Nesta segunda-feira, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, comemorou o fato de que um terço da população do país recebeu ao menos a primeira dose de uma vacina contra a Covid-19. Do outro lado do Canal da Mancha, porém, há frustração com o ritmo de imunização: apenas 6% dos cidadãos de países-membros da União Europeia foram vacinados.
Na Alemanha, o percentual de imunizados segue a média do bloco. O governo alemão, que em meados do ano passado se destacou por ter conseguido controlar a propagação da doença, agora está sendo bastante criticado pela lentidão da vacinação. O que aconteceu?
Acordos e atraso nas entregas
A Alemanha e os outros 26 países da União Europeia centralizaram as negociações para compras de vacinas contra Covid-19. Esse processo se iniciou em abril de 2020 e o bloco conseguiu garantir, até o início de 2021, 1,6 bilhão de doses em acordos com várias farmacêuticas, incluindo AstraZeneca/Oxford, Moderna, Pfizer, Johnson & Johnson e Sanofi. O número equivale à compra de 3,5 doses por cidadão da União Europeia e é parecido com o dos EUA, que até então tinha garantido 3,7 doses de vacina contra Covid-19 para cada americano. O Reino Unido, por sua vez, acertou a compra de 5,5 doses de vacinas por pessoa.
Mas EUA e Reino Unido foram mais rápidos para fechar os acordos com as farmacêuticas do que a União Europeia. Quando em janeiro houve atrasos nas entregas da AstraZeneca ao bloco, devido a problemas para aumentar a produção de vacinas em duas fábricas, uma na Holanda e outra na Bélgica, o CEO da empresa, Pascal Soriot, disse que a decisão tardia da UE de assinar contratos deu a eles tempo limitado para resolver os problemas de fornecimento.
“Também tivemos problemas iniciais como esse na cadeia de suprimentos do Reino Unido. Mas o contrato com o Reino Unido foi assinado três meses antes do acordo europeu com a vacina. Assim, com o Reino Unido, tivemos três meses extras para consertar todas as falhas que experimentamos”, disse o executivo no fim de janeiro.
Naquele mês houve atrasos nas entregas da AstraZeneca, Pfizer e Moderna, o que levou à pausa ou desaceleração de vacinação nos países do bloco. Dias depois, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reconheceu o erro. "Demoramos para autorizar. Estávamos muito otimistas quanto à produção em massa e talvez muito confiantes de que o que pedimos seria realmente entregue no prazo."
Sob esse esquema montado pela UE para a compra de vacinas, os países-membros abriram mão de negociar diretamente com as farmacêuticas. O governo da Alemanha foi um grande apoiador da iniciativa, apesar de ter comprado 30 milhões de doses em um acordo direto com a Pfizer em setembro. A média diária de aplicações do imunizante no país é semelhante à dos demais membros do bloco, considerando o tamanho das populações – 25 doses aplicadas diariamente a cada 10.000 pessoas. No Reino Unido, a taxa é o dobro.
AstraZeneca para idosos
Ainda no fim de janeiro, uma decisão do governo alemão contribuiu para aumentar a desconfiança em relação à vacina da Oxford/AstraZeneca. As autoridades de saúde do país tinham alertado que este imunizante não deveria ser administrado em pessoas com 65 anos ou mais, citando falta de dados sobre a eficácia da droga entre esse grupo etário nos testes clínicos conduzidos pela Oxford e seus parceiros. Por causa disso, suas doses foram aplicadas somente em profissionais de saúde e pessoas mais novas com doenças crônicas.
A desconfiança foi ampliada depois que uma reportagem, contestada pelo governo alemão, alegou que a eficácia da vacina da Oxford/AstraZeneca para maiores de 65 anos era de apenas 8%. Muitos profissionais de saúde passaram a evitá-la, também porque ela parecia causar mais efeitos colaterais (resfriados) do que as vacinas da Pfizer e da Moderna. Problemas semelhantes de desconfiança em relação à vacina da AstraZeneca ocorreram na França, onde o presidente, Emmanuel Marcron, chegou a dizer que o produto era “quase ineficaz” em pessoas mais velhas.
Em meados de fevereiro, políticos alemães tiveram que fazer uma campanha de divulgação da vacina da AstraZeneca para que as pessoas se sentissem encorajadas a tomá-las. A chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a admitir que “há um problema de aceitação” com o imunizante. Até 1.º de março, apenas um terço das doses de vacina da Oxford/AstraZeneca entregues ao país tinham sido aplicadas.
Foi somente na semana passada que o governo alemão reverteu sua decisão e passou a liberar o imunizante para os maiores de 65 anos, depois que novos estudos mostraram eficácia da vacina para os idosos. A medida deve acelerar a vacinação no país, já que cerca de um milhão de doses da AstraZeneca estão estocadas. Apesar disso, o governo ainda deve lidar com a desconfiança da população em relação à vacina, já que o debate sobre a eficácia dos imunizantes contra uma variante mais perigosa continua.
Metas
A Alemanha busca impulsionar a imunização em outras frentes. Com o intuito de acelerar a vacinação no país, os governos estaduais e federal da Alemanha autorizaram que, a partir do mês que vem, os imunizantes possam ser aplicados em consultórios médicos. O governo pretende aplicar até 10 milhões de doses por semana a partir de abril – um grande desafio já que desde o começo da campanha de vacinação foram aplicadas 7,3 milhões de doses, segundo levantamento da Bloomberg.
Para que isso possa acontecer, a entrega de lotes de vacinas precisa ser cumprida pelas empresas contratadas pela União Europeia. Na semana passada, a Itália, apoiada pela UE, impediu a exportação de um carregamento de vacinas da AstraZeneca, produzidas no país, para a Austrália – um sinal de que o bloco continua descontente com o fornecimento da empresa sueca.
Nesta semana, porém, a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que as coisas no bloco estão melhorando e que a produção deve dobrar a partir do fim de março. Ela prevê que a produção de vacinas no bloco chegue a até 100 milhões de doses por mês.
Contudo, os planos da UE podem mais uma vez ser alterados. Nesta terça-feira, a agência de notícias Reuters informou que a Johnson & Johnson está enfrentando dificuldades de abastecimento que poderiam prejudicar os planos da empresa em entregar 55 milhões de doses da sua vacina contra Covid-19 no segundo trimestre.
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