Entende-se, engole-se a veneranda justificativa para as manhas e dissimulações do jogo político. Afinal, do pôquer às apostas valendo a despesa na brincadeira de adivinhação dos pauzinhos nas mãos fechadas, e conhecida por nome que as boas maneiras não recomendam, o blefe é um recurso legítimo, artimanha dos espertos que faturam os acertos e pagam o preço dos erros. Nas cartas ou na trama de campanhas para a caça ao voto, na negociação de apoios e alianças, há um limite que separa a ousadia do desafio à sagacidade do adversário do golpe baixo, grosseiro que nem os malandros aceitam no seu código de honra. No clima tenso do escândalo da corrupção, com denúncias pipocando nas CPIs, sempre penduradas nas dificuldades da prova que encerra a discussão e as quedas e balanços da popularidade do presidente Lula, a inevitável antecipação das preliminares da campanha sucessória enveredou por sombrios atalhos da mais deslavada baixaria. Mente-se com a cara mais séria do mundo, a voz impostada para compor a máscara da seriedade. E se o clima recomenda a abertura de portas e janelas para a renovação do ar empestado, a comédia descamba para a chanchada imprópria para menores. Francamente, passa da conta. A começar por Lula, que não costuma prezar a coerência no ziguezague do chorrilho diário dos seus improvisos, a oposição caiu na farsa, com gosto e piscando o olho para chamar a atenção para a malandragem dos seus passos de leviano dançarino.

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A reeleição ocupa o centro do palco do circo mambembe. Soa como deboche ao distinto público, que vaia, boceja e abandona as arquibancadas, o simulado duelo de farpas entre líderes da oposição e Lula e a sua turma. O líder tucano, senador Arthur Virgílio (AM), baixou o tom e, em dueto com o novo presidente do partido, senador Tasso Jereissati (CE), puxaram o coro do surpreendente apelo ao presidente Lula para que se lance candidato à reeleição. Amortecem a pancada da contradição com o raciocínio mais retorcido do que cipó que a candidatura assumida dissiparia o nevoeiro das dúvidas, colocando nos trilhos a campanha que, como é evidente, já começou. De outro canto do picadeiro, Lula sacode a serragem que colou nas calças largas depois da cambalhota cômica do ato falho para dizer que quando disse que disputaria reeleição não quis dizer que era candidato e sim que não sabia se seria ou não candidato. Ficou claro, não? Francamente senhores, dêem-se ao respeito e façam as pazes com o óbvio que todo mundo está enxergando: desde que a praga da reeleição foi encaixada na Constituição com a mágica da cooptação de votos no primeiro mandato do então presidente Fernando Henrique que todos – absolutamente todos ou com raras exceções que confirmam a regra – os prefeitos, governadores e o atual presidente são candidatos obsessivos ao bis, antes mesmo da posse e não pensam em outra coisa durante o exercício do mandato.

Portanto, para começar a colocar as coisas nos seus lugares, o que pode ser questionado é se Lula vai desistir de disputar a reeleição. Candidato ele é, sempre foi, desde sempre. A alegação que tanto faz como tanto fez não é procedente. Não reverencia a verdade nem coloca o debate no exato ponto de partida.

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Lula é candidato porque quer com a pertinácia da idéia fixa e por imposição da desesperada necessidade do PT. A legenda da desbotada estrela vermelha não tem outro projeto de candidato no sufoco da enxurrada de lama do mensalão e do caixa 2 despejada pelo valerioduto e que engasgou o partido na desmoralização de décadas de coerência com os compromissos éticos. Não bastasse o fracasso da calamitosa lambança administrativa do governo, a provação da maior roubalheira de todos os tempos é mesmo de arrepiar os cabelos e espanar o pó.

Se não há muita diferença entre a verdade e a potoca nas trapalhices políticas, no último degrau da escada podre do desprezo popular para começar a tentar a improvável reabilitação, o ensaio do primeiro passo claudicante tem que pisar na terra limpa, com a varredura da imundície das mentiras e vergonhosas tramóias. Lula é candidato em plena campanha. A sôfrega correria por todo o país, na busca de auditório, de palanque para os seus improvisos de tantas cincadas é a dupla confissão do candidato que o PT precisa e da necessidade de recuperar a credibilidade que desperdiçou em dois anos e 11 meses catastróficos.

Agora ou nunca: ou vai ou racha.