O gabinete do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, informa que a Venezuela, juntamente com outros 14 países, está inadimplente com a organização e, portanto, perdeu seu direito de voto. Que vergonha! O país rico que a América Latina olhava com certa inveja décadas atrás agora dá pena. Mesmo tendo as maiores reservas de petróleo do planeta, não tem como pagar os credores que se multiplicam por todos os cantos. A American Airlines, por exemplo, dá como perdidos 592 milhões de dólares que o governo não quitou por sua operação no país; algo semelhante ocorre com os principais laboratórios farmacêuticos mundiais, com os fabricantes de automóveis, com as empresas de telefonia, e com um longo e penoso etcétera que vem levando a Venezuela a um lamentável isolamento no conjunto das nações.
O governo perdeu sua capacidade de endividamento, não tem crédito nos mercados mundiais e os títulos que emite são mais caros e arriscados que os de países em guerra, incluindo a Síria. Tudo veio abaixo. E se não há dólares, tampouco há bolívares. Quer dizer, há (porque, embora sem respaldo, o governo os imprime sem parar, como se se tratasse de um pedaço de papel). Mas a cada dia valem menos, para não dizer nada. A inflação venezuelana já é a mais alta do mundo, e a escassez afeta os setores mais importantes, de alimentação a medicamentos. O venezuelano de hoje é um cidadão desesperançado, desanimado, que perde longas horas do dia em filas intermináveis atrás de bens inexistentes.
Incompetência e corrupção
Como foi possível chegar a uma situação tão calamitosa e lamentável? Como um país petroleiro de 30 milhões de habitantes, depois do mais extraordinário boom da história, com um barril que chegou a ultrapassar 120 dólares por longos meses, pode terminar em semelhante estado de bancarrota?
À guisa de resposta, apresento três conceitos: incompetência, corrupção e anacronismo ideológico.
Desde o primeiro dia de seu governo, Hugo Chávez convocou ao seu gabinete o setor militar. Deu-lhe responsabilidades para as quais não estava preparado, além de um detalhe pernicioso: promoveu coronéis e generais aos postos mais elevados; para evitar que lhe fizessem sombra, Chávez sempre se cercou dos piores. E essa foi uma constante não apenas para os militares, mas também para os civis do chavismo: não estiveram à altura dos desafios e circunstâncias, foram maus, péssimos gerentes, sem os devidos preparo e qualificações. O único requisito para estar no governo foi a fidelidade cega, fanática. Primeiro a Chávez, agora a seu designado herdeiro Nicolás Maduro.
A corrupção, por outro lado, superou todos os limites concebíveis. Um trilhão de dólares foram gastos no país. A cobrança de comissões, a falta de licitações e a designação a dedo de contratos e projetos, de todo tamanho e envergadura, viraram práticas abertas e flagrantes. A Venezuela se tornou o reino da impunidade. E, depois de 17 anos, não foram construídas escolas, nem hospitais, aquedutos, estradas ou rodovias; além de se destruir, paralelamente e sem pudor, boa parte da infraestrutura industrial do país. Os corruptos governantes venezuelanos, civis ou militares – dá no mesmo neste caso –, são bilionários em dólares.
Por fim, o problema ideológico. Hugo Chávez, um militar que quis ser guerrilheiro mas que não passou de um funcionário público – como disse o escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka –, chegou ao poder com os ideais de um esquerdista latino-americano dos anos 60, ostentando a imagem descontextualizada de um líder do início do século 19 como Simón Bolívar. A chamada Revolução Bolivariana – ou Socialismo do Século 21 – é uma mistura indigesta à margem da história: seus seguidores agem como se o Muro de Berlim jamais tivesse caído, como se acompanhassem Mao na grande marcha ou estivessem prestes a embarcar no iate Granma de Fidel. Além de tudo o que já foi dito, os governantes venezuelanos são, afinal, como aqueles irresponsáveis macaquinhos que não veem, não ouvem e não falam.
Um líder carismático como Chávez, que além do mais contava com o inesgotável fundo petroleiro, podia fazer e desfazer à vontade. Um homem como Nicolás Maduro, de escassa ou duvidosa liderança, carente de carisma, sem os dólares do petróleo e com a camisa de força que pressupõe uma ideologia absurda, pode fazer pouco ou quase nada. Fazer as correções necessárias é reconhecer que a revolução fracassou, morreu, não foi mais do que um disparate. Não fazê-las equivale ao suicídio. Entre estas duas mortes está a Venezuela.
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