Menino brinca em frente à loja de autopeças em que o proprietário e dois funcionários foram mortos em Colima, no México, um país sacudido pela violência| Foto: The New York Times

Entrevista

Estado, imprensa e sociedade precisam caminhar juntos

Adam Blackwell, secretário de Segurança Multidimensional da Organização dos Estados Americanos (OEA), falou com a Gazeta do Povo por telefone sobre violência na América Latina.

É possível que a opinião dos latinos seja influenciada pela mídia?

Essa é uma pergunta complicada. Nós consideramos a liberdade de imprensa um pilar importante da democracia, no entanto, eu gostaria que houvesse um pacto da imprensa em não ser sensacionalista, não explorar graficamente os crimes. Quando há muita violência nas primeiras páginas, dia após dia, isso começa a se tornar parte da dimensão cultural.

A "cultura do medo" é reversível?

Sou otimista. Fico admirado com o progresso de ONGs como a Viva Rio, que trabalham para diminuir a violência nas favelas [do Rio de Janeiro]. A violência ainda está lá, mas vamos olhar para o que está funcionando. Crime, violência e insegurança sempre irão existir. Eu sou canadense, e lá nós atingimos o menor índice de crimes e violência dos últimos 50 anos. Mesmo assim, a percepção das pessoas é do que está sendo reportado – que é mais do que está acontecendo realmente.

Onde começa a violência e como podemos combatê-la?

A violência começa onde há grandes níveis de desigualdade – não só em riqueza, mas também em oportunidades, acesso à educação, serviços sociais e à qualidade de vida. Se o Estado não fornece isso, a violência começa a crescer.

Um país mais violento é um país menos democrático?

Acredito que para todos nós democracia seja mais do que ter eleições: é ter um Estado que assegure serviços, infraestrutura, segurança e bem-estar para os cidadãos. E com altos níveis de violência é mais difícil ter maiores níveis de bem-estar.

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Números

• 62% dos venezuelanos acreditam que a violência e as quadrilhas são o maior problema do país, seguidos de 51% dos salvadorenhos, 50% dos costa-riquenhos e 41% dos mexicanos.

• 30% dos paraguaios consideraram que o desemprego é a principal dificuldade; 33% dos nicaraguenses apontaram problemas econômicos e 27% dos chilenos, a educação.

Uma pesquisa divulga­­da­­­­ nes­­te mês pelo Lati­­no­­ba­­ró­­me­­tro, instituto de pesquisa­­ de opinião pública, com sede­­ em Santiago, no Chile, tra­­ta­­­­­­ da percepção dos latino-­ame­­­­ri­­canos quanto aos­­ prin­­ci­­­­pais problemas da região.­­ Pa­­ra o estudo batizado­­ de "A Se­­gurança Cidad㠖 O­­ Pro­­blema Principal da América Latina", foram ouvidas 20.204 pessoas.

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Em 11 dos 18 países onde a pesquisa foi conduzida, a maioria dos entrevistados apontou a violência como principal problema. As autoras do trabalho, Lucía Dammert e Marta Lagos, dizem que o resultado é reflexo da democracia e que os habitantes começam a perceber segurança como um direito.

As pesquisadoras consideram que esse tema será o principal desta década, assim como o desemprego foi o de maior repercussão entre 2000 e 2010. Segundo o relatório, os crimes são o ponto fraco da América Latina e acabaram substituindo o medo do autoritarismo que marcou vários países latino-americanos. Sem solucionar esses problemas, "dificilmente essas sociedades poderão alcançar democracias de maior qualidade".

Dimas Floriani, coordenador acadêmico da Casa Latino-Americana (Casla), aconselha calma ao analisar os dados. "É preciso considerar o contexto em que a pesquisa foi feita no último ano. A percepção é temporária, depende do momento do país e há uma forte influência da mídia no reforço do medo e violência. Mesmo que você não tenha passado por isso, começa a internalizar esse sentimento", explica.

O sentimento de segurança também é influenciado pelo índice de confiança depositada nas forças do Estado, como a polícia. Um acompanhamento de 1996 a 2011 mostra que, de 2007 em diante, a confiança diminuiu. "A maior presença dos temas violência e insegurança e o sentimento generalizado de que as instituições não respondem adequadamente aos fatos pode ser uma das interpretações. E, em geral, a polícia na América Latina tem sido associada a atos de corrupção por uso de força extrema e outros escândalos", disse Lucía Dammert por e-mail para a Gazeta do Povo. Mas a mudança não depende apenas do Estado. "O Estado é responsável pela segurança, pelo monopólio do uso da força para evitar problemas na administração da justiça. A sociedade tem um papel claro e importante nisto, principalmente na prevenção do delito", diz.

Bruno Peron, mestre em assuntos da América Latina pela Universidade Nacional Autônoma do México, acredita que a violência seja a consequência de uma "falta de coordenação democrática entre as diversas vozes da sociedade" e que o assunto não pode ser isolado. "Estamos falando do efeito, sem pensar muito na causa. Quando falamos em violência, temos de pensar que é um conjunto de fatores, principalmente educativo e cultural. Precisa-se de mais políticas públicas na educação e que isso passe por formação cidadã", explicou por telefone. A solução, grosso modo, envolve prevenção e não punição.

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