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Neste domingo (3), a Venezuela realizará um referendo para consultar sua população sobre a anexação da região de Essequibo, uma área da Guiana que é desejada e disputada por Caracas desde o século 19. A consulta é considerada ilegal pela Guiana e gera preocupações sobre a possibilidade de que ocorra uma guerra na América do Sul.
Essequibo é uma área de quase 160 mil quilômetros quadrados, rica em recursos naturais, que corresponde a cerca de 70% do território da Guiana. A Venezuela reivindica a região como parte de seu território desde quando se tornou independente da Espanha.
O referendo, que foi convocado em outubro pela ditadura de Nicolás Maduro depois que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu que tinha jurisdição para julgar o caso, a pedido da Guiana, terá cinco perguntas, que buscam obter o apoio popular para rejeitar uma sentença arbitral de Paris em 1899, defender o Acordo de Genebra como único instrumento válido, negar a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre o tema, se opor à exploração de petróleo pela Guiana e criar um novo estado venezuelano na região, cujo nome seria Guayana Esequiba, incorporando-o ao mapa nacional e fornecendo cidadania aos habitantes da área disputada.
A sentença arbitral de Paris em 1899 concedeu a soberania sobre Essequibo ao Império Britânico, que ainda colonizava a Guiana. A Venezuela contestou a decisão e, em 1966, ano em que a Guiana se tornou independente, foi assinado o Acordo de Genebra, que reconheceu a reclamação venezuelana e estabeleceu um prazo de quatro anos para resolver a questão, o que não ocorreu. Desde então a disputa vem se arrastando por décadas e se intensificou após a descoberta de grandes reservas de petróleo na área disputada, em 2015.
Conforme noticiou a BBC, as descobertas de petróleo em Essequibo fizeram com que a economia da Guiana se tornasse uma das que mais crescem no mundo. O Produto Interno Bruto (PIB) do país deve crescer 25% neste ano e já havia se expandido em mais de 50% no ano passado. Além do petróleo, a região também é rica em ouro e outros recursos minerais.
“Essequibo é uma região com muitos recursos minerais. Além do petróleo, há muito ouro”, confirmou o geógrafo Temitope Oyedotun, da Universidade da Guiana, à BBC. Ele também disse que a região conta com diamantes, bauxita, manganês e urânio.
A votação do referendo consultivo terá início às 6h da manhã no horário local (7h no horário de Brasília). O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), que é controlado pelo regime de Maduro, coordenará a votação e disponibilizou mais de 15 mil pontos de votação por todo país, segundo informações do portal independente venezuelano Efecto Cocuyo. Cerca de 356 mil militares estarão nas ruas, conforme afirmou o regime chavista. A votação será encerrada à tarde, apenas quando todas as filas nos postos eleitorais estiverem vazias.
Visando aumentar a participação da população no referendo, o regime de Maduro lançou na quarta-feira (29) uma “operação especial” para facilitar a emissão da carteira de identidade, documento obrigatório para votar. Segundo o ministro das Relações Interiores, Justiça e Paz do regime de Maduro, Remigio Ceballos, mais de cem gabinetes do órgão responsável pela identificação dos cidadãos foram habilitados em todo o país. No decorrer da semana a ditadura também promoveu uma campanha em favor do referendo e do “sim”, que incluiu shows, mobilizações, distribuição de folhetos e propaganda nas redes sociais.
O governo da Guiana considera o referendo consultivo de Maduro como uma grave violação do direito internacional e uma ameaça à sua integridade territorial. Georgetown defende que a sentença de 1899 é definitiva e vinculante e que a CIJ é o órgão competente para julgar o caso.
A Guiana também acusa a Venezuela de tentar “intimidar e coagir os habitantes do Essequibo”, que são majoritariamente de origem indígena e afrodescendente, e de violar seu espaço aéreo e marítimo. O país convocou uma série de manifestações de rua para este domingo, em apoio à sua soberania sobre a região disputada.
A realização do referendo é considerada por alguns analistas guianenses como um mero interesse econômico por parte da Venezuela e uma tentativa de Maduro de utilizar a disputa pela região para obter apoio político interno. O geografo Oyedotun questionou em entrevista à BBC a validade e a legalidade das perguntas do referendo, que serão feitas aos venezuelanos no domingo.
“Não se pode organizar um referendo perguntando a um povo se ele gostaria de começar a considerar uma região de outro país como sua", disse ele.
Especialistas, como o ex-embaixador venezuelano e doutor em Ciências Políticas Sadio Garavini di, observam a realização do referendo como uma tentativa de Maduro de desviar a atenção da grave crise econômica, social e política que assola o país, que sofre com hiperinflação, escassez de alimentos e medicamentos, violência, repressão e êxodo de milhões de pessoas.
“É uma manobra óbvia de distração”, disse Garavini di ao site estatal Voz da América.
Nesta sexta (1º), a CIJ ordenou que a Venezuela “se abstenha de tomar qualquer medida que altere a situação atual em Essequibo”. A corte não proibiu expressamente a Venezuela de realizar o referendo deste domingo, como a Guiana solicitou, no entanto, os juízes deixaram claro que “qualquer ação concreta para alterar o status quo deve ser interrompida”.
A Guiana comemorou a decisão da CIJ como uma vitória e reafirmou sua soberania sobre Essequibo. O governo guianense disse que espera que a Venezuela “respeite a ordem judicial e abandone seus planos de realizar o referendo”. Com a decisão da corte, qualquer ação agressiva realizada pela Venezuela de Maduro sobre Essequibo será considerada como uma “grave violação do direito internacional”.
A decisão da CIJ, no entanto, parece não ter incomodado Maduro, que disse na sexta-feira que a Venezuela “mantém sua posição histórica de não reconhecer a Corte Internacional de Justiça como o mecanismo para resolver a disputa".
"Digo ao governo da Guiana, digo à ExxonMobil e ao Comando Sul: na Venezuela, faça chuva, trovão ou relâmpago, no domingo, 3 de dezembro, a pátria será abençoada, e o povo estará nas ruas votando e decidindo, porque na Venezuela o povo governa", afirmou o ditador.
Segundo o líder do regime chavista, a votação deste domingo é uma “oportunidade para o povo fazer justiça histórica” e “reivindicar a anexação da região do Essequibo”.
Na semana passada a Conferência Episcopal da Venezuela se manifestou favoravelmente à “soberania” do país sobre o Essequibo, mas pediu que o referendo “não seja manipulado” pelo regime de Maduro. Por meio de uma nota, os bispos afirmaram que “a reivindicação histórica da Venezuela sobre o território do Essequibo é justa e legítima” e que “o povo venezuelano tem o direito de expressar sua vontade sobre essa questão”. Os bispos também disseram que “o referendo deve ser realizado com transparência, liberdade e respeito aos direitos humanos, sem pressões, ameaças ou chantagens” e que ele não deveria ser usado como “uma cortina de fumaça para ocultar ou minimizar os graves problemas que afetam o país”.
No entanto, as simulações sobre o referendo realizadas no decorrer desta semana foram alvo de denúncias relacionadas a atos de arbitrariedades e violações de direitos humanos por parte do regime de Maduro. Segundo relatos de educadores, pais e ativistas, estudantes menores de idade foram obrigados a participar de simulações de votos em escolas sob a ameaça de perder seus direitos educacionais se não votassem a favor da anexação do Essequibo.
Além disso, presidiários e beneficiários de programas sociais também foram coagidos pela ditadura de Maduro a apoiar o referendo, sob pena de perderem também acesso a seus benefícios.
Nesta quinta-feira (30), o Brasil manifestou sua preocupação com a tensão na região e reforçou a segurança na fronteira norte. O Ministério da Defesa brasileiro disse que intensificou as ações de defesa na área, e está acompanhando de perto a situação.