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O cenário político e social da Venezuela se torna cada vez mais decadente em meio às crescentes denúncias de fraude eleitoral que deu a Nicolás Maduro um terceiro mandato.
A falta de reconhecimento de boa parte da comunidade internacional dos resultados do pleito presidencial dá espaço a um isolamento ainda maior da Venezuela no contexto geopolítico, com a possibilidade de novas sanções contra o país já afundado em uma grave crise econômica, com uma inflação descontrolada, escassez de alimentos e medicamentos, além de uma forte repressão política.
O Mercosul - bloco regional formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, do qual a Venezuela foi suspensa em 2016 por, entre outros motivos, romper com a ordem democrática - foi um dos primeiros grandes grupos a anunciar a possibilidade de impor medidas contra Caracas.
A informação foi antecipada por Omar Paganini, ministro das Relações Exteriores do Uruguai, que atualmente ocupa a presidência rotativa do bloco. “Vamos estudar e provavelmente sim, iremos tomar medidas sobre isso. [...] Estamos conversando com outros países”, afirmou o chanceler.
Os EUA também já confirmaram a intenção de aplicar novas sanções contra o país sul-americano, segundo a agência Reuters, que consultou fontes familiarizadas com o assunto nesta terça-feira (30).
De acordo com as informações divulgadas, novas medidas serão impostas contra Caracas se o ditador Nicolás Maduro não respeitar os pedidos de Washington e de outros países e organizações da comunidade internacional por maior transparência na apuração dos votos.
Entre as penalidades estão sanções individuais e proibições de autoridades venezuelanas viajarem para EUA, incluindo aquelas ligadas às eleições. Essas medidas podem ser ainda mais severas, segundo as fontes consultadas, que não deram mais detalhes na declaração.
Para Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais da faculdade Ibmec, a pressão internacional coloca Maduro em uma "posição delicada". No entanto, como mostra a história recente - fazendo referência às eleições de 2018 - o ditador tem sido resiliente em manter o poder, mesmo diante de fortes críticas e sanções.
"É altamente provável que novas sanções sejam impostas pelos EUA e possivelmente por outros países aliados. As sanções anteriores já demonstraram eficácia limitada em alterar o comportamento do regime, devido ao apoio contínuo de países como Rússia, China e Irã", pontuou o professor.
"Essas parcerias devem ser fortalecidas à medida que Maduro busca diversificar suas alianças econômicas e políticas para mitigar o impacto das sanções ocidentais. No entanto, novas sanções poderiam aumentar a pressão sobre a já frágil economia venezuelana, complicando ainda mais a situação do povo venezuelano", acrescentou.
Segundo o professor, o apoio de ditaduras, como a da Rússia e China, oferece a Maduro um suporte vital para se manter no poder, apesar de também contribuir com o isolamento da Venezuela no mundo.
"A aliança de Maduro com potências autoritárias externas lhe oferece um suporte vital, mas ao custo de um crescente isolamento internacional e um aprofundamento da crise interna. Para uma mudança substancial, seria necessário um movimento significativo dentro do próprio regime ou uma mobilização popular em grande escala, o que, até o momento, não parece iminente".
Em meio às chances de aplicação de novas sanções contra a Venezuela, Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), aponta algumas consequências que essas medidas poderiam trazer.
"Os EUA tem sido muito cautelosos em relação às sanções por algumas razões: uma delas é que os impactos dessas ações podem afetar as empresas e acordos que foram feitos ao longo de 2023 e deste ano; outro ponto é que novas sanções podem ter um impacto interno muito forte na economia, em um país onde os níveis de pobreza já são altos, provocando uma nova leva de migração em massa, que afetaria tanto os países próximos quanto os EUA".
Outra razão que gera um impasse na aplicação de novas punições contra Caracas pelos EUA, segundo Holzhacker, está relacionada ao petróleo venezuelano.
"Vemos uma escalada do conflito no Oriente Médio, então o acesso ao petróleo venezuelano é um ponto importante na estratégia energética americana, por isso essa ação mais cautelosa frente aos processos e ações do próprio Maduro".
Pressão internacional não deve impor mudanças na Venezuela
A Organização dos Estados Americanos (OEA) convocou uma reunião extraordinária para esta quarta-feira (31), a fim de debater o resultado da eleição presidencial do último domingo, que foi amplamente contestado no exterior devido à baixa transparência na divulgação dos números pelo CNE.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, apelou para que o ditador Nicolás Maduro reconhecesse a derrota no pleito e abrisse caminho "para o regresso da democracia".
Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), afirma que, apesar da mobilização internacional ser um fator importante nesse contexto, a pressão externa tem pouca eficácia para gerar mudanças na Venezuela.
"Essa mobilização da comunidade internacional é importante, como a expressada pela OEA, demonstrando uma articulação multilateral, mas isso tem pouca força para uma mudança nesse quadro. Se essa pressão chegar à ONU, por exemplo, vemos a possibilidade de China e Rússia, países que apoiam o regime Maduro, vetarem qualquer tipo de resolução, como já vimos em outros momentos".
Na análise da professora, o único efeito da falta de reconhecimento externo das eleições na Venezuela é o isolamento no âmbito das organizações interamericanas.
Mesmo pressionado, Maduro não deve abrir mão do poder, avaliam especialistas
Questionados sobre as chances de Maduro abrir mão do poder e passar o bastão para a oposição em um cenário remoto, os especialistas se mostraram desacreditados.
Para Caichiolo, a possibilidade de Maduro aceitar uma derrota parece limitada, especialmente considerando seu controle sobre as instituições chave do país, como o Conselho Nacional Eleitoral e o apoio das forças armadas.
"A menos que haja uma ruptura significativa dentro de sua base de apoio ou uma pressão interna substancial, é improvável que a pressão internacional por si só leve Maduro a aceitar uma derrota eleitoral", afirmou.
Segundo Denilde, apesar de Brasil, Colômbia e Estados Unidos se manifestarem a favor do diálogo entre o regime e a oposição para liberação de atas eleitorais e possível transição de liderança, esse cenário é bastante improvável de acontecer.
"A situação mostra que Maduro já iniciou outra fase em relação à oposição, buscando seu enfraquecimento à medida que há uma mobilização dos venezuelanos nas ruas e prisões e mortes são relatadas. Esse quadro nos mostra o quão difícil seria reverter essa realidade", disse a professora.