Uma reportagem sobre corporações americanas no período pós-abolição levou o jornalista americano Douglas Blackmon, 53, a revelar uma das passagens mais obscuras da história dos EUA. Entre a Guerra Civil (1861-65) e a Segunda Guerra Mundial (1939-45), o Estado usou mecanismos da Justiça para perpetuar a escravidão, encarcerando milhares de ex-escravos para garantir mão de obra.
Então chefe do "Wall Street Journal" em Atlanta, Blackmon escreveu "Slavery by another name" (Escravidão sob outro nome), livro com o qual ganhou o principal prêmio de jornalismo dos EUA, o Pulitzer, em 2009.
Blackmon, que esteve recentemente no Brasil para um seminário, falou em entrevista:
Seu programa de TV, "American Forum" (PBS), tem criticado Donald Trump. Há risco de confronto com a Coreia do Norte?
Douglas Blackmon - A maneira como ele lida com a Coreia do Norte é ruim, mas não acredito que desencadeie uma guerra nuclear. Confio em que a liderança militar americana é profissional e responsável. Acho que se recusaria a cumprir uma ordem imprudente, a não ser que a Coreia do Norte lançasse um ataque à Coreia do Sul. Há salvaguardas que podem frear uma catástrofe, mesmo com um líder errático.
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O ato racista em Charlottesville (em agosto) o surpreendeu?
Blackmon - Fiquei horrorizado, mas escrevo sobre essa facção da sociedade americana há 15 anos. Essa extrema direita agitada e reacionária sempre esteve presente. O que ocorreu em Charlottesville tornou tudo mais visível. Os supremacistas brancos representam um pequeno grupo que ganha notoriedade nas mídias sociais e vivem dessas figuras ridículas, histéricas.
Há até pouco tempo os EUA mantinham políticas segregacionistas ligadas ao período pós-abolição, que o senhor chama de "re-escravidão". Qual o legado dessa fase?
Blackmon - Nos anos 60, o então governador do Alabama e líder segregacionista George Wallace concorreu à Presidência por um partido menor e ganhou em meia dúzia de Estados. Teve votos da extrema direita branca, a maioria do Sul, que se incomodava com o progresso do movimento por direitos civis. Wallace se situava um tom abaixo da Ku Klux Klan. Essa disputa sinalizava a transformação de um antigo modelo — letal contra negros — para uma política aceitável para mais americanos.
Como se deu essa transição?
Blackmon - O movimento por direitos civis avançava, o presidente John F. Kennedy o apoiava —apesar de nunca ter conversado com um negro, a não ser, talvez, o mordomo. Martin Luther King se recusou a ir à Casa Branca por um longo tempo. Até que Kennedy abraçou a Lei dos Direitos Civis. Então, foi assassinado. Nesse momento houve uma reacomodação das forças políticas. Os grupos racistas do Sul se transferiram do Partido Democrata para o Republicano e suavizaram o discurso. E o branco racista passou a ser retratado como caricatura estúpida, desprezada, o que criou ressentimento. O (movimento de direita radical) Tea Party é uma reação à eleição de um presidente negro.
O que significa a vitória de Trump após Barack Obama?
Blackmon - A eleição de Trump foi sorte. O que me espanta é que exista gente o suficiente para viabilizar essa loucura impensável, que é a sua eleição. Isso estimulou os piores pensamentos —que sempre estiveram lá. Obama é uma figura incrível. A razão para ele se tornar presidente é menos o fato de os EUA terem avançado na questão racial e mais o que ele representa por ser negro: a renúncia total de tudo o que veio antes. Obama tem 57 anos. Será atuante pelos próximos 30, a pessoa mais influente dos EUA. Qualquer candidato com apoio apenas de brancos terá dificuldade.
Quem pode vir após Trump?
Blackmon - Um democrata, uma versão mais jovem do senador Bernie Sanders, voltada aos pobres, assalariados, talvez uma mulher. Os republicanos talvez escolham um candidato mais moderado, com apelo para impor sua visão de forma construtiva e conquistar assalariados brancos.
Há chance de impeachment?
Blackmon - Nós não queremos impeachment. Para resguardar a democracia, não deveria ser fácil desfazer uma eleição.
Racismo, homofobia, violência: comediantes anti-Trump enfrentam momento difÃcil https://t.co/gziUlLekYJ pic.twitter.com/vMkmKKVVTD
â Ideias (@ideias_gp) June 5, 2017
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