A campanha pela sucessão de Cristina Kirchner confirmou que o peronismo, movimento político surgido há exatos 70 anos, continua dominando, de forma clara e contundente, o cenário político local. Três peronistas são candidatos à Presidência na eleição do próximo domingo (25) e um deles é o grande favorito, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli.
O principal candidato da oposição, o prefeito portenho, Mauricio Macri, é o único não peronista mas, apesar disso, fez questão de inaugurar, poucas semanas antes da eleição, o primeiro monumento a Juan Domingo Perón na capital argentina. O voto peronista tornou-se a principal obsessão dos candidatos argentinos.
“O peronismo é uma lembrança que dá votos”, disse Júlio Bárbaro, considerado um pensador do movimento que surgiu nas ruas de Buenos Aires em 17 de outubro de 1945, para pedir a libertação do então general Perón.
Como secretário de Trabalho e Previsão Social dos governos militares da época, o general havia defendido os direitos dos trabalhadores e, em pouco tempo, tornou-se uma liderança difícil de ser contida pelas Forças Armadas. Em 1945, o peronismo virou um movimento de massas que, na opinião de Bárbaro, era mais do que um partido: “uma identidade cultural”.
“Por isso existe peronismo de direita, de centro e de esquerda. É a reivindicação de uma identidade nacional e das classes mais humildes”, assegurou o intelectual, que foi deputado no último governo de Perón e funcionário do governo de Néstor Kirchner.
A decisão de Macri, segundo colocado nas pesquisas e o único que poderia obrigar Scioli a disputar um eventual segundo turno -- o primeiro da História do país -- provocou uma enxurrada de críticas de dirigentes peronistas, que consideram ridículo o candidato da oposição inaugurar uma estátua de Perón. Mas o prefeito e candidato da aliança opositora Mudemos não titubeou em elogiar o líder máximo de seus rivais: “O peronismo é a busca da pobreza zero e para alcançar esse objetivo convoco todos os peronistas”, declarou Macri.
Peronistas “críticos”
Além de Scioli, a corrida presidencial argentina tem outros dois peronistas: o deputado Sergio Massa, dissidente do kirchnerismo, e o ex-presidente Adolfo Rodríguez Saá, um dos cinco presidentes que passou pela Casa Rosada no final de dezembro de 2001, em meio a uma das crises políticas mais profundas de todos os tempos.
Nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) realizadas em agosto, os três candidatos peronistas, juntos, conquistaram 61,33% dos votos.
No entanto, apenas Scioli, que alcançou 38,67%, defende o governo kirchnerista. Massa e Rodríguez são peronistas críticos e se apresentam como o verdadeiro peronismo, que Cristina e seus aliados não conseguiram disciplinar.
Já a aliança Mudemos (participaram Macri e outros dois pré-candidatos) obteve 30,12%.
Voto peronista decidirá
“A eleição presidencial será definida pelo voto peronista”, assegurou o historiador Felipe Pigna, autor de vários livros sobre História argentina, entre eles, um sobre Evita Perón, lançado em 2012.
Em sua opinião, “nos últimos 70 anos, o peronismo se manteve como a força política predominante e determinante do país”. “Com exceção do governo Raúl Alfonsín , o peronismo esteve sempre no comando da política argentina, com líderes muito diferentes como os ex-presidentes Carlos Menem e Néstor Kirchner”.
Houve outro pequeno intervalo não peronista entre 1999 e 2001, quando o país foi governado por Fernando de la Rúa, dirigente da União Cívica Radical (UCR), que aliou-se a outros partidos para chegar ao poder, entre eles a Frente País Solidário, integrada por alguns peronistas.
Menem, com sua política econômica neoliberal que levou o país, por exemplo, a privatizar várias empresas estatais, é considerado um peronista de direita. Já Kirchner, que aprovou várias renacionalizações e promoveu, entre outras iniciativas, os julgamentos de crimes da última ditadura, teve uma base de apoio integrada mais por setores de esquerda.
“O peronismo sempre foi um híbrido, nunca foi um partido”, disse Pablo Sirvén, secretário de redação do jornal “La Nación”. “Os peronistas vivem da lembrança dos anos felizes. O kirchnerismo recuperou, de forma light, o peronismo dos anos 1970 e pouco tem a ver com o dos anos 1990.
Em sua opinião, a chave desta eleição é até que ponto Scioli conseguirá cativar votos de peronistas insatisfeitos com os quase 13 anos de kirchnerismo.
“Scioli está limitado por Cristina. Se tivesse mais liberdade, teria os votos peronistas suficientes para vencer sem problemas no primeiro turno”, concluiu Sirvén.
Nuances na política
Daniel Scioli, o governador da província de Buenos Aires, representa a ala mais de centro do Partido Justicialista (PJ) e está respaldado, também, pelos setores de esquerda vinculados ao kirchnerismo. Mas sua principal base de apoio são os governadores e prefeitos peronistas de todo o país, que, durante os oito anos de governo de Cristina Kirchner perderam protagonismo e espaço para o chamado kirchnerismo duro.
Mauricio Macri, o prefeito portenho, principal adversário de Scioli na eleição, é o único candidato não peronista de peso na disputa, mas decidiu ser o primeiro em inaugurar uma estátua de Juan Perón. O candidato disse admirar o líder peronista, em busca dos votos necessários para obrigar Scioli a disputar o primeiro segundo turno da História da Argentina numa eleição presidencial.
Sergio Massa pertenceu ao kirchnerismo, mas rompeu com Cristina em 2013 quando fundou a Frente Renovadora. Hoje, Massa está aliado a outro peronista de peso, o ex-governador da província de Córdoba José Manuel de la Sota, que perdeu a eleição interna como deputado. Massa e De la Sota são considerados peronistas mais de direita, principalmente por defenderem políticas linha-dura em matéria de segurança.