Após renunciar ao cargo de vice-presidente do Peru um dia depois de ter sido empossada pelo Congresso como presidente interina do país, Mercedes Aráoz evitou o contato público durante toda esta terça-feira (2). Mas Aráoz deu entrevistas a veículos de imprensa estrangeiros, nos quais reconheceu que sua incumbência era uma saída política para a crise entre os Poderes do Estado.
A decisão dela representa um alívio para o impasse com Vizcarra e uma derrota para a oposição fujimorista. "Comunico minha decisão de renunciar, de maneira irrevogável, ao cargo de segunda vice-presidente constitucional da República" e "declino o encargo conferido" pelo Congresso de substituir Vizcarra, escreveu Mercedes em uma carta dirigida ao chefe do Legislativo, Pedro Olaechea, divulgada por ela no Twitter.
"Diante da orientação da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que o Tribunal Constitucional seja o encarregado de decidir sobre a constitucionalidade da medida adotada pelo Sr. Martín Vizcarra de dissolver o Congresso da República, considero que não há as mínimas condições para exercer o encargo que me atribuiu o Congresso", alega Mercedes.
Ela acrescentou esperar que sua renúncia "leve à convocação de eleições gerais no menor tempo possível para o bem do país". Mercedes também explicou em sua carta que declina da incumbência conferida pelo Parlamento por "incapacidade moral".
Os membros da Comissão Permanente do Congresso são os únicos parlamentares que puderam entrar no Congresso desde a sua dissolução, como prevê a constituição do país. O grupo se reúne nesta quarta-feira para avaliar a crise política.
Lava Jato no Peru
O ex-chefe da Odebrecht no Peru, Jorge Barata, revelou nesta quarta-feira (2) algumas das identidades dos 71 "codinomes" que aparecem em planilhas da empreiteira para pagamento de propina. Os interrogatórios estão sendo conduzidos por promotores do braço peruano da Operação Lava Jato, até a sexta-feira (4) na sede do Ministério Público Federal em Curitiba.
"Foram revelados alguns 'codinomes', algumas identidades, mas especificamente não posso fazer nenhum comentário. Nós fazemos uso estratégico dessa informação", disse o procurador da Lava Jato peruana, Rafael Vela, ao jornal peruano El Comercio após o depoimento de Barata.
Fontes informaram o jornal El Comercio que Jorge Barata reafirmou o que já havia dito em depoimentos anteriores aos procuradores da Lava Jato: que a empreiteira brasileira Odebrecht entregou dinheiro para campanhas presidenciais no Peru, incluindo as de Ollanta Humala e Keiko Fujimori em 2011.
As fontes, que não foram identificadas, detalharam ao jornal alguns dos nomes por trás dos codinomes que aparecem em planilhas da Odebrecht e que foram revelados por Barata. "Campanha Nacional" seria referente a entregas de propina para as campanhas do ex-presidente Humala e da líder do partido Força Popular Keiko Fujimori.
O ex-chefe da Odebrecht também teria dito, segundo o jornal peruano, que o apelido "Apra", que aparece nos registros de caixa 2 da empreiteira, seria referente a entregas de dinheiro para a campanha do ex-presidente Alan García, que se suicidou em abril antes de ser preso preventivamente por envolvimento no escândalo.
O advogado de García, Erasmo Reyna, falou ao jornal El Comercio e negou que o ex-presidente ou o seu partido, a Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra) tenham recebido dinheiro da empresa.
Nova eleição
O governo anunciou na segunda-feira, 30, que a eleição do novo Parlamento será realizada no dia 26 de janeiro do 2020, conforme estipulado na Constituição Política em caso de dissolução do Legislativo.
No entanto, Vizcarra permanece na presidência e analisa a recomposição de seu gabinete ministerial, após a renúncia de seu primeiro-ministro, Salvador del Solar. O presidente trabalha agora na formação do seu novo gabinete, ao lado de seu novo premiê, Vicente Zeballos, com a expectativa de prestar juramento ainda nesta quarta-feira.
Em entrevista à uma rede de televisão na terça-feira, Zeballos disse que uma eleição geral estava fora de questão, já que a eleição parlamentar está marcada para janeiro de 2020. Ele disse que Vizcarra, que não fez comentários públicos sobre a situação desde o anúncio da dissolução do Congresso, nomearia nos próximos dois dias - incluindo um novo ministro de Finanças para substituir Carlos Oliva, um entre os vários ministros que decidiram deixar o governo.
Na terça-feira (1º), os comandos do Exército e da polícia do Peru anunciaram apoio ao presidente Martín Vizcarra. A queda de braço entre Executivo e Legislativo foi declarada depois que os parlamentares insistiram em nomear juízes para o Tribunal Constitucional (Suprema Corte). Vizcarra diz que as nomeações de magistrados tinham como objetivo abafar casos de corrupção.
Pela Constituição peruana, um presidente pode fechar o Congresso e convocar novas eleições legislativas se o Parlamento rechaçar duas vezes o governo por meio de um mecanismo constitucional chamado "questão de confiança", negando respaldo a seu gabinete, a um projeto de lei ou a uma política governamental.
Segundo Vizcarra, isso já havia ocorrido duas vezes: quando o Parlamento rejeitou projetos de reforma política, apresentados este ano, e novamente na segunda-feira, com o início da votação para escolha dos novos integrantes do Tribunal Constitucional.
Como o embate entre os poderes começou
Vizcarra assumiu o cargo em 2018, após a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, envolvido em esquemas com a Odebrecht. Com um forte discurso anticorrupção, ele acusa o Congresso de dificultar o trabalho do governo. O último choque com os parlamentares envolveu a renovação do Tribunal Constitucional.
A oposição, liderada pelo Partido Popular, de Keiko Fujimori, pressionou pela nomeação dos magistrados. Candidata derrotada nas eleições presidenciais de 2016 e filha do ex-presidente Alberto Fujimori, ela está presa e sob investigação por sua ligação com o escândalo de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht. Vizcarra alega que os novos juízes tenderiam a favorecer Keiko.
O auge do embate entre poderes ocorreu na noite de segunda-feira quando 86 dos 130 deputados se negaram a deixar o Congresso e, em uma inesperada sessão, aprovaram a suspensão das funções de Vizcarra por 12 meses alegando "incapacidade temporária".
Pouco depois, os parlamentares da oposição proclamaram Aráoz como chefe de Estado interina. Ela prestou juramento e criticou o presidente. "Vizcarra não cumpriu três artigos constitucionais. A solução para a crise não é fingir que tudo será consertado com a dissolução do Congresso."
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