Rabat - Da margem ocidental do mundo islâmico, o rei do Marrocos se dispõe a atacar uma das questões mais provocadoras do conflito do Oriente Médio o Holocausto.
Numa época em que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, nega que o Holocausto tenha acontecido e isso tem gerado manchetes, o rei Mohammed VI chamou o extermínio dos judeus pelos nazistas de "um dos capítulos mais trágicos da história moderna", e apoiou um projeto lançado em Paris para difundir a história do Holocausto entre nações muçulmanas.
Muitas pessoas no mundo islâmico ainda ignoram ou sabem pouco sobre a tentativa nazista de aniquilar totalmente os judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Algumas chegam mesmo a desmentir diretamente o Holocausto. Outros afirmam que ele foi um crime europeu e imaginam que tenha sido uma desculpa para a formação do Estado de Israel e o êxodo palestino.
Essa percepção foi mostrada de maneira inflexível em março deste ano, quando uma orquestra formada por jovens palestinos fez um concerto para israelenses sobreviventes do Holocausto. A orquestra foi desfeita logo depois pelos líderes do campo de refugiados palestinos onde os jovens vivem na Cisjordânia.
"O Holocausto aconteceu, mas nós sofremos hoje um genocídio semelhante nas mãos dos judeus", disse o líder comunitário palestino Adnan Hindi em março. "Nós perdemos nossas terras e fomos forçados a fugir".
Como outros líderes árabes moderados, o rei Mohammed VI precisa proceder com cautela. O fervor islâmico está em alta no seu reino, alimentado por atos violentos e extremistas como os ataques de 2003 em Casablanca contra alvos que envolveram locais judaicos, nos quais 45 pessoas foram mortas por terroristas.
O reconhecimento do Holocausto, pela parte do rei, em discurso feito em março em Paris, aparentemente ilustra os caminhos radicalmente diferentes que países como o Marrocos e o Irã estão tomando.
O Marrocos há muito tempo é um pioneiro discreto nos esforços de paz com Israel e serviu como lugar secreto de reuniões dos funcionários egípcios e israelenses que pavimentaram a grande jornada do presidente egípcio Anwar Sadat a Jerusalém em 1977.
Embora funcionários marroquinos digam que foi uma coincidência, o discurso do rei sobre o Holocausto aconteceu na mesma época em que o Marrocos rompeu relações diplomáticas com o Irã. O Marrocos acusou que o Irã estava infiltrando xiitas causadores de problemas em seu território. A maioria dos marroquinos é de muçulmanos sunitas.
O discurso do rei foi lido na cerimônia de lançamento do "Projeto Aladim", uma iniciativa da Fundação para a Memória do Shoah (Holocausto), com sede na capital francesa com o objetivo divulgar o fato histórico do genocídio dos judeus europeus entre os muçulmanos.
A fundação organiza conferências e traduziu para o árabe e o farsi (idioma persa) livros importantes sobre o Holocausto, como o Diário de Anne Frank. O Holocausto, disse o rei do Marrocos, "é uma herança universal da humanidade".
O reconhecimento do genocídio, da parte de um governante de um país islâmico e predominantemente árabe, foi "um ato político muito importante", disse Anne-Marie Revcolevschi, diretora da Fundação Shoah. "Esta é a primeira vez que um chefe de Estado árabe toma uma posição bem clara sobre o Holocausto", disse.
Enquanto o conflito árabe-israelense frequentemente agrava os sentimentos dos árabes a respeito de Israel, o Marrocos tem uma longa história de coexistência entre os dois povos.
A recente ofensiva militar de Israel contra a Faixa de Gaza inflamou ainda mais o ressentimento dos árabes pelo tratamento que Israel dispensou aos palestinos. Mas pessoas como Ahmed Hasseni, um motorista de táxi em Casablanca, fazem eco a uma visão ampla de que isso não afetará as relações entre os muçulmanos e a minoria de judeus marroquinos. "Nós não somos burros. Nós não confundimos o Exército de Israel com o povo judeu", ele disse.
Histórico
Os judeus vivem no Marrocos há mais de dois mil anos. A comunidade aumentou muito após eles terem sido expulsos da Espanha em 1492. Antes da Segunda Guerra Mundial, 300 mil judeus vivam no Marrocos, então uma colônia francesa. Atualmente, existem apenas 3 mil judeus no Marrocos; a maioria emigrou para Estados Unidos, França e Israel. Simon Levy comanda o Museu Judaico em Casablanca. "O fato que eu comande o único museu judaico no mundo árabe é algo revelador", ele disse.
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