Análise
A Venezuela não é, mesmo, a Ucrânia
Célio Martins, editor da Gazeta do Povo e correspondente do jornal em duas eleições venezuelanas
Primeiro foi o presidente chavista Nicolás Maduro a dizer que "a Venezuela não é a Ucrânia". Depois foi sua colega brasileira, Dilma Rousseff, a afirmar que não se pode comparar a situação venezuelana com a ucraniana.
Analisando a realidade dos dois países, fica claro que em pelo menos um ponto há semelhanças na crise: a profunda divisão da sociedade.
Mas em várias outras questões as diferenças são claras. Na Venezuela, há setores da sociedade beneficiados com programas sociais alguns deles, clientelistas que pendem para o lado chavista nos momentos de crise política.
Essa base de apoio levaria a deduzir que hoje seria impossível a tomada de poder na Venezuela pela força, como ocorreu na Ucrânia. O chavismo está enraizado em todo o país com organizações prontas para defender o regime, como os coletivos espalhados por bairros periféricos, as missões e a milícia bolivariana.
A via mais sensata dos oposicionistas para chegar ao poder ainda é a eleitoral. Mas, para isso, a oposição não pode se fechar, como ocorreu em 2005, quando decidiu não participar das eleições legislativas e ficou de fora do Congresso.
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A crise política que há três semanas afeta a Venezuela, gerando uma onda de manifestações e conflitos que causaram ao menos 14 mortes, é observada com cautela pelos vizinhos sul-americanos.
INFOGRÁFICO: Mercosul é formado por cinco membros plenos e sete estados associados
Apesar de o Mercosul ter emitido na semana passada um comunicado em defesa do presidente venezuelano Nicolás Maduro, os países têm reagido de forma diferente. Enquanto governos como os da Bolívia, Equador e Argentina marcaram posição firme em favor de Maduro, Brasil e Uruguai têm adotado posturas mais comedidas, evitando possíveis atritos.
Na semana passada os cinco estados membros do Mercosul emitiram um comunicado no qual criticam "as tentativas de desestabilizar a ordem democrática" no país.
Apesar de o comunicado ser assinado pelos cinco países, apenas a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, se posicionou de forma mais incisiva. "Não é por perder uma eleição que se pode desestabilizar um país e uma região que foi declarada como de paz", disse a presidente, saindo em defesa de Maduro. Enquanto a presidente brasileira Dilma Rousseff se limitou a dizer que os problemas no país vizinho são "assunto interno".
As vozes mais dissonantes foram as dos presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, e do Chile, Sebastian Piñera. Ambos pediram que o governo da Venezuela respeite os princípios democráticos e os direitos humanos. As declarações despertaram a ira de Maduro, que acusou os mandatários de ingerência política.
Para Jayme Benvenuto Lima Junior, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), a cautela dos países sul-americanos no trato com a crise venezuelana se deve à determinação em manter a estabilidade na região. "O governo de Maduro não tem um apoio ilimitado, já que existe a preocupação com alguns desmandos. Mas há uma preocupação maior com o processo de integração do Mercosul, bastante fragilizado pelas incertezas econômicas", avalia.
Vizinhos
Os países sul-americanos têm reagido de formas diferentes sobre a crise venezuelana (Suriname e Guiana não se pronunciaram):
Brasil
A presidente Dilma Rousseff afirmou que a crise no país é "assunto interno", enquanto o Itamaraty acompanha "com atenção".
Argentina
A presidente Cristina Kirchner defendeu Maduro, apontando "evidentes tentativas de desestabilização".
Uruguai
Para o presidente José Mujica, a violência tem origem na crise econômica. Ele pediu que "os ânimos se ponham mais racionais".
Paraguai
O governo do país não se manifestou sobre a crise venezuelana.
Colômbia
Contrariou Maduro quando o presidente Juan Manuel Santos pediu que se "respeitem e fortaleçam os princípios democráticos".
Chile
O presidente Sebastián Piñera defendeu que o governo venezuelano respeite "os direitos humanos e as liberdades individuais".
Equador
Rafael Correa, presidente equatoriano, defendeu Maduro e creditou os episódios de violência à "direita fascista".
Bolívia
Em apoio a Maduro, o presidente Evo Morales declarou que o "imperialismo norte-americano" e a "oligarquia" financiam os protestos.
Peru
De forma comedida, o presidente Ollanta Humala solicitou que o governo aja "com calma" e que as partes dialoguem.
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