Venezuelanos procurando asilo nos Estados Unidos estão chegando a Miami em números crescentes e recebem uma acolhida melhor do que os migrantes centro-americanos que o presidente Donald Trump pretende bloquear na fronteira com o México.
No ano passado, 27,3 mil venezuelanos requereram asilo ao Serviço de Imigração dos Estados Unidos (USCIS), um aumento de 88% em relação a 2016 e 2.181%, se comparado a 2014. Neste ano, o número de venezuelanos que fizeram o pedido, a grande maioria em Miami, é três vezes maior do que o de outra nacionalidade, apontam dados do USCIS.
Ao contrário dos centro-americanos, que atravessam ilegalmente o Rio Grande e se entregam aos guardas de fronteira dos EUA, os venezuelanos, tipicamente, chegam pelo aeroporto de Miami com visto de turismo ou de negócios.
Eles, em geral, são mais ricos e mais propícios a ter representantes legais, uma vantagem que aumenta muito as chances de permanecer nos Estados Unidos, apontam as estatísticas. E eles contam com o apoio de políticos do Sul da Flórida, especialmente os parlamentares cubano-americanos, que os veem como aliados naturais na luta regional contra a esquerda latino-americana.
Os venezuelanos estão fugindo do colapso quase total do país após duas décadas de políticas socialistas e de mau gerenciamento, corrupção e desperdício por parte do governo. A crise deixou cerca de 87% dos venezuelanos na pobreza, gerando a maior inflação no mundo e tornando escassas a comida e os remédios.
Grandes chances de permanência
Os que chegam a Miami são uma pequena parte privilegiada de uma grande crise de refugiados. Segundo dados da ONU, 180 mil venezuelanos fugiram de seu país no primeiro trimestre de 2018. Em 2017, foram 217 mil. Muitos saem do país por terra, em direção ao Brasil e a Colômbia.
Venezuelanos com meios para chegar aos Estados Unidos podem ter certeza de que poderão ficar. O sistema americano de imigração considera esses casos como de “asilo afirmativo”, porque quem requer, na maioria dos casos, entra legalmente no país e pede autorização para ficar.
É uma situação diferente daqueles que entram com um pedido “defensivo”, com o objetivo de evitar a deportação, uma categoria que inclui um grande número de migrantes que são presos ao longo da fronteira com o México. Os pedidos de “asilo afirmativo” podem ser aprovados por um funcionário da área de asilo da USCIS, enquanto os demais passam por um juiz de imigração.
Os migrantes da América Central que viajam em caravanas para solicitar asilo na fronteira entre o México e os Estados Unidos despertaram a ira do presidente americano Donald Trump neste ano. Muitas dessas pessoas dizem que estão fugindo da violência e do caos gerado pelas gangues em seus países de origem.
A grande maioria é de Honduras, onde o presidente Juan Orlando Hernández, de direita e apoiado pelos Estados Unidos, foi reeleito no ano passado em eleições que foram contestadas por observadores internacionais.
O percentual dos pedidos de asilo rejeitados alcançou o nível mais elevado da década. As solicitações de centro-americanos são as que têm mais probabilidade de serem rejeitadas, segundo dados compilados pela Universidade de Syracuse.
Simpatia em alta
Em uma cidade moldada por sucessivas ondas de refugiados do regime comunista de Cuba, os funcionários da área de asilo, os juízes de imigração e os políticos são extremamente simpáticos à situação dos venezuelanos.
“Se o cliente tem um bom histórico pessoal, ele recebe o asilo”, diz um advogado que cuida de casos de imigração em Miami. Ele, que pediu para não ser identificado, brincou, dizendo que Maduro está pagando as férias da família, ao dar-lhe muito trabalho.
Desde que Hugo Chávez chegou ao poder em 1999, os venezuelanos mais ricos estão em fuga desesperada da experiência socialista naquele que foi o país com a maior renda per capita da América Latina. Este fluxo transformou o Sul da Flórida. Mais de 130 mil venezuelanos vivem na região, incluindo milhares que compraram condomínios multimilionários e mansões caras à beira-mar,
Muitos “compraram” a entrada nos Estados Unidos. A legislação norte-americana garante vistos especiais àqueles que investem pelo menos US$ 500 mil no país. Em ritmo menor, os venezuelanos com mais dinheiro continuam chegando a Miami. Os empreendedores do mercado imobiliário estão aproveitando esse dinheiro para financiar a construção de prédios de luxo. No ano passado, os venezuelanos foram o quarto maior investidor estrangeiro no mercado imobiliário da Flórida.
A vez da classe média
Outro grupo que está chegando com força são profissionais de classe média – engenheiros, professores, trabalhadores na indústria do petróleo e proprietários de pequenos negócios. A maioria dos recém-chegados, no passado, tinha conseguido obter vistos de turismo nos Estados Unidos. Hoje, com frequência, chegam legalmente de avião e já solicitam asilo.
“Dos venezuelanos que chegam como turistas pelo Aeroporto Internacional de Miami, acredito que 80% pedem asilo”, diz Elizabeth Blandon, uma advogada especializada em imigração de Weston, uma cidade ao Norte de Miami, apelidada de Westonzuela, devido ao grande número de venezuelanos.
Vizinhanças inteiras no Sul da Flórida têm enclaves venezuelanos. Em Doral, perto do aeroporto de Miami, eles já correspondem a 22% dos 58 mil habitantes. Uma década atrás eram 12%, disse o prefeito Juan Carlos Bermudez.
As últimas estatísticas de imigração mostram que os venezuelanos têm menos chances de serem deportados. Desde o início do presente ano fiscal, em 1° de outubro, os Estados Unidos repatriou apenas 150, contra mais de 74 mil de Honduras, Guatemala e El Salvador.
Carlos Colombo, um advogado de imigração, disse que as chances de um venezuelano conseguir o asilo são superiores a 80%, contra 50% a 60% de seus clientes da América Central. A taxa de sucesso, diz ele, tende a cair devido ao grande número de solicitantes, muitos dos quais fugiram mais pelos problemas de violência e colapso econômico do que por perseguição política.
Os novos cubanos
Blandon diz que, sob muitos aspectos, os venezuelanos tem se tornado os novos cubanos. É um grupo que tende a ter grandes possibilidades de obter um status legal nos Estados Unidos, em parte devido à sua fuga de um regime de esquerda, antipático aos americanos.
“Em relação aos venezuelanos, a primeira coisa que os oficiais de imigração pensam é que o governo de lá está matando a população. Por esta razão, os venezuelanos são bons.”
Um dos clientes de Blandon é o dono de uma loja de colchões, cujas mercadorias foram confiscadas pela Guarda Nacional por causa do programa de fornecimento de colchões e camas de Maduro, que garante que cada venezuelano deve ter um lugar para dormir. “Isto é perseguição oficial. É uma razão para asilo.”
Alguns casos são mais fortes do que outros. Uma mulher de 47 anos, que diz ter trabalhado no Ministério da Educação, fugiu para os Estados Unidos em março, após uma discussão com seu chefe. Ela disse ter medo por sua segurança, principalmente porque não apoiava Maduro.
“Eles fazem você usar camisas vermelhas e se você não usar, eles vão atrás de você”, disse a mulher, referindo-se às cores do partido do ditador Maduro.
Segundo ela, o maior problema é a falta de comida. “Não há nada nas lojas e o que tem é muito caro. As pessoas estão esfomeadas. Ninguém quer sair de lá, mas para sobreviver é preciso fazer isso.”
Fuga da repressão
Antonio Marvel estava entre os 30 advogados indicados por políticos da oposição, no ano passado, para substituir os juízes na Corte Suprema, que é favorável ao governo. Maduro denunciou a mobilização. Marvel e os demais advogados foram qualificados como inimigos do Estado.
Temendo ser preso, ele se escondeu e então fugiu de barco para a ilha de Curaçao. De lá, ele embarcou para Miami em um avião. Chegando com um visto de turista para participar de uma reunião da Organização dos Estados Americanos em Washington, ele pediu asilo pouco tempo depois.
Sua mulher e seus filhos adultos se juntaram a ele em Miami, morando em uma casa modesta. Marvel disse que a causa venezuelana ganhou notoriedade nos Estados Unidos porque o sistema socialista jogou a nação na lona.