A Comissão de Reforma do Código Penal entregou seu trabalho em tempo muito rápido. Foram sete meses. Nesse tempo, conseguiu examinar toda a legislação penal vigente no país (mais de 120 leis penais extravagantes), propondo alterações, revogações, acréscimos e unificações de tipos penais.

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A composição da comissão foi plural. Ao lado do ministro Gilson Dipp, que a presidiu; e do relator, do Ministério Público Federal, contaram juízes, promotores de Justiça, defensores públicos, professores e advogados. A advocacia esteve presente com alguns dos mais notáveis criminalistas do país e não será desdouro para ninguém indicar o nome de Nabor Bulhões, muito reconhecido por sua competência, profundo conhecimento de Direito Penal e lhaneza.

Esse pluralismo se reverteu em vantagem. Cada proposta foi submetida à crítica mais severa, inclemente até. Ora por consenso, ora por maioria, o anteprojeto foi forjado na bigorna democrática do debate. Aliás, debate transparente, realizado a portas abertas, transmitido pela TV Senado. A despeito das divergências, os membros da comissão renunciaram a vaidades pessoais e atenderam patrioticamente à missão dada pela Câmara Alta do Parlamento. Levaram-na até o fim, vendo formar-se sincera camaradagem entre eles. Daí ser tecnicamente avançado e de perfil equilibrado o anteprojeto da comissão. Ele não exibiu viés ideológico apriorístico, nem vergou-se a acade­­micismos indiferentes à realidade brasileira.

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Procedeu-se a importante descarceirização dos crimes patrimoniais sem violência ou grave ameaça, como o furto, a apropriação indébita e o estelionato. Prestigiou-se a composição do dano. Inovações modernizadoras de nosso arcaico sistema penal, como a barganha, foram corajosamente sugeridas. A defesa social não foi descurada, pois se redesenhou a progressão de regime, que irá substituir figuras como o sursis e o livramento condicional. A vida e a dignidade foram valorizadas pelo cúmulo material no crime continuado. Penas insuficientes, como as do homicídio culposo e do abuso de autoridade, foram majoradas; penas excessivas, como as da falsificação de remédios, foram abrandadas. A moralidade autoritária de costumes, própria da época do Estado Novo, foi deixada para trás, em prol da proteção exclusiva de bens jurídicos, ainda que novos. Os crimes contra a administração pública foram condensados. Vieram para o anteprojeto os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional e propôs-se definição do terrorismo, revogando a vetusta Lei de Segurança Nacional.

Agora, trabalho entregue, o Senado Federal e a Câmara contam com a mais ampla legitimidade democrática para mudar, aperfeiçoar, deixar ou seguir com o projeto. Ousamos dizer, porém, que nossa proposta, de cunho liberal, é mais condizente com o momento de nosso país que o septuagenário texto que hoje vige.

Reduzimos a quantidade de tipos penais – dos mais de mil que hoje existem para 541. E, por isto, é razão de orgulho para nós que a sociedade brasileira e toda a comunidade jurídica tenham agora 541 motivos para discordância, concordância e exame.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador regional da República da 3ª Região, foi relator-geral dos trabalhos da Comissão de Reforma do Código Penal instituída pelo Senado Federal.