Em 2022, quando a Rússia invadiu o território ucraniano, os taiwaneses começaram a usar a expressão “Ucrânia hoje, Taiwan amanhã”. A frase dizia respeito ao temor de que a China se inspire nos aliados russos e finalmente cumpra a ameaça de invadir a ilha, considerada por Pequim uma província rebelde a ser reincorporada.
Nas últimas semanas, a expressão voltou a ser usada em Taiwan, mas num contexto diferente. A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), fabricante de semicondutores que é a maior empresa do país, anunciou numa cerimônia no início de março na Casa Branca com a presença do presidente americano, Donald Trump, um investimento de US$ 100 bilhões nos Estados Unidos.
Em Taiwan, muitos políticos e analistas interpretaram esse megainvestimento como uma resposta à pressão do mandatário americano, que desde a campanha presidencial vem acusando os taiwaneses de concorrência desleal e sugerindo que deveriam pagar pela ajuda militar prestada pelos Estados Unidos.
“Taiwan roubou nossa indústria de chips [a TSMC produz mais de 90% dos microchips avançados do mundo]. Tínhamos a Intel, tínhamos essas grandes empresas que se saíam tão bem. [A indústria de chips] foi roubada de nós. E queremos essa indústria de volta”, disse Trump.
“Taiwan deveria nos pagar pela defesa. Sabe, não somos diferentes de uma seguradora. Taiwan não nos dá nada em troca”, afirmou o republicano.
Os Estados Unidos forneceram a Taiwan US$ 345 milhões em ajuda militar em 2023 e US$ 571 milhões no ano passado.
Embora a TSMC tenha prometido que o megainvestimento nos Estados Unidos não comprometerá a expansão da empresa em Taiwan, o receio é grande na ilha de que haja uma situação parecida com a da Ucrânia, a quem Trump tenta forçar um acordo para cessão de terras raras e outros recursos naturais aos americanos sem garantias concretas de segurança futura.
Depois que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, descartou assinar um acordo nesse sentido (as negociações continuam, entretanto) em visita à Casa Branca no final de fevereiro, os Estados Unidos bloquearam ajuda militar e de inteligência a Kiev até que o país europeu aceitasse uma proposta americana de cessar-fogo de 30 dias na guerra com a Rússia.
“Vi reportagens na imprensa dizendo que os Estados Unidos exigiram que a TSMC investisse US$ 100 bilhões no país [...]. O povo taiwanês está preocupado que a ‘Montanha Guardiã Nacional’ [como a TSMC é conhecida] seja levada para longe”, escreveu no Facebook o ex-presidente taiwanês Ma Ying-jeou, que mandou um recado para o atual mandatário, Lai Ching-te.
“Não se esqueça de que o presidente dos EUA, Trump, é um empresário que coloca os interesses acima de tudo. Vender a TSMC é o suficiente? O que mais deve ser vendido depois disso?”, escreveu.
Uma reportagem da CNN mostrou que a preocupação é grande também entre a população taiwanesa. “Taiwan, muito em breve, assim como ele [Trump] disse a Zelensky, ‘estará sem cartas para jogar’, e Taiwan não terá cartas para jogar. A TSMC era a melhor carta”, afirmou a aposentada Tammy Chao à emissora americana.
A gestão Trump defende que Taiwan gaste ao menos 10% do PIB em defesa, mas o premiê do país, Cho Jung-tai, declarou este mês que tal patamar é “impossível”. O presidente Lai quer aumentar as despesas na área para mais de 3% do PIB de Taiwan, mas não está garantido que essa meta será aprovada pelo Parlamento. Hoje, a ilha investe 2,5% em defesa.
Em artigo para o think tank americano Conselho Sobre Relações Exteriores (CFR, na sigla em inglês), o especialista em Ásia David Sacks enfatizou que Taiwan não pode deter a China sozinho, “enquanto nenhum país está disposto ou é capaz de assumir o papel que os Estados Unidos tradicionalmente desempenham na defesa de Taiwan”.
“Em vez disso, a ilha está extremamente vulnerável aos caprichos do presidente Trump, que já a enfraqueceram. Os próximos quatro anos estão se configurando como os anos mais imprevisíveis no Estreito de Taiwan em décadas”, projetou Sacks.
Por sua vez, Wilson Beaver, consultor sênior de políticas para orçamento da Heritage Foundation, think tank conservador que apoia Trump, defendeu em artigo recente que Taiwan deve “gastar em defesa, não em [medidas contra as] mudanças climáticas”.
“Os americanos não devem ser colocados na posição de se importar mais com a segurança taiwanesa do que o governo taiwanês”, argumentou. “Taiwan deve reconhecer o perigo da sua situação e aumentar os gastos com defesa para pelo menos uma porcentagem do PIB tão grande quanto a dos Estados Unidos [3,4%]”, recomendou.