O ditador norte-coreano Kim Jong-un emitiu uma advertência velada para o presidente Donald Trump com sua visita surpresa à China nesta semana: ele tem outras opções para a normalização econômica e diplomática se a aproximação com os Estados Unidos falhar.
Kim e Trump planejam um segundo encontro que dará sequência à histórica cúpula de Cingapura, em junho do ano passado. Mas há dúvidas de ambos os lados sobre a sinceridade e o compromisso entre eles em melhorar as relações bilaterais.
Neste contexto, Kim, acompanhado por sua esposa e uma comitiva de funcionários, chegou em Pequim terça-feira (8) para sua quarta reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, em menos de um ano. Ele permanecerá na China até quinta-feira, tornando esta a mais longa de suas viagens.
A data é especial. Trata-se do 36º aniversário do líder norte-coreano – um porta-voz do governo se recusou a dizer se haveria uma festa –, mas também é o segundo dia de negociações entre diplomatas americanos e chineses que visam encontrar um caminho para por um fim na guerra comercial.
Foi quase como se Kim e Xi tivessem escolhido uma data que pudesse transmitir um recado mais intenso a Trump.
O porta-voz da chancelaria chinesa, Lu Kang, disse que foi apenas uma coincidência. A China tem um cronograma diplomático "maravilhoso e rico", então era inevitável que os eventos às vezes se sobrepusessem, disse ele. "É muito normal mantermos trocas amigáveis", disse Lu.
Xi ainda não visitou a Coreia do Norte.
Os analistas, no entanto, viram um significado mais profundo na chegada de Kim na terça-feira.
"Kim Jong-un não está confiante em sua segunda cúpula com Donald Trump, então ele está tentando cortejar seu colega chinês", avaliou Zhao Tong, do Centro Carnegie-Tsinghua, em Pequim. "Isso envia uma mensagem aos EUA de que, mesmo que os EUA não cooperem, mesmo que mantenham as sanções econômicas, a Coreia do Norte ainda pode se sair bem com o apoio da China."
O líder norte-coreano de fato disse isso em seu discurso do Ano Novo na semana passada.
"Se os Estados Unidos não cumprirem a promessa feita aos olhos do mundo e... tentarem impor unilateralmente algo a nós e persistirem em impor sanções e pressão contra a nossa república", disse Kim, "podemos ser obrigados a encontrar uma nova maneira de defender a soberania do país".
A ameaça pode ser lida de duas maneiras: que a Coreia do Norte poderia voltar a desenvolver agressivamente seu programa de armas nucleares, ou que poderia encontrar outros países para trabalhar.
De sua parte, Xi parece ansioso em fazer progressos para resolver a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. A briga vem ocorrendo há nove meses e, durante esse período, a economia da China começou a desacelerar acentuadamente. Economistas independentes esperam que a taxa de crescimento desacelere para cerca de 6% neste ano, a mais lenta desde 1990.
Lembrar Trump de que ele pode ser útil quando se trata de lidar com a Coreia do Norte pode ser uma maneira de Xi negociar um acordo comercial melhor, segundo analistas.
"Isso poderia minar a influência coercitiva dos Estados Unidos sobre a Coreia do Norte", disse Zhao, do Centro Carnegie-Tsinghua para políticas globais. "Isso deixaria os EUA nervosos. Washington odiaria ver a China tendo um relacionamento muito mais próximo com a Coreia do Norte e, portanto, tendo uma influência regional muito maior".
Relação entre China e Coreia do Norte
Foi o presidente americano quem primeiro fez essa conexão. Durante os primeiros dias da guerra comercial, Trump repetidamente sugeriu que mais tarifas poderiam ser aplicadas à China se o país não fizesse tudo o que estivesse em seu poder para controlar seu vizinho errante. Mais de 90% do comércio da Coreia do Norte vai para a China ou passa por lá, dando a Xi enorme influência sobre Kim.
A Coreia do Norte há muito se ressente da influência da China sobre ela, e Kim vinha tentando reduzir sua dependência de seu vizinho muito maior, diversificando mercados dentro das restrições das sanções. Mas agora a China pode ser útil.
"Os Estados Unidos iniciaram esta guerra comercial e têm usado todos os meios possíveis para colocar a China em uma situação difícil e para conter a China", disse Xuan Dongri, diretor do Instituto de Estudos do Nordeste da Ásia na Universidade Yanbian, no norte da China. "Neste contexto, é útil para a China ter um amigo como a Coreia do Norte ao lidar com os Estados Unidos".
Cúpula, parte 2
Com os preparativos para o segundo encontro de Trump e Kim, a visita de Kim também pode ser vista como uma preparação para a reunião com Trump, de acordo com Xuan. Kim visitou Xi imediatamente antes e depois da cúpula com Trump em Cingapura.
"Como um jovem líder que lida sozinho com os Estados Unidos, ele precisa de um país como a China para oferecer conselhos", disse Xuan. "Afinal, a China lida com os Estados Unidos o tempo todo".
Houve pouco progresso no vago acordo que Trump e Kim assinaram em Cingapura, que pedia simplesmente a "completa desnuclearização da península coreana".
A Coreia do Norte não deu nenhum passo para abandonar suas armas nucleares ou mísseis de longo alcance, insistindo em um processo passo-a-passo, em que concessões são feitas pelos dois lados. Tanto a China quanto a Rússia defenderam a reversão das mais severas sanções, impostas como punição pelos lançamentos de mísseis, já que a Coreia do Norte não lança um míssil desde o final de 2017.
Mas o governo Trump diz que não vai suspender nenhuma das sanções até que a Coreia do Norte tenha desistido de seu programa de armas nucleares.
O presidente dos EUA disse no domingo que os detalhes de sua segunda cúpula seriam anunciados em "um futuro não muito distante", enquanto Kim reiterou na semana passada que estava "pronto para encontrar o presidente dos EUA novamente a qualquer momento".
A capital vietnamita, Hanói, pode ser o próximo local, de acordo com relatos da mídia sul-coreana.
Abertura econômica à vista?
Kim, o líder da terceira geração da Coreia do Norte, não se aventurou fora do país durante seus primeiros seis anos no poder. Mas depois de declarar no final de 2017 que seu programa de armas nucleares estava completo ele embarcou em uma badalada jornada diplomática.
Sua primeira viagem foi a Pequim para se encontrar com Xi em março de 2018. A China é o único aliado real da Coreia do Norte, mas nos primeiros cinco anos de sua presidência, Xi deixou claro que não tinha tempo para o jovem líder vizinho.
Na internet chinesa, Kim foi ridicularizado como "Kim Gordo o Terceiro" e tratado como um sobrinho desobediente de Xi, que tem 65 anos. Na terça-feira, Liu Hong, vice-redatora da revista estatal Huanqiu, repetidamente chamou Kim de um termo equivalente a “millennial” em chinês.
Mas Xi ficou mais interessado na Coreia do Norte quando Kim começou a fazer planos para conhecer o presidente sul-coreano Moon Jae-in, e depois Trump. O líder chinês aparentemente não queria ficar de fora.
Durante anos, desde que o avô e o pai de Kim estavam no poder, a China tentou empurrar a Corria do Norte por um caminho de reformas econômicas semelhantes às que o visionário chinês Deng Xiaoping iniciou no final de 1978.
Mas os Kims, com medo de que a abertura da Coreia do Norte a informações externas significasse o fim de sua dinastia autoritária, resistiram.
Alguns analistas chineses estão esperançosos de que isso possa estar começando a mudar. Desde que retornou de sua cúpula com Trump, Kim voltou sua atenção quase inteiramente para o desenvolvimento da decrépita economia da Coreia do Norte.
Isso levou Wang Sheng, pesquisador do Centro de Coinovação para Estudos da Península Coreana na Universidade de Jilin, a especular que 2019 poderia ser para a Coreia do Norte o que 1979 foi para a China.
As reformas econômicas de Deng realmente começaram em 1979, começando com a liberalização da produção agrícola e maior autonomia para os administradores do setor industrial da China. A China também estabeleceu relações diplomáticas com os Estados Unidos em 1979.
"Desde então, nos últimos 40 anos, a China conseguiu grandes resultados", disse Wang. "Da mesma forma, a Coreia do Norte precisa de um ambiente externo seguro e estável para o seu desenvolvimento. A Coreia do Norte viu as conquistas da China e aprendeu com a experiência".
Os repórteres do Washington Post Liu Yang, Yuan Wang e Lyric Li e Simon Denyer contribuíram para esta reportagem.