Cairo - Simpatizantes do ditador Hosni Mubarak espalharam pânico no centro do Cairo ontem e apertaram o cerco contra jornalistas estrangeiros, gerando temores de que um grande protesto oposicionista previsto para amanhã termine em mais sangue.
Com oito mortos, a madrugada de ontem foi a mais violenta desde o início do levante, há dez dias, contra Mubarak, que assumiu o poder no Egito em 1981.
Na escuridão, milhares de manifestantes pró e antigoverno protagonizaram cenas de guerra civil na praça Tahrir, epicentro da revolta, e arredores, incluindo a área do hotel Hilton que abrigava a Folha de S.Paulo e outros jornalistas estrangeiros. Barulho de explosões e disparos de armas de fogo ecoaram durante horas.
Os manifestantes antigoverno afirmam ter detido ao menos 120 pessoas carregando identidades da polícia ou do partido governista.
Em vez do confronto frontal de multidões ocorrido horas antes à luz do dia, os inimigos acabaram dispersados em pequenos grupos que se perseguiam uns aos outros num complexo de viadutos e terminais de ônibus situado na beira do rio Nilo.
A reportagem, que acompanhou a batalha desde a varanda do quarto, no sétimo andar do Hilton, viu vários casos de homens sozinhos encurralados e espancados. Não era possível identificar membros de cada facção.
Coquetéis molotov eram atirados a todo instante, produzindo clarões. Focos de incêndio se espalharam pelos arredores do hotel.
Gritos de "Allah Akbar (Deus é o maior) se ouviam ocasionalmente. Às 4h30, um tanque solitário cruzou um viaduto a toda a velocidade, num aparente esforço inócuo para apartar ativistas.
O clima de calma e o silêncio que se instalaram ao amanhecer eram mera aparência. Militantes pró-Mubarak hostis a estrangeiros circulavam do lado da calçada do hotel para intimidar jornalistas.
A reportagem viu uma equipe da rede britânica BBC correndo de manifestantes, que acabaram alcançando os jornalistas a poucos metros do hotel. Máquinas fotográficas foram destruídas e os repórteres foram levados aos empurrões a um lugar desconhecido.
Dentro do saguão, funcionários confiscavam máquinas fotográficas e filmadoras e pressionavam todos a sair. Houve ao menos 15 ataques a repórteres só ontem, segundo a ONG britânica Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
Também há relatos de que foram presos integrantes das ONGs Human Rights Watch e Anistia Internacional. A ONU decidiu tirar cerca de 600 funcionários do país.
Deliberadamente, o governo egípcio espalhou a imagem de que estrangeiros estão tirando vantagem da crise política do país e insuflam os manifestantes contrários ao governo.
A onda de protestos atinge também outras cidades do país. Em Alexandria, dezenas de milhares de pessoas saíram em passeata contra Mubarak.
Apesar do clima de violência e anarquia, manifestantes antigoverno mantêm planos de mais um megaprotesto hoje em Tahrir.