Estudante no colégio Claude Monet com livro em árabe. “Oferecer aulas de árabe seculares na escola pública previne que a língua se torne refém da religião ou do extremismo”, diz a diretora da escola| Foto:  SARA FARID /  NYT

No início das manhãs de domingo, Habiba Hatem, de nove anos, prepara seu próprio café da manhã, pega sua mochila escolar cor-de-rosa e entra no carro do pai. Ela vai para a aula de árabe na mesquita local, em um subúrbio ao norte de Paris.

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Imagens coloridas de como realizar as lavagens rituais decoram as paredes da sala de aula, além de desenhos de borboletas, carros e cenouras, com o nome em árabe escrito embaixo. 

"Hoje vamos fazer um diálogo sobre 'duyuf ' no jantar", diz a professora a Habiba e a uma dúzia de outros meninos e meninas de 9 a 17 anos, todos nascidos na França. "'Duyuf' significa convidados", diz ela, escrevendo a palavra no quadro-negro. 

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Os avós de Habiba vieram da Tunísia na década de 1960, e seu pai acredita que é importante que os filhos tenham uma ligação com suas raízes. 

Mas a escola pública que ela frequenta não oferece aulas de árabe, por isso a garota faz a viagem semanal à mesquita em Romainville, parte do Departamento de Seine-Saint-Denis, ao norte de Paris, onde vive uma grande comunidade de imigrantes. 

A situação da família Hatem é comum na França. 

Habiba Hatem é deixada por seu pai em uma mesquita para a aula de árabe em uma manhã de domingo 

Cerca de três milhões de pessoas usam o árabe diariamente na França, que se tornou a língua estrangeira mais falada no país, de acordo com o Ministério da Cultura. Mas, como o árabe é pouco ensinado em escolas públicas, mesquitas e associações privadas decidiram acabar com essa lacuna educacional. 

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Agora, o governo se preocupa com um número cada vez maior de alunos que aprendem o árabe fora do controle do Estado. 

Como parte da luta da França contra o extremismo, o Ministério da Educação anunciou em setembro um plano para retomar o controle do ensino do idioma árabe, "a fim de garantir um currículo secular, em vez daquele oferecido pelas associações, que pode tender para a radicalização", disse uma porta-voz do ministério. 

Jean-Michel Blanquer, o ministro da Educação, diz que quer dar "prestígio" ao árabe, que é "uma grande língua literária". 

O ministério quer promover o estudo da língua e prontamente disponibilizar as aulas, mas não forneceu muitos detalhes sobre o plano, além de dizer que seu ensino será reforçado, assim como o do russo e do chinês. 

E a maioria das escolas francesas terá de começar seus programas de árabe a partir do zero. 

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Habiba com seu pai e seu avô em casa. Os seus avós vieram da Tunísia nos anos 1960, e o seu pai acredita que é importante que ela mantenha contato com suas raízes 

Apenas 0,2% dos alunos de escolas públicas na França tiveram aula de árabe no ano letivo de 2017-18, colocando a língua muito atrás do inglês, do espanhol e do alemão, amplamente ensinados. 

Além dos desafios pedagógicos para iniciar os programas de árabe em escolas públicas, também há obstáculos sociais e políticos. 

Rime Abdel Nabi, que ensina árabe em duas escolas públicas e na Universidade Sorbonne, em Paris, disse que diretores de escolas estavam relutantes em abrir turmas, dizendo: "Não temos árabes suficientes aqui" ou "Não queremos atrair árabes". 

O plano do ministério está causando alarme particularmente entre os políticos de direita. Luc Ferry, ex-ministro da Educação, sugeriu que a medida equivale a permitir o islamismo nas escolas públicas. 

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Nicolas DuPont-Aignan, legislador de direita que apoiou Marine Le Pen no segundo turno da eleição presidencial de 2017, disse: "Com o pretexto de lutar contra o fundamentalismo, Blanquer está abrindo o caminho para a islamização da França." 

Mas muitos líderes da comunidade árabe apoiam o plano do ministério. 

Azzedine Benjemaa, presidente da associação muçulmana na mesquita onde Habiba frequenta aulas, disse que o curso nas escolas públicas seria melhor que o dado por religiosos.

As aulas baseadas no Alcorão na mesquita, disse ele, podem depender muito da memorização em vez de permitir que os alunos se expressem. 

"Nossos professores têm muita paixão e boa vontade, mas não são professores treinados. Não passaram nos exames nacionais", disse Benjemaa. 

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A aula de Habiba na mesquita começa com uma oração. Não é assim que as lições começam no colégio Claude Monet, no 13º Arrondissement de Paris, uma das poucas escolas públicas francesas que oferecem o árabe. 

Aqui, o professor inicia a aula usando o LinkedIn para mostrar aos jovens quantos empregos estão abertos para quem fala árabe. Uma aluna, Imène, de 13 anos, aprendia a língua na Grande Mesquita de Paris, mas parou de ir quando começou a ter aulas em sua escola pública. 

Alunos de árabe no colégio Claude Monet, em Paris. O professor abre a aula usando o LinkedIn para mostrar aos alunos quantas vagas de emprego existem para quem fala árabe 

Marianne Cossé, diretora da escola, disse que oferecer o árabe impediu que as famílias enviassem seus filhos para as mãos de pessoas que poderiam "radicalizá-los". 

"Oferecer aulas de árabe secular na escola pública impede que a língua se torne refém da religião ou do extremismo", disse ela. 

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Essa posição é apoiada por um relatório sobre a propagação do Islã político na França pelo Institut Montaigne, um think-tank de pesquisa política. "As aulas de árabe se tornaram o melhor meio de os islâmicos atraírem jovens para suas mesquitas e escolas", afirma o relatório. 

Mas muitos argumentam que a retórica do governo em torno da nova política confunde perigosamente a língua árabe, o islamismo, o islamismo político e o fundamentalismo religioso. 

"Enquanto o ministro da Educação destaca que o aprendizado do árabe na escola celebra a cultura e a civilização árabes, essa decisão foi tomada principalmente em nome da luta contra a radicalização islâmica", disse Sarah Mazouz, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa Científica, um órgão estatal. 

Mazouz, que estuda discriminação e naturalização, disse que tal abordagem confirma o "estereótipo de que o árabe é a língua dos fanáticos e obscurantistas". 

O árabe é há muito tempo uma matéria popular e incontroversa em universidades públicas francesas, onde a língua é vista como um recurso valioso para carreiras em negócios e na diplomacia. Na Sciences Po, uma universidade de elite em Paris, há 37 professores de árabe, em comparação com 180 professores em todas as escolas públicas do país. 

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Mas, nos níveis primário e secundário, o plano do Ministério da Educação gerou resistência devido ao papel que as escolas francesas devem desempenhar na formação de uma identidade nacional partilhada, disse Mazouz. 

"Na França, há uma forte crença de que é a escola pública que forma os franceses, que produz seus cidadãos, não importa sua origem ou a história de seus pais", disse Mazouz. 

Os alunos universitários que passaram pelo processo de "se tornar franceses" são incentivados a aprender o árabe, mas qualquer tentativa de ensiná-lo em escolas públicas, acrescentou ela, é vista por alguns como um desvio desse caminho, que vai promover uma identidade hifenada de franceses-árabes. 

O que Habiba – que fala francês na escola, com seus amigos e em casa – pensa sobre o aprendizado do árabe? 

Ela disse que, quando tem muita lição de casa, deseja não ir às aulas de árabe. Mas afirmou que precisa estar pronta para o verão, quando vai visitar seus primos na Tunísia. 

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"É claro que quero aprender árabe. Toda a minha família fala", concluiu. 

 

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