Com o país afundado em uma de suas maiores crises política e econômica e pressionado pela União Europeia, Estados Unidos e vários países da América Latina, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, busca neste domingo (20) manter o regime chavista no poder após mais de 20 anos da chamada revolução bolivariana. Independentemente do resultado das urnas, a avaliação é de que no curto prazo as chances de uma solução que possa devolver a paz, estabilidade e retomada do desenvolvimento ao país são mínimas.
Os principais partidos de oposição, reunidos em torno da Mesa da Unidade Democrática (MUD) e da Frente Ampla Venezuela Livre, consideram o pleito uma fraude e não vão participar das eleições. A Frente – que conta também com parte dos líderes estudantis, empresários, associações profissionais, sindicatos e outras entidades da sociedade civil – rechaçou as regras impostas pela Assembleia Nacional Constituinte. Os constituintes foram eleitos em 30 de julho de 2017 e todas as 545 cadeiras são ocupadas por chavistas.
O principal motivo do boicote da Frente é a impossibilidade de seus maiores líderes disputarem as eleições. Vários deles estão presos, deixaram o país ou foram proibidos de se candidatar.
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Henrique Capriles, ex-governador do estado de Miranda e que perdeu a disputa presidencial para Maduro em 2013 por apenas dois pontos percentuais, foi proibido de se candidatar a cargos eletivos por 15 anos. O líder opositor Leopoldo López, do partido Vontade Popular, está em prisão domiciliar em Caracas desde julho do ano passado. Antonio Ledezma, ex-prefeito metropolitano de Caracas e fundador da Aliança Bravo Povo, fugiu para a Espanha. A ex-deputada e ex-candidata presidencial María Corina Machado, do partido Vente, foi proibida de ocupar cargos públicos.
O governo rebate as acusações de ilegitimidade sob o argumento de que Maduro não é candidato único, tem apoio de nove outros partidos além do seu PSUV, e que outros quatro nomes disputam a presidência da República. Afirma ainda que os partidos que compõem a MUD e a Frente Ampla decidiram boicotar as eleições porque temem ser derrotados nas urnas.
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Dos adversários de Maduro na disputa, apenas um tem alguma chance nas urnas – assim mesmo muito reduzida. Henri Falcón, do partido Avanzada Progresista (AP), é um ex-governador do estado de Lara dissidente do chavismo. Ele diz que, ao boicotar a eleição, a oposição pode cair no isolamento e abrir caminho para a perpetuação de Maduro no poder. Os outros oposicionistas – Reinaldo Quijada, Luis Alejandro Ratti e Javier Bertucci – são considerados figurantes.
A história recente da Venezuela mostra que todas as em que a oposição decidiu não participar de eleições o resultado foi o fortalecimento do chavismo. Em 2005, quando os oposicionistas se recusaram a participar do pleito, os aliados de Chávez elegeram todos os 167 assentos da Assembleia Nacional. Em julho do ano passado, novamente a oposição rejeitou participar da escolha para a Assembleia Constituinte. Sem concorrentes, os chavistas elegeram todos os constituintes, com participação de 41,53% dos eleitores do país.
Fundo do poço
Quando os venezuelanos forem às urnas no próximo dia 20, a Venezuela estará no auge de uma crise política, econômica e social que se instalou no país há mais de quatro anos. Somam-se à escassez crônica de bens de consumo – alimentos, remédios, materiais de construção, equipamentos e matérias-primas para a produção industrial – a maior inflação do mundo e a explosão da violência.
A real situação da economia venezuelana é praticamente impossível de ser apurada com rigor. O Instituto Nacional de Estatística da Venezuela deixou de publicar dados de inflação em dezembro de 2015 e não fornece nenhum número referente ao PIB.
Muitos organismos não oficiais, no entanto, buscam calcular a inflação e outros indicadores econômicos do país. Estudo da Assembleia Nacional, de maioria opositora, mostra que a hiperinflação chegou a 13.770% em 12 meses. Os dados do parlamento oposicionista, no entanto, apresentam disparidade com os do Fundo Monetário Nacional (FMI), que prevê inflação de “apenas” 2.350% em 2018.
Com a desvalorização da moeda nacional, o Banco Central (BC) da Venezuela anunciou no último dia 23 de março que cortará, a partir de 4 de junho, três zeros do bolívar. A moeda criada pelo ex-presidente Hugo Chávez já perdeu mais de 99% de seu valor.
Sem números oficiais, os dados do PIB mais usados por economistas independentes são do FMI. De acordo com o Fundo, a economia teve retração de 16,5% em 2016 e 14% em 2017. Para 2018 a previsão é de um recuo de 6%. Para o período entre 2013 e 2018 a queda no PIB deve se aproximar de 50%, segundo o FMI.
Apesar de os números caracterizarem uma tragédia, o país ainda apresenta alguns indicadores sociais superiores aos do Brasil. A Venezuela está em 71º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pela ONU, enquanto que o Brasil amarga a 79ª posição.
De acordo com o BC venezuelano, o desemprego caiu de 7,5% em 2016 para 6% em 2017. Esses números são melhores que os do Brasil, que registra atualmente mais de 13% de desempregados.
O Governo admite que a economia vai mal, mas atribui a situação a um complô criado pelo imperialismo e a burguesia local, além da queda do preço do petróleo – produto que representa a quase totalidade das receitas externas do país. O barril de óleo, que superava os US$ 100 no período de 2011 a 2014, caiu a menos US$ 30 em 2016. Os críticos dizem que a crise é resultado do autoritarismo e do intervencionismo na economia, que impede investimentos externos e não busca a superação da dependência do petróleo.
Quem são os candidatos
NICOLÁS MADURO
Partido Socialista Unido da Venezuela - PSUV
Atual presidente e representante do chavismo, busca o segundo mandado em uma coalização de dez partidos denominada Frente Ampla pela Pátria.
REINALDO QUIJADA
Partido Unidade Política Popular 89 (UPP89)
Engenheiro de 58 anos, foi aliado do chavismo até 2013, quando o ex-presidente Hugo Chávez morreu. Declara-se de oposição a Maduro, mas defende a revolução bolivariana.
HENRI FALCÓN
Partido Avanzada Progresista (AP)
Ex-líder do chavismo, deixou o governo em 2010 e se aliou à Mesa da Unidade Democrática (MUD), que aglutinou os principais políticos de oposição. Tem apoio de quatro partidos.
LUIS ALEJANDRO RATTI
Candidato independente
Empresário, foi aliado do chavismo até 2016. Defende a abertura internacional e aproximação com os Estados Unidos.
JAVIER BERTUCCI
Partido Esperança para a Mudança
Pastor da igreja Maranatha, que tem milhares de seguidores no país, e empresário. Defende a implantação de uma cadeia de rádio e televisão para converter os venezuelanos aos valores cristãos.
As dez faces de Maduro
Dos 17 rostos que aparecem na cédula eleitoral que os venezuelanos utilizarão para votar, chamada de “tarjetón”, 10 são do presidente Nicolás Maduro. Seu principal opositor, Henri Falcón, aparece quatro vezes. Os outros três candidatos aparecem uma só vez cada um. Essa particularidade do sistema eleitoral se dá pelo fato de que o nome e a foto do candidato aparecem na cédula de acordo com a quantidade de partidos que o apoiam. Como Maduro tem apoio de dez partidos, ele aparece uma dezena de vezes. Falcón tem apoio de quatro legendas.
Entrevista
Gustavo Lacerda, sociólogo, pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
As eleições do próximo dia 20 na Venezuela são ilegítimas?
O regime chavista reiteradamente tem convocado eleições para mudar a Constituição. A população venezuelana foi tomada de surpresa com a antecipação das eleições. É uma forma de Maduro tentar obter certa legitimidade, mas é principalmente uma jogada para mudar de assunto. Em vez de tratar do problema econômico e social, vamos tratar da disputa política institucional.
As eleições vão resolver a crise?
Os problemas que a Venezuela está enfrentando não têm solução rápida. A economia tem que voltar a funcionar e isso não acontece do dia para a noite. Vai demorar alguns anos. A solução seria um apoio internacional muito grande, mas para isso o regime teria de assumir que a crise é insustentável e pedir apoio internacional. O governo Maduro não vai fazer isso.
O governo culpa o boicote internacional e a queda do preço do petróleo pela crise. São essas as causas?
O boicote aumenta a penúria do país, mas no caso da Venezuela ocorreu depois da crise econômica já instalada, da violação de direitos humanos. O valor do petróleo tem a ver com a crise, mas é preciso considerar que em vez do regime investir na diversificação industrial e comercial, para produzir e fazer trocas com o resto do mundo, para satisfazer o mercado interno e aumentar a riqueza, o governo colocou em prática um forte dirigismo estatal baseado na renda do petróleo e de desestímulo à produção. Com isso se tornou cada vez mais dependente. Foram estratégias macroeconômicas de longo prazo equivocadas desde o início.
A recusa de líderes e partidos de oposição de participarem das eleições é equivocada?
É um dilema que a oposição venezuelana enfrenta: ficar de fora de um processo que considera ilegítimo ou participar e legitimar o processo. É uma decisão difícil. Para mudar a situação da Venezuela terá de haver mudança do regime e essa mudança só ocorrerá de forma sem maiores traumas, de forma mais segura (não a mais agradável) se for por meio de rachaduras internas. Para isso, a oposição deveria participar. Foi desta forma que ocorreu no Brasil. Nos anos de 1970 a oposição decidiu participar das eleições controladas pelo governo e foi construindo, aos poucos, o espaço de manobra até que conseguiu vencer o regime.
Crise no país vizinho atinge o Brasil com onda migratória
Desde 2014, quando a crise política, econômica e social na Venezuela se aprofundou, um grande número de venezuelanos começou a deixar o país diariamente. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) mostram que mais de um milhão de pessoas migraram. Dessa multidão, pelo menos 500 mil foram para a Colômbia. Outra parte considerável veio para o Brasil.
Os números de imigrantes da Venezuela em território brasileiro hoje são desencontrados, considerando que a maioria entra no país ilegalmente. De acordo com registros da Polícia Federal, mais de 92 mil venezuelanos chegaram a Roraima de 2017 até abril desde ano. A ONU estima que nos últimos meses uma média de 800 migrantes têm cruzado a fronteira de Roraima todos os dias. O Exército brasileiro tem outra avaliação e calcula que o número deve ficar em torno de 400.
A porta de entrada dos venezuelanos para o Brasil é Pacaraima, cidade fronteiriça a 210 km de Boa Vista, a capital de Roraima. É por lá que famílias inteiras entram no território brasileiro à espera de abrigo. Sem condições de prestar assistência a tanta gente, autoridades roraimenses temem uma crise humanitária, com a explosão de epidemias de doenças como sarampo e malária.
Com mais e mais imigrantes espalhados por ruas e parques de Boa Vista e Pacaraima, o Exército brasileiro – em conjunto com Marinha, Aeronáutica, prefeitura da capital, governo do estado e a Acnur – vem construindo abrigos para evitar tragédia humanitária ainda maior.
Na semana passada, em Boa Vista havia sete abrigos já funcionando e, em Pacaraima, mais um. A Força Tarefa Logística Humanitária, que coordena os trabalhos, previa a instalação de mais três abrigos na capital e outro na cidade de fronteira. Mas os abrigos não são suficientes para atender a onda migratória e muitos refugiados vivem pelas ruas.
O risco de colapso nos serviços públicos das cidades roraimenses é real. Boa Vista tem pouco mais de 330 mil habitantes e a população de Pacaraima é de pouco mais de 12 mil. Os migrantes nessas duas cidades já representam mais de 10% da população.
O sociólogo Gustavo Lacerda, pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), questiona se governos anteriores do Brasil e o atual não tem responsabilidade pelo que está acontecendo hoje na Venezuela.
O governo de FHC não fez nada e os governos do PT incentivaram o chavismo, em vez de usar a influência política do Brasil na região para aconselhar, criticar o que estava errado e propor soluções. Agora, o governo Temer enfrenta sérios problemas de legitimidade e está cauteloso em se posicionar. A timidez do Brasil não ajuda a resolver a crise na Venezuela.”