Em uma grande vitória para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o procurador especial Robert Mueller concluiu que não houve ligação entre a campanha do republicano e os esforços russos para interferir na eleição presidencial de 2016. A revelação foi comemorada por Trump, que se referia à investigação como uma "caça às bruxas" e defendeu repetidas vezes que "não houve conluio".
"Sem conluio, sem obstrução, completa e total exoneração. Mantenha a América Grande!", tuitou Trump neste domingo (24), após a descoberta.
Mueller concluiu seu relatório na sexta-feira (22), depois que sua equipe, formada por 19 advogados e 40 agentes do FBI (polícia federal), conduziu 500 entrevistas, emitiu 2.800 intimações e executou 500 mandados de busca durante os 675 dias de investigação sobre a suspeita de um conluio entre a campanha de Trump e russos que interferiram nas eleições americanas que o elegeram.
O documento, entretanto, não foi publicado – e há chances de que nunca seja. A informação veio de uma carta de quatro páginas escrita pelo procurador-geral William Barr com base no relatório de Mueller e divulgada neste domingo (24). Segundo o resumo, Mueller disse que evidências de conspiração não foram encontradas "apesar das múltiplas ofertas de indivíduos ligados à Rússia para ajudar na campanha de Trump".
Obstrução de justiça
Mueller também não descobriu evidências de que Trump tenha tentado obstruir a justiça ao impedir a investigação, mas ao mesmo tempo não livrou Trump desta acusação totalmente.
A equipe do procurador especial investigou uma possível obstrução da justiça em relação à demissão de James Comey, então diretor do FBI, em maio de 2017, e a outros assuntos. Segundo a carta de Barr, Mueller decidiu não abrir um processo sobre este caso, já que "o procurador especial não chegou a uma conclusão de uma maneira ou outra sobre se a conduta examinada constituía obstrução".
“Embora este relatório não conclua que o presidente cometeu um crime [obstrução de justiça], ele também não o exonera”, escreveu Barr, acrescentando porém que ele e o vice-procurador-geral, Rod Rosenstein, determinaram que não houve nenhum caso de obstrução.
Barr explicou essa decisão ao afirmar que "o relatório não identifica ações que, em nosso julgamento, constituam conduta obstrutiva, tenham relação com um processo pendente ou contemplado, e tenham sido realizadas com intenção corrupta, cada uma das quais (...) teria que ser provada para além de uma dúvida razoável a fim de estabelecer uma ofensa à obstrução da justiça".
A carta não deixa claro se Mueller pediu a Barr e Rosenstein que determinassem se houve ou não obstrução de justiça. Um porta-voz de Mueller recusou comentar a questão.
A investigação
A missão central de Mueller era determinar se os esforços russos para interferir na eleição de 2016 receberam algum apoio de americanos, incluindo pessoas próximas a Trump.
Ao todo, os cidadãos russos interagiram com pelo menos 14 associados Trump durante a campanha e a transição presidencial, de acordo com registros públicos e entrevistas.
Particularmente preocupante foi a interação entre um professor de Londres e um conselheiro de política externa de baixo nível de Trump, George Papadopoulos. Segundo documentos apresentados à corte, o professor disse a Papadopoulos em abril de 2016 que os russos tinham informações prejudiciais sobre a oponente de Trump, Hillary Clinton, na forma de milhares de e-mails.
Mueller também investigou uma reunião em junho de 2016 na Trump Tower, em Nova York. O filho de Trump, Donald Trump Jr., e o genro do presidente, Jared Kushner, se encontraram com uma advogada russa depois de saber que ela tinha informações que incriminavam Clinton, as quais foram oferecidas como parte do apoio do governo russo ao candidato republicano durante aquela reunião.
A advogada russa disse que ela não estava trabalhando em nome do governo russo. Trump Jr. e Kushner disseram que ela não forneceu nenhuma informação sobre Clinton na reunião.
Buscando responder à questão do conluio, Mueller também analisou o envolvimento do WikiLeaks, que divulgou e-mails de democratas que, segundo os investigadores americanos, foram roubados por oficiais de inteligência russos.
O trabalho do procurador especial levou a acusações criminais contra 34 pessoas, incluindo seis ex-associados e assessores de Trump.
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Comemoração republicana
Ainda no domingo (24), o mantra de Trump de que "não houve conluio" se transformou em uma espécie de grito de guerra por sua reeleição.
Assessores da Casa Branca e aliados de Trump agiram rapidamente para aproveitar o momento. Funcionários da campanha divulgaram um longo vídeo chamado "Hoax Collusion!" (A fraude do conluio, em tradução livre) e servidores da Casa Branca emitiram uma série de comentários defendendo o presidente enquanto atacavam os democratas.
Funcionários do Comitê Nacional Republicano emitiram um longo conjunto de "pontos de discussão" que delinearam o custo da investigação – US$ 50.230 por dia por 675 dias, em seu cálculo – e atacaram a imprensa e os democratas por se concentrarem extensivamente na investigação.
Assessores e aliados de Trump disseram acreditar que as descobertas reforçarão a credibilidade do presidente ao mesmo tempo em que minam os democratas, alguns dos quais previram que Trump seria considerado culpado de conspirar com os russos e obstruir a investigação de Mueller.
Um ex-funcionário da Casa Branca disse que os democratas "entregaram à campanha de Trump o maior argumento eleitoral na história política moderna em uma bandeja de prata".
Douglas Brinkley, historiador presidencial da Rice University, disse: "Trump na verdade agora está vacinado de outras acusações contra ele porque ele foi capaz de provar sua inocência nesta questão. Isso permite que Donald Trump construa sua narrativa sobre como a imprensa e os democratas criaram toda essa fraude russa, na mente de Trump".
As descobertas foram uma vitória política inconfundível para Trump. Elas apoiam sua posição de longa data sobre a investigação russa, alimentam sua noção de que o establishment de Washington está disposto a derrubá-lo e provavelmente dificultam que os democratas da Câmara investiguem o presidente, que descreverá seus esforços como uma ilegítima "caça às bruxas".
A extensão de sua vitória pode ser moderada, no entanto, se os democratas conseguirem fazer com que o relatório completo de Mueller seja divulgado e os documentos revelem um comportamento questionável do presidente. Os democratas deixaram claro no domingo que queriam ver o relatório completo e chamariam o procurador-geral William Barr para testemunhar no Congresso sob juramento.
Por quase dois anos, a investigação de Mueller foi uma fonte de grande ansiedade e estresse nos corredores da Ala Oeste da Casa Branca. Alguns funcionários contrataram advogados para ajudá-los e muitos temiam ver sua situação se complicar com base no que poderiam ouvir ou testemunhar. Eles descreveram as descobertas de Mueller como um cenário que reforçaria o ânimo do presidente, solidificaria o apoio republicano e permitiria que Trump apresentasse uma mensagem melhor para a reeleição.
"O relatório de Mueller levanta uma nuvem que estava sobre a Casa Branca durante todo o tempo em que Trump esteve lá", disse o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, republicano e aliado de Trump, que classificou este domingo (24) como um "dia muito bom" para o presidente.
Investigações dos democratas
Os democratas, por sua vez, provavelmente tomarão a decisão de Mueller de descrever os fatos sobre qualquer possível obstrução de justiça "sem chegar a conclusões legais" como um convite para futuras investigações – assim como os escândalos presidenciais anteriores levaram a audiências no Congresso.
Apesar de muitos democratas no domingo terem renovado seu compromisso com uma ampla investigação de Trump, as descobertas de Mueller podem ter dificultado seu trabalho. Em vez de simplesmente reiterar as conclusões do procurador especial, os democratas no Congresso agora enfrentam a tarefa de criar uma reviravolta, ou pelo menos expandir uma investigação que eles passaram os últimos dois anos defendendo até o fim. Já na noite de domingo, alguns democratas estavam questionando como Barr poderia ter decidido tão rapidamente que as descobertas de Mueller não sustentavam uma acusação de obstrução da justiça contra Trump.
Os líderes democratas no Congresso, o senador Chuck Schumer de Nova York e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, da Califórnia, em um comunicado conjunto, mudaram os holofotes do resultado final de que não houve conluio por um pedido por mais transparência e a liberação total do relatório de Mueller. "O povo americano tem o direito de saber", disseram eles.