquia e Estados Unidos vivem um relacionamento tenso. Nesta sexta, por meio de sua conta na rede social, Trump anunciou que estava dobrando as tarifas cobradas do aço e do alumínio importados do país asiático.


Apesar de ser uma medida relacionada à guerra comercial que o presidente americano tem declarado a vários países, o anúncio tem um pano de fundo: as dificuldades nas negociações para a libertação do pastor Andrew Brunson, que está preso na Turquia desde 2016. Ele é acusado deenvolvimento em uma tentativa de golpe contra Erdogan.  Os EUA negam as acusações.

Erdogan reagiu ao recado passado por Trump. "A linguagem das ameaças e chantagens não pode ser usada contra esta nação. Aqueles que supõem que podem nos colocar de joelhos por meio de manipulações econômicas não conhecem nossa nação", disse, sem mencionar diretamente Trump ou as tarifas.

Situação econômica

A situação econômica turca está se complicando. O crescimento do país vem perdendo força: o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma expansão de 4,4% neste ano, a segunda menor desde 2009. E a inflação, em 2018, deve fechar pelo segundo ano seguido na casa dos dois dígitos, uma situação que não acontecia há 15 anos. 

Erdogan, que está no poder desde 2003, foi reeleito em junho com poderes extraordinários. Nos últimos anos, sua influência para gerar um crescimento econômico implacável por meio de empréstimos irrestritos, elevou os níveis da dívida das empresas a patamares que chegam a 40% do PIB. A autoridade adicional que recebeu deve testar ainda mais os limites da situação econômica. 

A desvalorização da moeda turca vem trazendo impactos negativos: os preços estão aumentando para pessoas e empresas. E Erdogan quer manter o controle da economia em casa. Ele delegou o principal cargo na área para seu genro. Os mercados viram esta situação como um sinal de que, por enquanto, não pretende adotar uma maneira mais prudente de administrar. 

O enfraquecimento da lira também tende a piorar a situação das empresas. Muitas dívidas foram feitas principalmente dólar e euro. No ano passado, alguns dos maiores e principais conglomerados empresariais do país solicitaram a reestruturação delas. E, provavelmente, novos pedidos devem ocorrer nas próximas semanas. 

Incertezas

Analistas apontam que o aumento de tarifas serviu apenas como gatilho para piorar a situação. "É uma crise monetária que está se transformando em uma crise de dívida e liquidez devido a erros políticos", disse Win Thin, estrategista da Brown Brothers Harriman, de Nova York.

Do jeito que as coisas estão indo, os mercados precisam estar preparados para um pouso forçado na economia, com possíveis falências bancárias.

A expectativa de economistas é de que a economia turca poderá ser atingida por um “coquetel tóxico”, com desaceleração do crescimento, aumento de empréstimos ruins na carteira de crédito das instituições financeiras e taxas de juro altas. Eles apontam que o BC turco terá de desprezar os desejos de maior crescimento defendidos por Erdogan e anunciar um aumento significativo da taxa básica de juros, atualmente em 17,75% ao ano, apenas para tentar conter a queda da lira. "Parece uma pane completa, eles precisam agir agora", afirmou Morten Lund, estrategista do Nordea Bank, em Copenhague. 

Os investidores apontam que só medidas extremas podem tirar a Turquia da proximidade do abismo. Tópicos considerados anteriormente como tabus no segmento financeiro, como a imposição de controles de capital ou a busca por ajuda financeira internacional, já estão sendo discutidos em particular. Os pedidos de saque em moeda estrangeira por parte da população turca aumentaram. 

Relacionamento com os EUA 

O anúncio de Trump tende a aumentar os problemas econômicos da Turquia e pode levar a um confronto maior. O sentimento antiamericano no país é grande: a Força Aérea dos EUA usa a base aérea de Incirlik, no Sul do país, há anos. Um número crescente de turcos pressiona para que as tropas sejam expulsas. 

Os ânimos se acirraram mais na semana passada, quando o Departamento do Tesouro americano estabeleceu sanções a duas autoridades, devido à recusa em liberar o pastor. O tema esteve na mesa de negociações nas últimas semanas, mas elas se mostraram infrutíferas.

O acordo desmoronou quando um tribunal turco, em vez de mandar Brunson para os EUA, ordenou a transferência dele para prisão domiciliar, enquanto aguarda a retomada do julgamento, previsto para outubro. 

Ancara também tem uma longa lista de queixas em relação aos EUA, incluindo a falta de vontade dos americanos em extraditar um cidadão turco que Erdogan afirma ser responsável pela tentativa fracassada de golpe em 2016.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros