Com o reforço de armamento de países do Ocidente, os ucranianos conseguiram fazer tropas russas recuarem até a fronteira. Essa virada da Ucrânia na guerra que começou em 24 de fevereiro pressiona a Rússia a tomar novos posicionamentos diante do conflito. Em todas as opções que restam ao presidente russo, Vladimir Putin, há grandes chances de seu país sair perdendo militar e politicamente.
A vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Hanna Malyar, disse nesta terça-feira (13) que mais de 300 cidades que estavam sob controle russo foram retomadas pelo país, como resultado de uma contraofensiva ucraniana que ganhou força no final do mês passado. O território confirmado é de 3.800 km2 e, segundo ela, a reconquista real deve ser de “quase o dobro”.
As forças russas controlavam cerca de um quinto do país no sul e no leste até o começo da semana passada, mas a Ucrânia está agora na ofensiva em ambas as áreas.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse na segunda-feira (12) que as forças ucranianas fizeram "progressos significativos" com o apoio ocidental para garantir que tenham o equipamento necessário.
Washington anunciou seu mais recente programa de armas para a Ucrânia na semana passada, incluindo munição para sistemas anti-foguetes, e já havia enviado sistemas de mísseis terra-ar, capazes de derrubar aeronaves. O armamento de qualidade é apontado como um dos principais fatores que levaram ao sucesso nessa primeira grande contraofensiva ucraniana.
Somado a ele, está a estratégia militar do país, que, segundo Marcelo Suano, professor de relações internacionais e diretor do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI), deve ter garantido grandes baixas entre as tropas russas, apesar de ser impossível calcular em meio à guerra de informações.
“As perdas das tropas russas estão sendo muito grandes. Você não recua se não tiver grandes perdas”, lembrou o professor.
Suano ainda destacou que o tempo de conflito pode estar comprometendo a capacidade da Rússia de repor suas reservas de equipamentos, combustível, alimento e soldados.
Novos conflitos podem prejudicar a Rússia
A Rússia não pode mobilizar para a Ucrânia soldados que estão em outros territórios, criando vácuos e perdendo força em outros países. E é exatamente nesse cenário que um vizinho da Rússia, o Azerbaijão, reacendeu um conflito ao bombardear a Armênia na madrugada desta terça-feira. Pelo menos 49 soldados morreram e três civis ficaram feridos.
As duas ex-repúblicas soviéticas têm confrontos desde a década de 1980 sobre a fronteira do Nagorno-Karabakh - reconhecido internacionalmente como território do Azerbaijão, mas povoado por armênios étnicos. Os países se acusam mutuamente de ataques fronteiriços, que se repetem esporadicamente.
Rapidamente, a diplomacia russa anunciou que estava preocupada com a situação e se colocou como mediadora dos conflitos.
"A Rússia tem apenas ferramentas políticas na região. Não tem recursos militares. Duas mil forças de paz em Karabakh e uma base militar na Armênia não são um recurso suficiente", afirmou à Agência EFE o diretor do Instituto do Cáucaso com sede em Yerevan, Alexandr Iskanderian.
O ex-ministro das Relações Exteriores do Azerbaijão, Tofik Zulfugarov, argumentou que "não é do interesse da Rússia, dadas suas dificuldades na Ucrânia, complicar as relações com o Azerbaijão e o principal aliado dele: a Turquia".
No entanto, Putin também não pode tirar parte desses soldados que garantem a paz na Armênia para fortalecer os combates na Ucrânia.
Possíveis consequências
Com o fortalecimento da Ucrânia e a impossibilidade de concentrar suas tropas em um único conflito, a Rússia fica pressionada a encontrar novas saídas. Declarar a guerra como perdida não é uma alternativa para Vladimir Putin. Portanto, uma das possibilidades é que ele, enfim, anuncie que está, de fato, numa guerra.
Em nenhum momento desde a invasão da Ucrânia em fevereiro o presidente russo utilizou essa palavra para tratar da invasão. Putin fala em “operação militar especial” e é essa ideia que ele vende para a população do país.
“Declarar uma guerra, sem ter uma justificativa para isso, colocaria a Rússia como um invasor”, lembrou Suano, e essa não é a mensagem que Putin quer passar internamente aos russos.
Ainda assim, se de fato ele optar por uma escalada do conflito e aumentar os ataques, utilizando possíveis armas mais potentes – talvez até partir para uma guerra nuclear -, terá que mobilizar tropas que estão em outros conflitos ou contar com países como China e Coreia do Norte, que provavelmente não terão interesse em investir em uma guerra com potencial de se tornar mundial.
Putin também pode tentar arrastar o conflito nesse mesmo ritmo por mais tempo, o que pode gerar um enfraquecimento do interesse dos outros países pela guerra na Ucrânia, tornando-o um confronto cada vez mais isolado.
E, à medida que o tempo passa, Putin é questionado por líderes políticos pelos erros estratégicos e pela falta de resultados, enquanto milhares de soldados morrem no país vizinho.
Enfraquecimento de Putin
Insatisfeitos com essa situação, sete deputados russos de São Petersburgo pedem a destituição de Putin. Os legisladores enviaram na sexta-feira (9) uma carta oficial à câmara baixa do país, em que descreveram que as hostilidades na Ucrânia "colocam em risco a segurança da Rússia e de seus cidadãos, além da economia".
Os deputados também destacaram que a guerra não conseguiu frear a Otan - pelo contrário, fez com que a aliança se expandisse pelo leste europeu - e sugeriram que Putin seja destituído por traição à nação, conforme o artigo 93 da Constituição do país.
Outra carta, enviada diretamente a Putin, também foi escrita pelos legisladores. "Sua retórica de intolerância e agressão mergulhou a Rússia de novo na Guerra Fria", destacaram os deputados. "A Rússia voltou a ter medo e ódio, ameaçando o mundo inteiro com armas nucleares", descreveram.
"Nós pedimos que você se retire do cargo, porque suas opiniões e seu modelo de gestão estão completamente ultrapassados e impedem o desenvolvimento da Rússia e de nosso potencial humano", declararam os deputados diretamente a Putin.
Abbas Galliamov, cientista político entrevistado pelo jornal francês Le Monde, lembrou que parte da população começa a perceber que “Putin faz piada enquanto mata nossos garotos. Ele os enviou à morte e se diverte como se nada estivesse acontecendo”.
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