Vendedora aguarda clientes em loja de produtos importados em Caracas, Venezuela, 22 de dezembro de 2019| Foto: Andrea Hernandez Briceno / Washington Post

No Natal passado, a Venezuela devastada passava por escassez de tudo, de enfeites natalinos a papel higiênico. Neste ano, o governo socialista deu um presente de fim de ano inesperado à nação cansada: uma dose de livre mercado.

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O ditador Nicolás Maduro está tentando se afastar das políticas socialistas que antes regulavam os preços dos itens básicos, tributavam fortemente as importações e restringiam o uso do dólar americano. Como resultado, a queda livre da economia do país está começando a desacelerar. A taxa de inflação nacional - ainda a mais alta do mundo - diminuiu de 1,5 milhão por cento no ano passado para uma taxa anual de 15.000%.

As mudanças podem ser temporárias e equivalem a um band-aid econômico. Não há sinais, por exemplo, de uma estratégia maior para reverter a apropriação de terras agrícolas e o confisco de empresas que ajudaram a estabelecer as bases para uma das piores implosões econômicas dos tempos modernos.

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Mas, à medida que as novas medidas se firmam, as prateleiras que antes estavam vazias transbordaram neste fim de ano com carne bovina, frango, leite e pão - embora a preços tão altos que deixaram a situação pior para um segmento significativa da população. Venezuelanos mais abastados, porém, estão lotando dezenas de lojas especializadas recém-inauguradas - incluindo pelo menos uma imitação do Walmart - repletas de pilhas de cereais americanos, presunto italiano e caixas de azeite de oliva importado. Muitos dos produtos foram comprados e enviados em contêineres para a Venezuela de atacadistas de Miami, como o Costco.

Maduro permanece em um impasse político com o líder da oposição, Juan Guaidó, e seus apoiadores em Washington, que aumentaram a pressão para forçar a derrubada do ditador. Mas as sanções dos EUA contra a Venezuela não parecem ter prejudicado o aumento das importações - principalmente porque as medidas impedem os americanos de fazer negócios apenas com o governo venezuelano, e não com indivíduos particulares.

"O governo não conseguiu recuperar a economia de outra maneira, por isso está fazendo o que as pessoas querem" cedendo ao mercado livre, disse Ricardo Cusano, presidente da Fedecamaras, a câmara de comércio da Venezuela. Os socialistas ainda estão no poder, ele disse, mas "perderam a guerra ideológica".

Assolados pela hiperinflação e pelo colapso econômico, os venezuelanos abatidos chamaram esse período do ano passado de "Natal sem luzes" - um dia em grande parte desprovido das tradicionais decorações e de brinquedos para as crianças. Mas enquanto a economia começa a dar modestos sinais de vida - particularmente na bolha da capital Caracas - há mudanças visíveis nas ruas.

Vendedora aguarda clientes em loja de produtos importados em Caracas, Venezuela, 22 de dezembro de 2019
Cofrinho para gorjetas em loja de produtos importados em Caracas, Venezuela, 22 de dezembro de 2019
Mulher olha vitrine em shopping de Caracas, Venezuela, 18 de dezembro de 2019
Clientes saem de loja de produtos importados em Caracas, Venezuela, 22 de dezembro de 2019
Segurança vigia um shopping de Caracas, Venezuela, 18 de dezembro de 2019
Após o "Natal sem luz" do ano passado, as decorações voltaram a Caracas, Venezuela, 18 de dezembro de 2019
Mariutka Oropeza em sua casa enquanto seu filho brinca com cartas em Guarenas, Venezuela, 19 de dezembro de 2019

Escassos mercados de Natal se abriram para vender enfeites para uma população um pouco mais otimista. Mais decorações natalinas apareceram nas lojas, juntamente com mais pais comprando brinquedos e roupas para crianças, dizem os proprietários. A capital está sofrendo seus piores engarrafamentos em anos, pois os donos de automóveis com maior acesso a peças de reposição importadas têm colocado carros que há tempos estavam parados de volta às ruas entupidas.

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A redução das restrições tornou a temporada de festas mais feliz para uma pequena minoria de venezuelanos ricos, muitos dos quais vivem em mansões cercadas por muros altos na zona leste de Caracas.

"Havia coisas que você simplesmente não conseguia - pratos que era impossível de fazer", disse Pablo Gianni, gerente do Anonimo, um restaurante luxuoso de Caracas que abriu neste mês com uma adega que cheia de prateleiras de garrafas de Dom Pérignon com preços que passam de mil dólares.

"Mas agora é como um contrabando legal", disse ele. "Eles estão deixando tudo entrar."

As mudanças em curso no país são o produto de uma combinação de fatores. Durante anos, o governo limitou estritamente o uso do dólar americano, retratado por muito tempo como um instrumento do imperialismo ianque. Mas no ano passado, o governo liberou a taxa de câmbio e legalizou de maneira mais ampla as transações em dólar. Também eliminou enormes impostos de importação sobre uma série de mercadorias.

Mas essas medidas começaram a realmente afetar a economia apenas nos últimos meses, quando o governo deu mais o passo de abandonar as tentativas de controlar os preços no varejo. Os estoques de pão, frango e carne bovina que antes eram vendidos por quase nada agora estão sendo vendidos a preços de mercado, normalizando parcialmente a produção e as vendas agrícolas através das cadeias de suprimentos.

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Outro fator importante: hoje simplesmente há muito mais dólares na economia venezuelana. Cerca de 4,5 milhões de venezuelanos fugiram da situação de fome e pobreza nos últimos anos, criando uma diáspora global que no total enviou US$ 3,5 bilhões em remessas ao país neste ano - mais que o triplo do valor de dois anos atrás, segundo a Ecoanalitica, empresa de análise econômica de Caracas. Além disso, dizem economistas, a economia está inundada de dólares da mineração ilegal, do tráfico de drogas e de outras atividades ilícitas.

Segundo algumas estimativas, há três vezes mais dólares do que bolívares em circulação, criando uma dolarização de fato da economia que está estabilizando a inflação. No mês passado, até Maduro pareceu saudar o todo-poderoso dólar.

"Não vejo o processo que eles chamam de dolarização como sendo tão ruim", disse ele. "Pode ajudar na recuperação das áreas produtivas do país e no funcionamento da economia".

Em toda a Venezuela, mecânicos e eletricistas, engenheiros e arquitetos estão cada vez mais cobrando em dólares. Mais empresas estão complementando os salários de seus funcionários com a moeda americana. No total, dizem economistas, 60% a 70% das famílias do país hoje recebem regularmente alguns dólares - que garantiram a alguns venezuelanos de renda mais baixa um Natal mais feliz neste ano.

"O ano passado foi muito difícil para nós. Praticamente não houve Natal", disse Yelitza Mineros, 33 anos, enquanto conferia os preços em dólar em uma loja de brinquedos de Caracas com seu filho de 7 anos e a filha de 3 anos.

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Seu marido, um mecânico, começou a receber em dólares há alguns meses, disse ela, o que deu a eles o dinheiro extra necessário para comprar roupas novas para os filhos.

O filho dela, Rodrigo, mostrou com um grande sorriso no rosto um boneco do Homem-Aranha enquanto ela falava. "Este ano, estamos em uma situação um pouco melhor e podemos comprar brinquedos para eles", disse ela. "Isso me dá muita alegria."

A Venezuela continua profundamente atolada na pior crise econômica da história moderna da América Latina. Anos de má administração crônica e, em menor grau, sanções dos EUA, incluindo um embargo ao petróleo, prejudicaram gravemente a força vital da economia: a produção de petróleo. Os venezuelanos, incluindo os residentes da capital relativamente protegida, estão lutando com o agravamento da escassez de gasolina, apagões persistentes e hospitais públicos quebrados.

E mais comida nas prateleiras das lojas não significa que todos possam comer. No oeste de Caracas, por exemplo, uma mercearia que no ano passado vendia produtos com preços controlados e sofria com a escassez estava agora bem abastecida com mercadorias que variavam de capacetes de motocicleta importados a Coca-Cola. Mas com duas coxas de frango custando US$ 1,70 e manteiga a US$ 2 em um país em que o salário mínimo é de US$ 6 por mês, os corredores estavam praticamente sem compradores.

Para os venezuelanos mais pobres e sem acesso a dólares, a vida é mais difícil. Mariutka Oropeza, 54 anos, que vive com seus três filhos adultos em um pequeno apartamento no leste de Caracas, tem tido dificuldades para pagar por remédios e tratamento para sua artrite, hipertensão e câncer de útero. Ela ficou chocada recentemente ao descobrir que um dos novos remédios que terá de tomar estava custando US$ 70 por caixa - muito fora do alcance da família dela, que tem renda familiar de US$ 30 por mês.

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A família dela antes sobrevivia enfrentando filas que duravam horas para comprar mercadorias regulamentadas. Mas agora que o governo parou de impor preços fixos, um pacote de farinha de milho que antes custava US$ 0,25 hoje custa quatro vezes mais.

"É doloroso", disse Oropeza. "As pessoas dizem: 'Ah, estamos um pouco melhor' porque muitas delas recebem dinheiro de familiares no exterior. Mas, meu Deus, não estamos melhorando nada".

"Lembro-me de quando esse governo chegou ao poder e disse que o dólar era o grande inimigo. Veja aonde eles nos trouxeram agora", disse ela. "A dolarização do país. O que eles estão realmente fazendo é nos matar."