A Constituição Federal completou 17 anos no último dia 5. Neste curto período, o país passou a viver momentos decisivos da sua História. "Constituição-cidadã" na definição de seu principal viabilizador, o então presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, a Carta Magna promulgada em 1988 tem defeitos e virtudes inúmeras virtudes, dentre as quais a de ter devolvido aos brasileiros a compreensão do conceito e a possibilidade de exercer a cidadania, prerrogativas em grande parte perdidas durante os 25 anos do regime autoritário que a antecedeu. Dentre os defeitos, a de nos ter legado uma visão já então ultrapassada do papel do Estado.
Libertária, introduziu mecanismos de democracia direta e alargou os direitos sociais. Abriu as comportas da representação política, instituindo eleições diretas para todos os níveis e com universal participação dos eleitores. Assegurou a livre manifestação do pensamento. Rompeu a tradição individualista do direito, passando a entendê-lo como prioritariamente social e coletivo. Universalizou o direito à saúde, ampliou os direitos previdenciários.
Entretanto, escrita em meio a um contexto histórico mundial em explosiva mutação, a Constituição de 1988 ainda previa uma intensa presença estatal na condução da economia. Ela não estava preparada para os ventos da globalização que se seguiriam. Por isso teve de ser submetida a inúmeras emendas e remendos destinados a adaptá-la à nova realidade e para que o país não permanecesse à margem do mundo moderno.
Esta tarefa ainda não está concluída. Se é importante termos uma Constituição estável, é igualmente importante que não seja um empecilho ao desenvolvimento econômico e social e à própria governabilidade. Infelizmente, ao inchar o Estado de obrigações impagáveis e que, portanto, não serão cumpridas, a atual Constituição acaba sendo um dos fatores do atraso crônico em que nos encontramos.
É justamente a tarefa de tornar a Constituição mais consentânea com as necessidades do país que prossegue emperrada. Não se faz o mais imperioso de todos os debates, aquele que se destina, verdadeiramente, a definir um projeto de país. Não temos um projeto real, com contornos bem delineados e horizontes claros a serem perseguidos, não por um período de governo mas pela seqüência de vários. Um projeto que, com extrema coerência interna, viabilize a construção de uma nova sociedade, menos concentradora, mais justa na distribuição dos frutos do desenvolvimento.
É desse projeto que decorre a obrigação de repensar e reconstruir o Estado brasileiro, delimitando-lhe os papéis. E destes deve decorrer a Constituição. A atual deve ser objeto de todo o respeito, sobretudo por ter reconhecido e devolvido o sentimento de cidadania a todos nós. Mas, exatamente por isso, ela também nos assegura o direito de concluir que já não atende aos novos tempos.
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