O momento para uma crise política, social e econômica capaz de paralisar um país inteiro e acirrar velhas rivalidades étnicas e religiosas não poderia ser mais tenso: em meio a uma escalada de ataques terroristas cada vez mais ousados do grupo radical islâmico Boko Haram desde o Natal, quando dois atentados a bomba contra igrejas mataram ao menos 40 pessoas e desafiaram o governo da Nigéria. Mas um corte drástico dos subsídios no setor de combustíveis levou milhares às ruas de várias cidades em protesto contra o governo do presidente Goodluck Jonathan. Uma greve geral que se arrasta por cinco dias já causou ao menos 30 mortes em confrontos com a polícia e ameaça, ainda, interromper a produção dos 2 milhões de barris de petróleo exportados diariamente pelo país - o maior produtor da África.

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A Nigéria é um dos principais fornecedores de petróleo cru para os Estados Unidos e a União Europeia, e a perspectiva de interrupção, somada às ameaças do embargo europeu ao Irã, causam preocupação - e uma indesejável alta dos preços.

Pressionado, o governo de Abuja convocou uma reunião de emergência para tentar chegar a um acordo e acabar com a paralisação que faz o país perder US$ 617 milhões por dia, segundo as estimativas. Os manifestantes se mostram irredutíveis e exigem a manutenção dos subsídios que mantêm barato o preço do combustível no mercado interno - além de uma reforma que acabe com a corrupção na Nigéria. À noite, os dois lados limitaram-se a informar que houve "uma reunião frutífera" e que novas negociações ocorrerão amanhã. "Vamos parar de produzir (petróleo) a partir de domingo - ameaçara, mais cedo, Babatunde Ogun, presidente da Pengassan, o maior sindicato dos trabalhadores do setor."

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Corrupção motiva e inflaciona protestos

Na quarta-feira, foi imposto um toque de recolher de 24 horas no estado do Níger, no centro do país, depois que protestos acabaram em violência. Centenas de manifestantes atacaram prédios do governo, partidos políticos e até as casas de políticos locais em Minna. Toques de recolher parciais também entraram em vigor nos estados de Kano, Zamfara, Borno e Oyo.

No Sul, cinco pessoas morreram e mais de 10 mil fugiram depois de uma série de atos violentos contra muçulmanos em Benin City - o que despertou o fantasma da perseguição étnico-religiosa dos dias da guerra civil, no fim dos anos 60. Embora a convulsão nas ruas da Nigéria tenha causado alguma surpresa internacional, para os nigerianos, o corte brusco de US$ 7,4 bilhões em subsídios anunciado em 1 de janeiro foi apenas a gota d'água de uma insatisfação crescente.

Em um país rico em recursos, mas onde boa parte da população vive com apenas US$ 2 ao dia e faltam serviços básicos e de infraestrutura, muitos nigerianos viam no subsídio a única vantagem de se viver na "potência petrolífera" alardeada pelo governo. Da noite para o dia, sem aviso prévio, o governo apertou o cinto. O preço da gasolina, por exemplo, passou de US$ 1,70 o galão (US$ 0,45 por litro) para US$ 3,50 o galão (US$ 0,94 por litro). Há relatos de que os custos de transportes e itens básicos como o pão simplesmente triplicaram.

"As pessoas não vão resistir a esses aumentos, pois não têm como pagar por isso", disse a jornalista nigeriana Katie Mark à rede al-Jazeera. "O povo até entende que esses cortes são necessários, mas exige que seja consultado e que as reformas sejam implantadas gradualmente."

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Analistas acreditam que o arrocho foi resultado de uma visita da chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, ao país. E a pressão externa para que o governo trabalhasse imediatamente para reduzir a dívida do país teria acelerado os planos de Goodluck Jonathan. O presidente, no entanto, terá agora uma fonte extra de pressão - a insatisfação coletiva.

"Esse corte uniu as pessoas de diferentes etnias e religiões, mas pode gerar confrontos. Agora, a luta é contra a corrupção. A visão geral é de que, apesar dos recursos do petróleo, o governo não consegue oferecer nada à população", avaliou o analista político nigeriano Garba Sani.

Sani vai além. Ele lembra que apesar do lucro do petróleo, a Nigéria é obrigada a importar 70% do combustível consumido internamente, pois as refinarias estão sucateadas: "A corrupção do governo está impulsionando os protestos. Existe há muito tempo um déficit de confiança entre o povo e o presidente."

De fato, longe da arena econômica, Jonathan, carrega com ele a desconfiança de boa parte da população do Norte do país - embora tenha sido reeleito em abril do ano passado em um pleito considerado transparente por observadores internacionais. Então vice-presidente, Jonathan, um cristão sulista, foi alçado à Presidência em maio de 2010 devido à morte do presidente Umaru Yar'Adua, um muçulmano do Norte. Mas, a indicação atropelou um acordo não declarado de compartilhamento de poder no qual o cargo deveria ser ocupado alternadamente por um representante do Norte mais pobre e majoritariamente muçulmano e do Sul cristão e rico em petróleo.

Não à toa cresce nos últimos anos a ousadia do grupo radical islâmico Boko Haram, radicado no Norte e ligado à Al-Qaeda. Para muitos, a verdadeira razão por trás do extremismo religioso é a pobreza: enquanto a média nacional de pobreza é pouco acima de 50% da população, no Norte, atinge 72%.

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