Associações de trabalhadores ligadas à oposição venezuelana denunciaram, nesta terça-feira (22), ameaças de punição do governo a funcionários públicos que não participaram da votação que levou o ditador Nicolás Maduro à reeleição, um processo não reconhecido pela maior parte da comunidade internacional. Líderes opositores impedidos pela Justiça de concorrer chamaram a população a não participar. Maduro obteve 68% dos votos e a abstenção ficou em 52%.
Segundo Marlene Sifontes, da Frente Autônoma de Defesa do Emprego, Salário e Sindicato, o governo pretende cruzar os dados sobre participação para promover demissões, transferências, aposentadorias forçadas e suspensão de gratificações e de promoções. O governo pretendia alcançar uma participação maior, razão pela qual governadores chavistas convocaram, em áudios vazados, os militares a usarem "toda a máquina" do Estado para levar eleitores às urnas.
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São frequentes na Venezuela relatos de pressão para que o funcionalismo, estimado em 2,3 milhões de pessoas, vote a favor do governo. Isso ocorreu na semana passada, antes da votação. Uma funcionária pública de 71 anos, que ganha o equivalente a US$ 3 por mês, criticava o governo em um restaurante português do centro de Caracas. Questionada se votaria contra Maduro, disse que não o faria por temor a retaliações.
"Estou perto de me aposentar e tenho medo de não conseguir minha pensão se votar contra Maduro".
Outro funcionário público, este de uma empresa da área de pesca, disse nesta terça-feira que as recomendações para que os empregados votassem eram claras. "Ofereceram até transporte para nos levar, mas eu não fui votar", afirmou o homem, que não passa à iniciativa privada por falta de opção. Ele disse que não recebeu ameaças depois da votação.
"Eu deixei o trabalho em uma estatal porque o controle político era insustentável. Sabiam que eu era opositor e a pressão para votar no governo era escancarada. Os chefes perguntavam diretamente se a apoiaríamos o governo", disse Roberto Lodeiro, de 39 anos, um ex-contador estatal do setor petroquímico que preferiu virar motorista.
De acordo com a sindicalista Marlene Sifontes, pelo menos 880 mil trabalhadores deixaram o setor público desde 2017. Procurado pela reportagem, o governo venezuelano indicou que daria uma resposta às acusações, mas não o fez.
Maduro é diplomado
O séquito de Maduro compareceu em massa nesta terça-feira à sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão que regula a eleição, onde o chavista recebeu das mãos da diretora Tibisay Lucena um certificado de que venceu a disputa eleitoral de Domingo.
Com o documento em mãos, Maduro fez um discurso inflamado em que anunciou a expulsão do diplomata americano mais graduado na Venezuela em retaliação à nova leva de sanções contra o chavismo. Acusando o encarregado de negócios Todd Robinson de estar envolvido em uma "conspiração militar", Maduro deu 48 horas para que ele e Brian Naranjo, outro diplomata americano, saiam da Venezuela. "Nem com conspirações nem com sanções vocês segurarão a Venezuela", disse.
O Departamento de Estado dos EUA rejeitou nesta terça as alegações contra os diplomatas expulsos. Desde 2010, quando Patrick Dudd deixou Caracas, a embaixada americana na Venezuela tem sido chefiada por encarregados de negócios, que ficam incumbidos de conduzir os trabalhos enquanto não é designado um novo embaixador.
A União Europeia afirmou que a eleição na Venezuela não seguiu os padrões internacionais e que estuda "medidas adequadas", sem dar detalhes de quais seriam -o bloco já havia dito em abril que haveria novas punições caso a disputa não fosse justa.
Entre as reclamações das autoridades europeias estão irregularidades no pleito, como a compra de votos, e a falta de respeito ao pluralismo político, à democracia e à transparência.
O Grupo dos 7 (G7), constituído por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, também rechaçou as eleições presidenciais, apontando que o processo não cumpriu os requisitos internacionais aceitáveis e que, por isso, não há garantia básicas de que foi “inclusivo, justo e democrático”.
Assembleia Nacional venezuelana diz que eleições foram uma farsa
A Assembleia Nacional da Venezuela aprovou nesta terça-feira um projeto em que afirma não reconhecer a "farsa eleitoral" de 20 de maio e a todo "ato oficial" de proclamação e juramento pelo Conselho Nacional Eleitoral. No documento, o Poder Legislativo argumenta que o processo eleitoral foi conduzido fora dos tratados de direitos humanos e da Constituição. Além disso, eles afirmam que Maduro deveria ser tratado como um "usurpador do cargo".
A promotora Luisa Ortega Díaz, segundo o jornal El Nacional, apoiou o acordo e pediu à comunidade internacional para aumentar as medidas de pressão a fim de ajudar que a democracia retorne à Venezuela.
No ano passado, a Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela, composta majoritariamente por apoiadores do ditador, aprovou um decreto em que assume poderes legislativos do Congresso, controlado pela oposição.
Pequenos protestos continuam ocorrendo na Venezuela. Na terça-feira, em diferentes estados, os venezuelanos fizeram manifestações contra o resultado das eleições e pela falta de serviços básicos.
Ataque à liberdade de imprensa
Além das ameaças a funcionários públicos, a ditadura de Maduro fez mais uma investida contra a liberdade de imprensa no país. Nesta terça-feira, a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) notificou o início de um processo administrativo contra o jornal “El Nacional” por “disseminar mensagens que ignoram as autoridades legitimamente constituídas e também incitar e/ou promover o ódio”. As sanções estão previstas na Lei de Responsabilidade Social no Rádio, Televisão e Meios Eletrônicos.
Segundo o órgão, o jornal não deverá publicar “notícias e mensagens que possam atentar contra a tranquilidade da cidadania, podendo gerar alterações na população, oferecendo informações erradas ou infundadas”. O El Nacional terá dez dias úteis para fazer sua defesa e cinco dias úteis para se opor à medida.
O jornal digital considera o governo de Maduro uma ditadura. Na segunda-feira, publicou um editorial em que qualificou as eleições de 20 de maio como uma farsa e afirmou ainda que, ao não irem votar, os cidadãos evitaram “mergulhar em imensas ondas de merda”. Após a censura do Conatel, o El Nacional usou seu perfil no Twitter para protestar contra a medida regulatória. “Ratificamos nosso compromisso com a Venezuela. Nossa luta é pela verdade”, dizia a postagem, acompanhada de uma imagem que continha um artigo do Código de Ética do Jornalista Venezuelano: “O jornalista tem o dever de combater sem trégua a todo o regime que adultere ou viole os princípios da democracia, da liberdade, da igualdade e da justiça”.
Segundo o jornal O Globo, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Imprensa denunciou uma escalada de ataques do governo a meios de comunicação, “em uma política sistemática de encurralamento e asfixia de espaços para a livre expressão, a crítica e a dissidência”.
No ano passado, segundo a ONG Espaço Público, foram registradas 708 casos de denúncias de violação aos direitos humanos e à liberdade de expressão no país. Os números são os mais altos desde 2002 e “mostram uma deterioração significativa das garantias a estes direitos na Venezuela”. Também no ano passado a ONG informou que foram fechados oito canais de televisão, 54 emissoras de rádio e 17 jornais impressos que deixaram de circular por falta de papel - dos quais seis fecharam definitivamente.
Em 2017, a Assembleia Nacional Constituinte sancionou uma lei que prevê até 20 anos de prisão, bloqueio dos portais de notícias e fechamento de emissoras de rádio e televisão “para quem expresse opinião que incomode o poder”, de acordo com a ONG. Trata-se da Lei contra o Ódio, que contém 25 artigos e aplica leis contra qualquer um que cometa crimes de ódio e promova mensagens fascistas de intolerância.
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