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editorial

A aposentadoria dos deputados e a dissimulação

Em razão da impopularidade do tema, quase metade dos parlamentares prefere guardar sua opinião escondida debaixo de conveniente silêncio

É sabido que a arte que mais praticam os políticos – especialmente em períodos eleitorais – é a da dissimulação. Embora pensem ou ajam de um jeito, falam de outro. Ou simplesmente não falam. Tudo depende do proveito ou do prejuízo que uma eventual sinceridade pode lhes proporcionar. Configura-se como típico desse mau costume o caso da aposentadoria dos deputados estaduais, objeto de interesse pessoal deles – mas, em razão da impopularidade do tema, a maioria prefere guardar sua opinião escondida debaixo de conveniente silêncio.

A lei que institui a benesse para os parlamentares foi promulgada em 2008, pouco antes de eclodir o escândalo dos "Diários secretos", desvendado pela Gazeta do Povo e pela RPCTV, que revolveram as entranhas da Assembleia e revelaram o caudal de irregularidades que por lá se perpetravam. Não houve "clima" para que o dispositivo fosse implantado, que só depende, agora, de um ato da presidência da Casa para a criação de um fundo para financiar as aposentadorias. O atual presidente, eleito para o cargo sob a bandeira da moralização da Assembleia, preferiu manter o assunto na gaveta.

Entretanto, um grupo de deputados se movimenta para desengavetá-lo. Não há mistério sobre as razões desse repentino movimento: está prevista para o próximo dia 16 a eleição da nova Mesa Diretora da Assembleia, que poderá reconduzir o atual presidente ou colocar um outro em seu lugar, dependendo da "boa vontade" com que o candidato à reeleição ou um eventual adversário se proponha a fazer a vontade da suposta maioria de contar com a aposentadoria. Isto é, a instituição do fundo – além das outras imoralidades e ilegalidades que a cercam – virou também moeda de troca eleitoral.

O fundo, como está previsto na lei, será formado em grande parte por recursos do erário – isto é, os contribuintes em geral é que pagarão o questionável benefício aos deputados que se aposentarem. Exige-se deles apenas modesta contribuição de seus próprios bolsos, o que contraria frontalmente a legislação que trata dos fundos privados de previdência. E este é o caso: trata-se de um fundo privado, pois deputados não são servidores públicos nem trabalhadores comuns dos quais são recolhidas regulares contribuições proporcionais aos seus ganhos.

Diante desses fatos, a Gazeta do Povo quis saber quais, dos 54 deputados estaduais, são a favor ou contra a aposentadoria. Em sua edição do último dia 11 de setembro, este jornal publicou uma lista a respeito do assunto, após ter procurado ouvir a opinião de todos eles, à exceção do presidente da Casa. Apenas dois não foram encontrados. Dos 51 restantes, 19 se manifestaram a favor da própria aposentadoria e 13 se disseram contrários. Os restantes preferiram se abster – isto é, nem quiseram se indispor com a maioria dos colegas e nem com a opinião pública e seus eleitores, que sabidamente condenam o privilégio.

Partindo do princípio de que o tema não permite relativismos – isto é, ou se é favor ou se é contra a aposentadoria –, este jornal manteve-se aberto à manifestação daqueles que, no momento das entrevistas, preferiram não opinar. A reportagem que trouxe a lista completa hoje um mês, mas nenhum dos 21 deputados (considerando os omissos e os que não foram encontrados durante a apuração) decidiu comunicar sua posição. Ou seja, mantêm-se em atitude de dissimulação – um comportamento condenável, impróprio e desrespeitoso em relação aos cidadãos contribuintes e eleitores. Pior que ter opinião errada é esconder por conveniência o que pensam a respeito. Espera-se que agora, passado o período eleitoral, quando as doses de dissimulação são maiores, os parlamentares finalmente assumam sua posição, seja qual for – é o mínimo que devem a quem os elegeu.

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