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Pandemia de Covid-19

Falta de transparência, atrasos e acordos: como está a vacinação na Venezuela

Venezuela vacina covid-19
Carregamento com 50 mil doses da vacina russa contra Covid-19 Sputnik V chega à Venezuela (Foto: Federico PARRA / AFP)

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Se na América do Sul a vacinação contra a Covid-19 caminha lentamente em grande parte dos países, na Venezuela pode-se dizer que poucos avanços foram feitos até agora. A falta de transparência da ditadura chavista torna impossível saber quantas pessoas foram imunizadas ou quantas doses foram aplicadas, mas pela quantidade de vacinas que chegaram ao país de 28 milhões de habitantes até agora (menos de 800 mil), pode-se concluir que a campanha de imunização da Venezuela é uma das mais atrasadas da região.

A vacinação começou em meados de fevereiro, depois que as primeiras 100 mil doses da vacina russa Sputnik V chegaram ao país. No plano do regime, os profissionais de saúde da linha de frente da Covid-19 seriam os primeiros a serem imunizados, mas organizações de saúde do país denunciam que a vacinação de políticos – que também tinham prioridade no plano do governo – começou antes de que milhares de profissionais de saúde fossem imunizados. Os deputados da assembleia chavista, por exemplo, foram vacinados na primeira semana da campanha, quando as doses ainda estavam sendo distribuídas para o interior.

Nicolás Maduro tem contado com o apoio de dois parceiros internacionais para levar adiante a imunização dos venezuelanos: China e Rússia.

Até o fim de março, aterrissaram em Caracas 250 mil doses de Sputnik V, provenientes de um acordo de compra de 10 milhões de doses com o governo russo que, segundo o governo chavista, custará à Venezuela US$ 200 milhões. Nesta semana, Rússia e Venezuela assinaram vários acordos de cooperação durante a visita do vice-premiê russo, Yuri Borisov, ao Palácio Miraflores. Na ocasião, a autoridade russa se comprometeu a aumentar o envio de doses da Sputnik V à Venezuela.

“Queremos dizer a todo o povo da Venezuela que faremos o possível para incrementar todos os suprimentos das vacinas e abastecer e garantir a vacinação do povo venezuelana diante da luta contra a pandemia”, disse Borisov. Um cronograma para novos envios, entretanto, não foi informado ao público.

Borisov também disse que a Rússia enviou mil doses da EpiVacCorona, desenvolvida pelo laboratório estatal russo Vector, para que sejam feitos testes clínicos na Venezuela.

Também chegaram à Venezuela 500 mil doses da vacina chinesa da Sinopharm, doadas pelo governo chinês e que estão sendo aplicadas majoritariamente em profissionais da educação. Mas não se sabe se há um acordo entre os países para que mais doses da vacina da Sinopharm sejam enviadas ao país sul-americano.

A ditadura chavista também está depositando esperanças nas vacinas que estão sendo produzidas em Cuba. Maduro disse na semana passada que a vacina cubana Adbala, ainda em testes, deve impulsionar a vacinação em massa dos venezuelanos a partir de julho. Em abril, 60 mil doses do produto devem chegar à Venezuela para a terceira fase dos testes clínicos.

O Cenabi (Centro Nacional de Bioética de Venezuela) alertou para os riscos que as vacinas cubanas podem trazer à população venezuelana. “A infraestrutura tecnológica daquele país está obsoleta e não há informações confiáveis ​​sobre os resultados das fases 1 e 2 dos testes, que demonstram a capacidade imunogênica do produto. A fase 3, que se pretende incorporar ao nosso país, visa avaliar a eficácia e segurança do produto e envolve a administração de placebo (um substituto inerte da 'vacina candidata') em cerca de metade das pessoas incluídas no estudo”, afirmou o Cenabi, que também criticou a promoção, por parte do governo, de medicamentos contra Covid-19 sem base científica, como o carvativir.

Acordo entre Maduro e Guaidó

Para impulsionar a imunização contra a Covid-19 no país, o regime chavista e o governo do presidente interino Juan Guaidó – reconhecido internacionalmente por mais de 50 países – estabeleceram, no início do ano, uma mesa de negociação para que a Venezuela conseguisse acesso ao Covax, um mecanismo internacional que tem como objetivo garantir a distribuição de imunizantes a países em desenvolvimento. O governo chavista estava disposto a aderir à inciativa, mas alegou que não tinha dinheiro para comprar as doses e nem para quitar a dívida de US$ 11 milhões do país com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

A partir do esforço de negociação, intermediado pela Opas e Unicef e elogiado pelos Estados Unidos, chavistas e opositores chegaram, em meados de março, a um acordo que vai permitir a entrada da Venezuela no Covax e a compra de 12 milhões de doses de vacinas por meio do mecanismo. O aporte inicial para o ingresso à Covax será de US$ 18,1 milhões. Esse dinheiro – e mais US$ 12 milhões para investimentos na rede de refrigeradores necessária para a logística das vacinas – virá da liberação de recursos “recuperados da corrupção da gestão Maduro” que estavam congelados pelo Departamento do Tesouro americano. O custo total das 12 milhões de doses vacinas, segundo representantes de Guaidó, é de US$ 120 milhões.

A liberação dos US$ 30 milhões pode demorar entre três a cinco semanas, devido a burocracias. Por isso, estimava-se que as primeiras doses do Covax chegassem à Venezuela em maio. Ainda em fevereiro, a Opas havia informado que 2,4 milhões de doses da AstraZeneca, fabricadas pela sul-coreana SKBio, estavam reservadas para o país.

Contudo, a chegada dessas tão aguardadas vacinas pode demorar ainda mais. O regime chavista afirma que não vai permitir a entrada das vacinas da AstraZeneca na Venezuela, citando efeitos colaterais do imunizante.

“A Venezuela não dará permissão para que a vacina Astrazeneca seja usada no processo de imunização de nossa população devido às complicações que ocorreram com a vacina em pacientes”, informou a vice-presidente executiva da República, Delcy Rodríguez, em 15 de março. Na ocasião, diversos países europeus haviam suspendido temporariamente a vacinação com a AstraZeneca, devido a relatos de surgimento de coágulos sanguíneos em imunizados, mas após uma revisão feita pela agência reguladora de medicamentos europeia, esses países retomaram a inoculação com o produto.

A ditadura, porém, não mudou de ideia e, na semana passada, reforçou o posicionamento. “Nenhuma vacina vai entrar no país, nem deve ser enviada, que não tenha sido autorizada pelos nossos institutos científicos nacionais, pelos institutos farmacológicos, pelas autoridades de saúde do país”, disse Maduro.

A Bloomberg revelou nesta terça-feira (30) que a Venezuela vai propor a compra da vacina Johnson & Johnson, de dose única, por meio da iniciativa Covax, em vez da vacina da AstraZeneca, o que poderia atrasar ainda mais a chegada das vacinas ao país. De acordo com a publicação, o pedido será feito por meio da mesa de negociação entre o regime e a oposição. Se a proposta for aprovada pela Opas, a Venezuela provavelmente não receberá as vacinas antes de julho, que é quando as doses da Johnson & Johnson devem ser entregues à organização.

Outro esforço para adquirir vacinas para o país veio da iniciativa privada. Maduro autorizou que a Fedecámaras (Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio e Produção) compre 5 milhões de doses da Sputnik V. Quatro milhões delas serão destinadas aos trabalhadores de empresas afiliadas à associação e o restante será doado ao governo, para que sejam incluídas no plano nacional de vacinação.

A pandemia está avançando rapidamente na Venezuela. Maduro anunciou na semana passada uma "quarentena radical", que ficará em vigor ao menos até este domingo, para frear a propagação da variante P.1, que já está em circulação no país.

A situação da Venezuela é especialmente preocupante porque as condições dos hospitais, que já sofriam com a falta de recursos antes da pandemia, são muito precárias. Há relatos de falta de equipamentos de proteção, insumos e equipes médicas nos hospitais. Devido à falta de transparência do regime a à perseguição aos críticos, é difícil saber qual é a real situação em relação à ocupação de leitos. Contudo, a imprensa local afirma, com base em relatos de entrevistados, que a capacidade de atendimento está chegando ao limite em alguns hospitais.

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