Um documento obtido pela Associated Press confirmou aquilo que já se imaginava: o governo da China, para fazer frente às crescentes críticas sobre o abuso dos direitos humanos do povo uigur, encomendou uma campanha publicitária cujo objetivo era colocar uigures em frente às câmeras para que falassem bem do Partido Comunista e negassem qualquer violação dos direitos humanos contra seu povo por parte do governo.
Esses vídeos foram transmitidos pela imprensa oficial e alinhada à Pequim – e também em coletivas de imprensa do governo com a imprensa estrangeira – como se fossem reações espontâneas da população uigur. Contudo, a AP teve acesso a um texto que confirma que esses “depoimentos espontâneos” eram encomendados.
Esse texto, enviado em janeiro a gabinetes do governo da cidade de Karamay, no norte da província de Xinjiang – onde está concentrada a população uigur –, pedia que as autoridades locais encontrassem uigures fluentes em Mandarim para gravar um vídeo em resposta a comentários “anti-China” do ex-secretário de Estado americano Mike Pompeo, que havia dito que o governo chinês está cometendo genocídio dos uigures no país.
“Expresse uma posição clara sobre os comentários de Pompeo, por exemplo: Eu me oponho firmemente aos comentários anti-chineses de Pompeo e estou muito zangado com eles”, dizia o texto, segundo a Associated Press. “Expresse seus sentimentos de amor ao Partido, ao país e a Xinjiang (eu sou chinês, amo minha pátria mãe, sou feliz no trabalho e na vida, e assim por diante)”.
O porta-voz do governo de Xinjiang não negou a autenticidade do documento obtido pela AP, porém disse que o governo nunca fez esse tipo de solicitação e sugeriu que os vídeos eram voluntários. “Isso não exigia organização governamental. Muitos entre as massas fizeram isso de forma totalmente espontânea”, disse o porta-voz Xu Guixiang. “Os comentários anti-China de Pompeo geraram intenso ressentimento de vários grupos étnicos em Xinjiang”.
De acordo com especialistas ouvidos pela agência de notícias, considerando o histórico de abusos do governo chinês na região, é muito provável que as pessoas que aparecem nesses vídeos tenham sido, de alguma forma, coagidas a participar da campanha publicitária. “As pessoas não sabem quem é Pompeo ou o que ele está dizendo”, disse à AP Tahir Imin, ativista uigur que fugiu da China em 2017. "Como eles saberiam o que Mike Pompeo está dizendo sobre os uigures?".
O homem que enviou o texto para a Associated Press, Firdavs Drinov, foi preso três dias depois, disseram amigos dele à AP. O governo de Xinjiang confirmou a prisão e informou que ele foi acusado de “fabricar e divulgar informações falsas” e “instigar o separatismo”, porém não informou se a detenção está relacionada ao envio do texto à AP.
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