Olimpíada de 2016 corre o risco de ser oportunidade desperdiçada
"É claro que a Copa e as Olimpíadas (de 2016) provocarão mudanças no Rio de Janeiro. Só não se sabe para que lado." Este é o temor do sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles. "Não temos planejamento de verdade. Nossas cidades são geridas no dia a dia da política, na emergência", critica.
Mesmo em cidades desenvolvidas, o grande aumento populacional durante jogos internacionais se mostra um desafio ao seu funcionamento. Um exemplo ocorreu neste ano, em Vancouver, no Canadá, quando o sistema de saúde da cidade entrou em colapso durante os últimos Jogos de Inverno.
Esportistas e turistas foram priorizados, enquanto a população local ficou em segundo plano. "Uma professora recebeu o diagnóstico de câncer, mas teve de esperar três meses para fazer os exames, porque procedimentos corriqueiros estavam suspensos", conta Ribeiro.
Se os Jogos Olímpicos do Rio só ocorrem em 2016, pode parecer que os gestores têm tempo de folga para ampliar estádios e melhorar o sistema de saúde e transporte, num esforço que, se bem planejado, poderia trazer bônus à imagem do Brasil como um todo.
Mas, em se tratando de mudanças urbanas, deve-se pensar no longo prazo. Para o consultor em rebranding (mudança de imagem urbana) israelense Eran Ketter, seria preciso pensar no que se deseja para o país para 2020, e então olhar para trás e ver o que é possível cumprir até 2016.
O problema é que o longo prazo no Brasil só costuma ocorrer quando um prefeito ou governador é reeleito, já que é comum planejamentos anteriores serem cancelados quando chega ao poder uma nova gestão.
Curitiba tem se mostrado uma exceção, razão pela qual muitos a colocam ao lado de Barcelona em se tratando de cidades que conseguiram mudar sua imagem de forma positiva.
A correria para dar conta das obras que a Copa de 2014 exige deixa os urbanistas com uma ansiedade: como usar todo esse dinheiro e a exposição que o país terá na mídia para mudar de uma vez os estereótipos sobre o Brasil? Para eles, mostrar o país para o mundo de uma forma que atraia novos investimentos e turistas após estádios e ruas se esvaziarem seria um ganho muito maior do que obter o hexa ou heptacampeonato.
Foi o que Barcelona fez nas Olimpíadas de 1992. A cidade começou ali uma campanha de renovação de imagem (rebranding) que se tornaria modelo para arquitetos e gestores de todo o planeta.
Os espanhóis já se incomodavam havia muito tempo em serem associados à ditadura de Franco e à siesta. Incomodado, o pintor Joan Miró criou ainda nos anos 1980 uma logomarca em que "España" vinha logo abaixo de seu traço e cores calorosas.
Mas foi a realocação do porto de Barcelona, seguida pela preservação de prédios históricos e melhorias de infraestrutura que colocaram a cidade, e consequentemente a capital Madri, no top 20 do turismo internacional. A entrada da Espanha na União Europeia e a ajuda financeira que passou a receber também ajudaram, obviamente.
"Até os anos 70, Barcelona foi uma cidade um pouco negligenciada, não muito interessante. Os gestores colocaram ali muito esforço", disse à Gazeta do Povo o diretor da consultoria israelense E.Ketter, Eran Ketter. Ele é autor do livro Media Strategies for Marketing Places in Crisis (algo como "estratégias de mídia para vender lugares em crise").
Imagem não é tudo
Mas a história mostra que não basta vender o peixe sem entregar ao turista uma experiência condizente. Senão, ele volta para casa falando mal. Por outro lado, não adianta sair fazendo obras isoladas. É preciso ter um projeto, algo de que África do Sul é um ótimo exemplo. Ali, o rebranding esteve intimamente ligado ao planejamento e visão de um líder. Antes da queda do apartheid, o país era considerado muito perigoso e estrangeiros só o visitavam se obrigados por negócios. Com pulso firme e empatia, Nelson Mandela empreendeu em seu governo (1994-1999) a alocação sistemática de recursos para a unificação do país. Depois veio uma campanha com o slogan "A África do Sul é possível". O resultado foi a noção internacional de que "ali a África deu certo" e a atração de 8 milhões de turistas ao ano (o que aumentará muito com o início da Copa no país no mês que vem).
Outros países lucraram com uma explosão espontânea de propaganda com blockbusters que promoveram suas belezas. Foi o caso do Quênia após 1989, ano em que estreou "Out of Africa Entre Dois Amores", com Robert Redford, Meryl Streep e infindáveis pradarias repletas de animais prontos para colaborar com guias de safári.
Agora, países como Uganda e Nigéria fazem campanhas com slogans que destacam o calor e a magia do africano, mas não sempre com o planejamento necessário. "Muita gente não tem a visão ou a paciência para projetos de longo prazo", diz Ketter. "Querem atalhos. Dizem (aos consultores) dê-nos um visual melhor."
Hora do show
Além do planejamento de mudanças na infraestrutura e de uma campanha bem planejada de imagem, um instrumento muito eficaz no rebranding são os eventos culturais. Na Europa, cidades pequenas e grandes competem todo ano para obter o título de "capital europeia da cultura". Foi o que iniciou a transformação da maior cidade da Escócia, Glasgow, em 1990. Naquela época, a cidade sofria com conflitos entre forças de resistência. "Tinha bombardeios, revoltas violentas, tudo de ruim que se quer evitar", diz Ketter. De lugar decadente e frio, passou a grande ponto turístico, com foco no design e glamour.
Mas nem sempre uma campanha em que se investe muito funciona. A Polônia, por exemplo, ainda luta para se desvencilhar da imagem de "fria e sem sal". Antes mesmo de entrar para a União Europeia, em 2004, o país lançou uma logomarca alegre e contratou um dos mais respeitados consultores de marcas nacionais para transformar sua imagem. Não deu certo. A ideia que muitos têm do país, ainda, (excluindo os descentes de imigrantes na região de Curitiba), é aquela que o consultor Wally Olins identificou anos atrás. "Não é tanto que o país sofra um problema de imagem, e sim que não tem nenhuma imagem", disse à revista Dorchester.
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Aprovado