O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse que veio a Sochi, uma cidade-resort do Mar Negro, nesta terça-feira (14) em uma missão para o presidente Donald Trump: melhorar os laços dos EUA com a Rússia.
Mas, à medida que a noite passava na residência do presidente russo Vladimir Putin, parecia que Pompeo só poderia esperar sair de Sochi tendo concordado em discordar.
"Há lugares que nossos dois países podem encontrar onde podemos cooperar, podemos ser produtivos, podemos ser acumulativos, podemos trabalhar juntos para tornar cada um de nossos dois povos mais bem-sucedidos e, francamente, o mundo mais bem-sucedido também", Pompeo disse a Putin no início da reunião. "O presidente Trump quer fazer tudo o que pudermos."
Sobre o Irã, a Venezuela e a interferência russa nas eleições dos EUA, Pompeo e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, expressaram forte discordância em uma coletiva de imprensa conjunta. Ainda assim, a primeira viagem de Pompeo à Rússia como secretário de Estado representou uma notável nova tentativa do governo Trump de encontrar uma base renovada em seu relacionamento internacional mais politicamente traiçoeiro.
Depois de várias horas de conversa entre Pompeo e Lavrov – e outros 90 minutos entre Pompeo e Putin –, o conselheiro de política externa do Kremlin, Yury Ushakov, elogiou Pompeo por manter "uma conversa boa e concreta". Os Estados Unidos se uniram à Rússia no interesse, ele disse, em "começar a corrigir o relacionamento e gradualmente restaurar os canais de comunicação".
Trump expressou o desejo desde sua campanha presidencial de cooperar com a Rússia em desafios globais. Mas ele nunca seguiu esse desejo com políticas em meio a turbulências.
Agora, com a investigação encerrada pelo conselheiro especial Robert Mueller sobre a interferência russa nas eleições americanas, tanto a Casa Branca quanto o Kremlin veem uma nova oportunidade para redefinir os laços.
"Por todo o trabalho exótico do conselheiro especial Mueller, ele realizou uma investigação imparcial e confirmou a falta de qualquer vestígio e de qualquer conluio entre a Rússia e o governo em exercício – que nós desde o princípio caracterizamos como um completo disparate", disse Putin a Pompeo no início da reunião. "Esta foi uma das razões para o agravamento de nossos laços. Espero que hoje a situação esteja mudando."
Pompeo disse que levantou a questão da interferência eleitoral da Rússia, mas Putin negou novamente que isso tenha ocorrido.
"Há coisas que a Rússia pode fazer para demonstrar que esse tipo de atividade é coisa do passado", disse Pompeo. Se a Rússia interferir novamente nas eleições de 2020 nos EUA, Pompeo disse que "isso nos colocaria em um lugar ainda pior".
Tensões com o Irã
Com as tensões globais aumentando em relação ao Irã – um aliado da Rússia –, Lavrov disse que a Rússia está preparada para fazer o que pode para evitar "um cenário de guerra". Os Estados Unidos alertaram para uma crescente ameaça do Irã e enviaram forças adicionais para a região.
"Nós fundamentalmente não buscamos a guerra com o Irã", disse Pompeo. "Também deixamos claro para os iranianos que, se os interesses americanos forem atacados, certamente responderemos da maneira apropriada."
Sobre a Venezuela, Lavrov e Pompeo não mostraram sinais de que vão deixar os lados opostos na crise daquele país. Mas Pompeo também citou regiões onde viu potencial para os Estados Unidos e Rússia trabalharem juntos mais de perto.
"Parte da nossa cooperação tem sido excelente, na Coreia do Norte, no Afeganistão", disse Pompeo a Putin. "Fizemos um bom trabalho, trabalho de contraterrorismo, em conjunto. Essas são coisas que podemos continuar a construir".
Acordo nuclear
No que pareceu um exemplo da prontidão do governo Trump para superar alguns pontos de desacordo, a maior fonte de tensões entre os EUA e a Rússia durante os anos Obama não surgiu nas negociações desta terça-feira, de acordo com o assessor do Kremlin, Ushakov.
"Não houve nada sobre a Ucrânia", disse Ushakov.
Em vez disso, disse Ushakov, Putin e Pompeo discutiram a Síria, a Coreia do Norte, o Irã, a Venezuela e o acordo New START – um tratado entre Rússia e EUA para redução de armas nucleares.
Um teste fundamental para a capacidade de cooperação entre Rússia e Estados Unidos será o controle de armas nucleares. Pompeo disse na entrevista coletiva que Trump continua interessado em trazer outros países, incluindo a China, para uma estrutura de controle de armas – uma ideia que atraiu ceticismo em Moscou.
Putin examinou um novo sistema de mísseis hipersônicos com capacidade nuclear em uma fábrica de defesa do sul da Rússia antes de seu encontro com Pompeo. O Kremlin insistiu que a visita foi uma coincidência.
Neste ano os Estados Unidos abandonaram um tratado da época da Guerra Fria com a Rússia que limita mísseis terrestres de curto e médio alcance, citando violações russas.
As autoridades russas, entretanto, disseram que estão dispostas a estender o acordo New START, que rege as armas nucleares estratégicas dos EUA e Rússia, que expira em 2021. Pompeo não se comprometeu após as conversações com Lavrov quando perguntado se os Estados Unidos estavam preparados para estender o tratado.
"Vamos reunir as equipes que trabalharão não apenas no New START e em sua extensão potencial, mas em uma gama mais ampla de iniciativas de controle de armas", disse Pompeo.
Relações reconstruídas
A viagem de Pompeo acontece em meio a uma série de novas conversas entre Moscou e Washington. Lavrov e Pompeo já se encontraram na Finlândia no início deste mês, e Trump e Putin conversaram recentemente por telefone por mais de uma hora.
"Tive a impressão de que o presidente pretende reconstruir as relações e os contatos dos EUA com a Rússia para resolver questões de interesse mútuo", disse Putin a Pompeo, referindo-se à ligação com Trump. "Nós também gostaríamos de reconstruir relações de pleno direito e espero que, neste momento, um ambiente propício esteja sendo construído para isso."
Mas o otimismo da Rússia permanece cauteloso. Trump disse na segunda-feira que se encontrará pessoalmente com Putin à margem da cúpula do Grupo dos 20 no Japão em junho. No entanto, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse na terça-feira que um pedido formal da Casa Branca para essa reunião ainda não chegou, e notou que Trump cancelou uma reunião entre os dois presidentes pouco antes da data marcada em dezembro.
"É claro que ouvimos a declaração do presidente Trump de que ele espera uma reunião com o presidente Putin", disse Lavrov na entrevista coletiva. "Se tal proposta chegar oficialmente, então, é claro, responderemos afirmativamente."
Alguns comentaristas e políticos em Moscou manifestaram a esperança de que, com o fim da investigação de Mueller, Trump possa estar em uma posição melhor para cumprir seu desejo declarado de melhorar as relações com a Rússia. Mas outros advertem que, mesmo que Trump tivesse mais espaço para manobrar em casa, os interesses dos dois países continuam a divergir pelo mundo.
"A atmosfera política doméstica nos Estados Unidos parece ter se tornado mais favorável", disse Fyodor Lukyanov, analista russo de assuntos internacionais que assessorou o Kremlin. "Mas em termos de política externa, as coisas continuam piorando."
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