Retrospecto
A julgar pelos dados abaixo, a cidadezinha se deu bem nas últimas duas décadas. Mas a capital não saiu do lugar:
Bonn
- A cidadezinha prosperou, fortalecida por investimentos governamentais de quase 2 bilhões de euros e pelas decisões para situar as sedes dos setores privatizados de correios e telecomunicações, bem como de algumas agências da ONU. Sua população cresceu de 310 mil em 1991 para 318 mil e o número de trabalhos na cidade e nas regiões vizinhas aumentou 14,4 por cento, chegando a 285 mil.
Berlim
- A população berlinense, ao contrário, encontra-se estagnada desde 2000 e ainda não se igualou ao seu pico de crescimento durante o período pós-U nificação, 3,47 milhões de habitantes em 1993, permanecendo em cerca de 3,45 milhões. O desemprego, que segue um ritmo decrescente em toda a Alemanha, permanece teimosamente alto na capital (13 por cento), uma das maiores taxas do país.
Há 20 anos os legisladores alemães cederam a um debate passional que durou dez horas para tomar uma decisão que parecia tão importante quanto acéfala: será que a capital do país recentemente reunificado deveria ser mantida em Bonn, no Reno, ou será que ela deveria voltar para a sua localização histórica, no Spree, entre os monumentos e as memórias confusas de Berlim?
Naquele momento, em 20 de junho de 1991, muitas pessoas acreditaram que os deputados insistiriam em manter a pequena e acolhedora capital em Bonn, onde havia sido estabelecida a sede "provisória" do governo da Alemanha Ocidental, em 1949.
Afinal, a cidade universitária era um exemplo de Gemuetlichkeit: ela era confortável em si mesma, enraizada no Ocidente e tão plácida quanto a superfície do rio que lhe corta. Certamente ela teve os seus momentos da Guerra Fria, "uma pequena cidade na Alemanha" tornou-se famosa por causa do romance epônimo de John Le Carré, como um ninho de intrigas e de espionagem.
Até mesmo o chanceler Willy Brandt, o grande emblema da reconciliação entre leste e oeste, descobriu em 1974 que o seu assistente pessoal, Günter Guillaume, era um agente infiltrado de Markus Wolf, o notório espião da Alemanha Oriental.
Mas em 1991, o provincialismo de Bonn parecia vantajoso, não desvantajoso.
Alguns alemães acreditavam que o retorno para Berlim, a antiga capital do império e a capital de Hitler, poderia alimentar os fantasmas do militarismo prussiano, de um governo centralizado após as décadas de federalismo que acalmaram os corações dos vizinhos do oeste e do leste e dos próprios alemães. Pior ainda, o argumento passou a ser que o florescimento de Berlim como a capital da Alemanha reunificada iria acarretar na estagnação da pobre Bonn.
Assim, quando houve a contagem dos votos (337 votos para Berlim contra 320 votos para Bonn), ela pareceu bastante apertada e, acima de tudo, contra o bom senso. Mesmo assim, desde então, praticamente todas as demais previsões catastróficas provaram-se erradas.
"Não houve uma nova onda wilhelmista", escreveu o colunista Eckhard Fuhr para o jornal Die Welt, referindo-se ao último imperador alemão, o kaiser Wilhelm II, "e a castração centralizadora do federalismo alemão não aconteceu".
Sem fim
As estatísticas parecem sugerir que, embora Bonn esteja longe de cair no esquecimento, Berlim permanece lutando. E como foi mostrado, nos últimos dias, por uma enxurrada de artigos de jornal, de entrevistas nostálgicas e de comentários televisivos, o debate que teve início em 20 de junho de 1991 está longe de um desfecho.
Dos 18 mil funcionários empregados na burocracia federal, mais de 8 mil ainda estão em Bonn. De fato, menos do que foi previsto pela legislação de 1994, mas ainda assim, número considerável numa cidade que tenta fugir da sua reputação de cidade cinzenta, tanto pelo funcionalismo público quanto pelo seu curioso tempo nublado.
"Eu muitas vezes me senti entediado por esta cidade burocrática maçante", disse o prefeito de Bonn, Juergen Nimptsch, "ela carecia de energia e criatividade. Isso mudou completamente. Bonn tornou-se mais jovem e mais atual".
Dinheiro queimado
No entanto, a ideia de duas cidades separadas por 604 km dividindo as energias administrativas de um país moderno e unificado preocupa alguns alemães, como se o espírito do país permanecesse dividido. Eles perguntam: Por que a Alemanha precisa gastar milhões todos os anos transportando funcionários para lá e para cá entre Bonn e Berlim, numa mudança invariável? Por que enviar 750 toneladas de arquivos, todos os anos, entre as duas cidades? Bem, os habitantes de Bonn respondem que uma transferência completa custaria bilhões e seria uma quebra na lei de 1994. "Nós resistiremos firmemente contra uma mudança completa", afirmou Nimptsch.
A história, no entanto, pode não estar ao seu favor. Quando o serviço militar obrigatório terminar em alguns dias, a estrutura de defesa quase certamente irá encolher. De fato, a organização de Bonn "não pode continuar como está", disse o ministro da Defesa, Thomas de Maiziere.
Ou, como tem dito Wolfgang Thierse, vice-presidente do Par- lamento, "faz sentido unir todos os setores do governo, um por um, nos próximos anos".
A decisão pela transferência da maior parte do governo para Berlim há 20 anos foi a decisão correta, conforme amplamente citado. "Hoje Berlim está no mesmo grupo de Londres e Paris".
Até certo ponto. Devido aos seus prédios novos e cintilantes as estruturas de vidro e aço da estação ferroviária Hauptbahnhof oferecem uma visão do bairro governamental, da cúpula de vidro do Bundestag, o parlamento, e dos espigões de Potsdamer Platz Berlim aparenta ser uma obra em progresso, uma cidade em busca de um coração, de uma identidade que abrace o seu passado e o seu presente.
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