Os eleitores da principal potência econômica da Europa, a Alemanha, vão às urnas neste domingo (24), para renovar os assentos do Parlamento do país. A favorita para governar a nação é a chanceler Angela Merkel, da Aliança Democrata-Cristã (CDU), que aparece, nas pesquisas eleitorais, à frente do social-democrata Martin Schulz.
O cargo para o qual Merkel deve ser reeleita, se de fato derrotar o rival, vem com a responsabilidade informal de ser “líder do mundo livre” desde que Donald Trump se tornou presidente dos EUA, em janeiro, e adotou um discurso mais nacionalista e isolacionista. Com a saída de cena de Barack Obama nos EUA e na ausência de outros líderes com grande projeção, Merkel é vista como uma espécie de farol moral - e não raramente tem a alcunha de "líder do Ocidente" atrelada a seu nome.
O vencedor dessas eleições governará a maior economia europeia, com PIB estimado em US$ 3,4 trilhões – o equivalente a dois Brasis - em 2017. Sua voz em assuntos como imigração, mudança climática e política monetária ressoará.
Serão diversos os desafios na política externa, alguns deles de proporções históricas, como a saída do Reino Unido da União Europeia. Mas as crises beneficiam Merkel, que é vista por parte dos eleitores como a solução mais estável e segura, testada desde 2005, data em que começou na Chancelaria.
Sondagens
O partido de Merkel, a CDU (Aliança Democrata-Cristã), deve ter 36% dos votos neste domingo, segundo uma sondagem recente da firma YouGov. O SPD (Partido Social-Democrata), de seu rival, Martin Schulz, receberia 22%.
As duas siglas governam em uma grande coalizão, algo que poderá ser mantido. Ambos têm afinidade em temas de política externa.
A pesquisa foi feita de 15 a 18 de setembro com 2.042 pessoas. Não há detalhes sobre a sua margem de erro.
Crises
Além da saída britânica da União Europeia, o "brexit", o próximo chanceler enfrentará uma série de provas. De imediato, terá que lidar com a crise na Coreia do Norte, que tem conduzido testes nucleares, desafiando a comunidade internacional e se colocando em rota de colisão com os EUA.
Outro percalço será Vladimir Putin, cuja influência no Leste Europeu cresce. A Rússia anexou a Crimeia, território ucraniano, em 2014. Avança também sua influência digital - há suspeita de tentativas russas de interferir nos pleitos dos EUA e da França.
Um dos maiores problemas do próximo chanceler, porém, será lidar com os EUA. É algo que Merkel não teve de enfrentar nos anos de Obama na Casa Branca, mas com Trump o jogo mudou. "Não há um só assunto em que não haverá atrito", afirma o analista Timo Lochocki, especialista nas relações transatlânticas. "Merkel tentará evitar contradizer os EUA publicamente, para não danificar ainda mais seus laços", afirma.
Ao menos quando for possível. Em entrevista à emissora Deutsche Welle nesta semana, a chanceler criticou as ameaças de Trump à Coreia do Norte na ONU de que destruiria o país "se preciso". Ela respondeu: "Consideramos qualquer solução militar totalmente imprópria".
Sistema misto
Quando os alemães forem às urnas no domingo, eles receberão uma célula com duas opções de voto: uma para um candidato distrital e outra para um partido. Isso porque a Alemanha possui um sistema conhecido como voto distrital representativo personalizado.
No primeiro voto, o "Erststimme", o cidadão escolhe o candidato de sua preferência em seu distrito para representá-lo na câmara baixa do Parlamento (Bundestag). Esse primeiro voto elege diretamente 299 cadeiras do Bundestag.
Para preencher as demais 299 cadeiras, o eleitor emite seu "Zweitstimme", ou segundo voto. Este vai para um partido político em vez de para um candidato e determina a proporção que cada legenda terá no Bundestag. Isso estimula o eleitor a pensar estrategicamente e votar de acordo com o tipo de coalizão que ele espera ver formada no novo governo.
Se a CDU é o partido mais forte, ele pode, por exemplo, votar no partido Verde para aumentar as chances de essa legenda estar no governo.
Outra peculiaridade é que um partido pode obter mais cadeiras por meio do primeiro voto do que teria direito pelo segundo voto. Como cada candidato que vence em um distrito tem assento garantido, o partido fica com assentos extras. Para compensar, os demais partidos também obtêm vagas a mais.
O resultado é que o Bundestag pode extrapolar seu número oficial de 598 assentos. A atual legislatura tem 630 representantes.
O sistema afeta a campanha. Temas locais e nacionais se mesclam quando o candidato a chanceler precisa do voto direto em seu distrito.
Campanha
Cada partido cria apenas uma peça de propaganda de 90 segundos (e uma versão reduzida) para a eleição inteira, e o número de vezes que essa propaganda vai ao ar é proporcional ao número de votos que o partido obteve nas eleições anteriores.
No pleito de 2013, a CDU veiculou sua propaganda em canais de TV privados 140 vezes, contra 176 do SPD. Já o Die Linke teve quatro aparições nos dois principais canais na campanha inteira.
"Na Alemanha a grande figura das eleições ainda são os pôsteres. Isso e os encontros políticos. Sobretudo nesta reta final, todos candidatos estão na rua, falando com as pessoas", explicou Sudha David-Wilp, especialista do German Marshall Fund.
Entre quarta e sexta-feira, Merkel fez comícios em oito cidades diferentes. O corpo-a-corpo é feito de maneira quase espontânea. É comum candidatos se posicionarem numa esquina de um bairro e simplesmente conversarem com quem passa. Não há, na Alemanha, "microtargetting" - a tática de criar peças de propaganda e discursos específicos para cada nicho do eleitorado.
Há lugares fixos para pôsteres e é comum os de candidatos a chanceler coabitarem a parede dos de representantes locais de outro partido.
O custo das campanhas também é baixo: o governo federal e mensalidades de membros dos partidos pagam a maior parte das despesas, enquanto doações individuais e de empresas compõem um terço dos custos. Não há limite para doação privada, mas contribuições acima de € 10 mil (R$ 37,4 mil) devem ser identificadas.
Nas últimas eleições, em 2013, o SPD fez a campanha mais cara, € 23 milhões, seguido pela CDU, com € 20 milhões. Lembrete: esses valores são distribuídos entre todos os candidatos combinados, inclusive os líderes, candidatos a chanceler.
Outra regra importante é a cláusula de barreira: partidos que deixem de obter 5% do voto nacional ou consigam menos de três cadeiras no voto direto são excluídos do Parlamento, e a participação dos demais é recalculada. A ideia é que grande fragmentação partidária evita o consenso e provoca instabilidade.
Isso acaba por ter um efeito direto na formação das coalizões, quando um dos parceiros tradicionais de coalizão é barrado. Neste ano, a expectativa é que sete partidos, entre eles o FDP e o AfD (direita populista), entrem no Parlamento, número recorde.
No máximo um mês após a eleição, coalizões formadas, o Parlamento elege chanceler o líder do principal partido. Não há limite de mandatos. Helmut Kohl (1982-98) é, por enquanto, o recordista.