Viciados em drogas com apenas um mês de idade. Mães que acalmam suas crianças soprando fumaça de ópio em seus rostos. Comunidades inteiras dependentes de heroína e com poucas oportunidades de tratamento. O uso de opiáceos como heroína e ópio dobrou no Afeganistão nos últimos cinco anos, informou a Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, enquanto centenas de milhares de afegãos usam as drogas para escapar da miséria, da pobreza e da guerra.
Quase 3% dos afegãos com idades entre 15 e 64 anos são viciados em opiáceos, segundo um estudo do escritório da ONU para drogas e crime. A ONU define viciados como usuários regulares.
Isso coloca o Afeganistão, além da Rússia e do Irã, como os três países onde mais se usa opiáceos em todo o mundo, segundo Sarah Waller, funcionária do Escritório para Drogas da ONU em Cabul. Segundo ela, uma pesquisa de 2005 descobriu que cerca de 1,4% dos adultos afegãos eram viciados em opiáceos.
Os dados sugerem que apesar de os Estados Unidos e seus aliados colocarem bilhões de dólares em programas que tentam retirar a economia afegã da ligação com as drogas, ópio e heroína tornaram-se mais presentes na vida dos afegãos comuns. Isso cria uma outra barreira para os esforços internacionais para o combate do comércio de drogas, que ajuda a financiar a insurgência taleban.
"A face humana do problema de drogas no Afeganistão não é vista apenas nas ruas de Moscou, Londres ou Paris. Está nos olhos de seus próprios cidadãos, dependentes principalmente de uma dose diária de ópio e heroína, mas também de maconha, analgésicos e tranquilizantes", disse Antonio Maria Costa, diretor executivo do Escritório da ONU para Drogas e Crime.
O Afeganistão fornece 90% do ópio consumido no mundo, o principal ingrediente da heroína, e é o líder mundial na produção da haxixe. A produção das plantas que dão origem a essas drogas ajuda a financiar os insurgentes e encoraja a corrupção, particularmente no sul, onde o Taleban controla o cultivo de papoula e rotas de contrabando.
O governo afegão e seus apoiadores internacionais têm feito enormes esforços nos últimos anos para desencorajar os agricultores a produzirem papoula e o cultivo caiu 22% no ano passado. Parte da queda deve ter ocorrido por causa dos baixos preços da droga no mercado, mas o governo disse que isso também mostra que a guerra afegã contra as drogas está tendo sucesso. Vinte das 34 província do país foram declaradas livres do cultivo de papoula em 2009.
Ainda assim, cerca de 1 milhão de afegãos - 8% do grupo entre 15 e 64 anos - são usuários regulares de drogas - viciados em opiáceos, bem como em maconha e em tranquilizantes, segundo o relatório, que foi baseado em pesquisas com cerca de 2.500 usuários de drogas, líderes comunitários, professores e médicos.
Em termos de comparação, 0,7% da população no vizinho Paquistão e 0,58% dos norte-americanos com idades entre 15 e 64 anos são usuários regulares de opiáceos, segundo os dados mais recentes da ONU.
Instalações para tratamento são raras no Afeganistão. Apenas 10% dos usuários pesquisados haviam recebido algum tipo de tratamento, embora 90% tenham afirmado que queriam se tratar, segundo a pesquisa.
Em um desses locais, o Centro de Tratamento para Mulheres Sanja Amaj, em Cabul, algumas dezenas de mulheres e crianças recebem cuidados diários. As mulheres esperam em macas para ver os médicos enquanto as crianças passam o dia pintando, brincando e recebendo educação em uma creche.
Quase todas as crianças são viciadas, disse Abdul Bair Ibrahimi, o coordenador de cuidados infantis de Sanja Amaj.
Há uma série de crianças viciadas de 4 e 5 anos. A mais jovem que eles viram tinha um mês de idade.
A Associated Press esteve no centro em fevereiro e conversou com uma mulher de meia-idade que disse ter começado a usar ópio durante o regime do Taleban, que foi encerrado com a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2001.
"Eu perdi meus irmãos durante os confrontos e a vida era insuportável. Meu cunhado usava ópio. Ele me viu chorar e sugeriu que eu experimentasse", disse Shirin Gul. Então, dois anos atrás, um sobrinho viciado em heroína veio morar na casa e ela passou a usar a droga, mais pesada. Gul está no centro de tratamento pela segunda vez, pois teve uma recaída.
Sua filha de 15 anos, Gul Paris, também estava sendo tratada por vício em heroína. Ela disse que começou roubando pequenas porções de sua mãe e de seu irmão. "Eu não sabia se era ruim ou não para mim", disse a menina, sentada com os pés descalços numa cama, usando um vestido azul e um lenço de cabeça lilás. Ela tivera uma recaída dois meses antes, depois que seu irmão voltou a usar a droga.
Segundo o relatório da ONU, o número de usuários regulares de ópio subiu 53%, de 150 mil em 2005 para 230 mil em 2009, enquanto os usuários regulares de heroína mais do que dobraram, de 50 mil para 120 mil. A maior parte do aumento aconteceu no sul do país, onde a maior parte da papoula é cultivada.
Entre 12% e 41% dos recrutas da polícia afegã apresentam resultados positivos para o uso de drogas em centros de treinamento regionais, segundo um relatório do governo dos Estados Unidos divulgado em março. Soldados norte-americanos reclamam que seus colegas afegãos estão algumas vezes "alterados" durante operações militares.
"É uma tragédia nacional", disse Ibrahim Azhaar, vice-ministro afegão de combate aos narcóticos.
O aumento do uso de drogas tem efeitos desestabilizadores em comunidades, segundo líderes comunitários entrevistados para o estudo. Eles dizem que os usuários de droga aumentam a violência, insegurança e roubos em suas áreas. "Tem um efeito devastador no desenvolvimento social do país. Tem um efeito devastador em pessoas que são afetadas pelo vício e tem um efeito maior, multiplicado, sobre o restante do Afeganistão", disse Robert Watkins, o enviado da ONU ao Afeganistão.
Não está claro se o preço internacional do ópio nos últimos anos fez com que os traficantes impulsionassem o uso do produto dentro do país, disse o czar norte-americano de combate às drogas Gil Kerlikowske, que visitou o centro Sanja Amaj em fevereiro.
"Claramente, há uma população viciada em expansão neste país. Não importa para um traficante que as pessoas que estão se viciando sejam pobres", disse Kerlikowske. "Se elas se tornarem viciadas, encontrarão formas de pagar pela droga".
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