Os tentáculos da China se espalham pela América do Sul, como comprovam a implantação de uma estação espacial na província argentina de Neuquén, estrutura que os Estados Unidos suspeitam que tenha objetivos militares, e o acordo de livre comércio que está sendo costurado com o Uruguai.
Entretanto, as Américas têm outro ponto estratégico por meio do qual Pequim tenta minar a influência global americana: o Caribe. Um relatório do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Estados Unidos apontou que o comércio caribenho com a China passou de US$ 1 bilhão para US$ 8 bilhões por ano entre 2002 e 2019.
Além disso, investimentos chineses no Caribe ocorrem em diversas áreas, como agricultura, indústria, mineração, turismo e tecnologia, mas principalmente em energia e infraestrutura, áreas nas quais aplicou mais de US$ 7 bilhões de 2005 a 2020. Dez países caribenhos participam da Nova Rota da Seda, o projeto chinês de investimentos em infraestrutura em todo o mundo.
Entre os projetos chineses para a região, estão um porto de águas profundas nas Bahamas, uma obra de US$ 3 bilhões que está sendo construída a 88 quilômetros da costa americana, e um parque industrial de US$ 6 bilhões na Jamaica.
A parceria se estende ao soft power: os países caribenhos possuem dez das 45 filiais na América Latina e no Caribe do Instituto Confúcio, destinado a difundir a cultura chinesa.
Na área de segurança, a China fez doações de equipamentos militares ou de policiamento para Guiana, Jamaica e Trinidad e Tobago, e participou da missão de paz da ONU no Haiti entre 2004 e 2012.
Como Pequim não costuma fazer nada sem segundas intenções, fica a pergunta: por que a segunda economia do mundo investe numa das regiões mais pobres do planeta?
O primeiro ponto é ideológico, já que a China tem ligações históricas com o regime comunista de Cuba, o primeiro governo da região a reconhecer diplomaticamente a República Popular da China, embora durante a Guerra Fria essa relação nunca tenha sido muito intensa devido à ruptura entre Pequim e a União Soviética, então principal aliada do castrismo.
Hoje, Cuba recebe investimentos chineses em áreas como telecomunicações, energia e mineração e as ditaduras mantêm uma relação baseada no compartilhamento dos ideais comunistas.
“Cuba é altamente dependente da China e os desafios econômicos contínuos resultaram na renegociação de uma dívida estimada em US$ 4 bilhões com a China em 2011 e outra reestruturação em 2015”, apontou o relatório da Câmara dos EUA.
O segundo ponto é a facilidade maior para influenciar governos locais em comparação com outras regiões.
“Em contraste com as nações maiores da América do Sul, os pequenos tamanhos dos Estados caribenhos e as capacidades mais limitadas de seus governos criaram maiores oportunidades para a China e suas empresas influenciarem as elites governamentais e empresariais por meio de grandes projetos e, nesse processo, obterem uma influência [política] significativa”, afirmou Evan Ellis, professor e pesquisador sobre América Latina no Instituto de Estudos Estratégicos da Escola de Guerra do Exército dos Estados Unidos, em recente artigo publicado pelo site Infobae.
Cerco a Taiwan
Uma preocupação central é aumentar o isolamento a Taiwan, ilha que possui um governo autônomo desde 1949, mas que Pequim considera parte do seu território e planeja incorporar.
Dos 14 países que mantêm relações diplomáticas com Taiwan, cinco estão localizados no Caribe: Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, São Cristóvão e Neves, Haiti e Belize.
A ideia de Pequim é utilizar poder político e econômico para pressionar os governos desses países a deixarem de reconhecer Taipei.
“No Caribe, o Haiti pode ser vulnerável à mudança de reconhecimento, já que políticos importantes que substituiriam o presidente Ariel Henry no caso de uma transição democrática manifestaram interesse em fazer negócios com a China”, pontuou Ellis.
Em 2018, após pressão chinesa, a República Dominicana deixou de reconhecer Taiwan, repetindo o que o Panamá havia feito no ano anterior. A República Dominicana apontou na ocasião em comunicado que “reconhece que existe apenas uma China e Taiwan é uma parte inalienável do território chinês” e que o estabelecimento de laços diplomáticos com Pequim seria “extraordinariamente positivo para o futuro do nosso país”.
Em 2021, a Guiana encerrou as negociações para um acordo comercial com os taiwaneses também devido à pressão chinesa.
Entretanto, as ambições políticas chinesas no Caribe parecem ir além da questão de Taiwan e também visariam o desgaste do Ocidente.
Em 2021, quando Barbados cortou laços com a coroa britânica, o então presidente do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento do Reino Unido (e hoje ministro da Segurança), Tom Tugendhat, afirmou que “a China tem usado investimentos em infraestrutura e diplomacia sobre dívida [externa] como meio de controle” no país caribenho e em outras nações.
“Algumas ilhas parecem estar perto de trocar uma rainha simbólica em Windsor por um imperador real e exigente em Pequim”, disparou Tugendhat à época.
Para Evan Ellis, os Estados Unidos precisam rever suas políticas direcionadas ao Caribe, pregando com mais ênfase os ideais de “democracia, economia dominada pelo setor privado, prevalência do Estado de Direito e proteção dos direitos individuais” não apenas pelo bem desses países, mas pela própria sobrevivência americana.
“No caso de uma guerra entre os Estados Unidos e os chineses, a presença comercial da China, as operações portuárias e sua influência de base econômica no Caribe podem assumir importância adicional, apresentando oportunidades para os serviços de inteligência ou unidades militares chinesas observarem e interromperem operações de implantação e manutenção [de forças militares] centradas na Ásia, ou mesmo realizar operações para entrar e/ou atacar o território continental dos Estados Unidos”, alertou o pesquisador.
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