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Entre as mais respeitadas obras literárias de todos os tempos está o "Escuta, Zé-Ninguém!" de Wilhelm Reich, médico e cientista que nela repassa observações e experiências vivenciadas, com o fito de inseri-las nos arquivos do Instituto Organe, por ele fundado. Não se trata de um rígido documento científico e sim de um apelo humanista. Escrito em 1946, não tem pretensões de ditar receitas existenciais, de convencer, aliciar ou conquistar simpatizantes. Não encerra intenções nem programas. Descreve com incrível objetividade crises emocionais por que passa um ser humano comum, produtivo e aparentemente em paz interior. Embora leve a crer tratar-se de um diálogo, é um monólogo testemunhando por um outrem único.

Sem pretensão de se publicada em livro, a obra ganhou o mundo, clamando pela necessidade desse homem comum sair de sua passividade em busca do conhecimento de si próprio e do seu derredor, sob a ótica de um experiente psiquiatra em reação aos fatos. O conhecimento da realidade interior e exterior é o modo mais eficaz de vencer a desastrosa paixão pelo poder, historicamente tingido de aberrantes ideologias, intrinsecamente assassinas pela preferência que dão ao Estado em vez da Justiça, à mentira em vez da verdade, à guerra em vez da vida. Reich realça a premência de facultar ao Zé-Ninguém o direito ao sentimento e à reação pessoais, direito esse nunca disputado ao poeta e ao filósofo.

A obra é um protesto contra os supostos desígnios secretos e ignotos da peste emocional que entrava o crescimento individual, o progresso cósmico, o qual, decodificada e sabiamente vencida, permite o acesso à riqueza escoimada na natureza humana e a ser partilhada. Hoje, quando se culpam unicamente os governantes por aviltamento do poder – em projeção à omissão ou ao desconhecimento próprio –, Reich é lembrado por desnudar ao "homem do terno cinzento", a forma torpe com que ele trata a si próprio e se modela. Sem notoriedade e nódoa de caráter, o Zé-Ninguém sofre e se revolta, sem perceber que tributa honra, respeito e prestígio aos inimigos enquanto execra e avilta os amigos.

Acinte maior: na área política, dizem-no representante do povo, mas diluem-no em opinião pública e consciência social. Escada utilíssima aos que ascendem ao poder para usá-lo mal e adotá-lo de maior crueldade. O Instituo Ordone, em prol da saúde e vidas humanas, foi vítima da peste emocional, fustigado pela intriga e difamação, semelhante aos tormentos enfrentados pessoalmente por Reich, cuja vida agitada passou pela prisão nos EUA, vitimado e morto por ser um pensador inconformista e heterodoxo. Em alerta, diz Reich que é a pequenez de espírito que faz mestres e senhores projetarem o futuro do homem médio a priori, sem indagarem o passado de luta, condição sine qua non para que ele se integre a fim de assumir o próprio destino: "Projetam um futuro em que serás teu próprio senhor e dono do mundo, mas não dizem como fazê-lo".

E adverte: "Deixas que assumam a tua representatividade e só demasia da tarde reconheces que te enganaram uma vez mais". E incita: "Por isso, antes de tudo, olha para ti e vê-te como és: um homem médio. Não fujas de ti mesmo, tu que tens medo de olhar para dentro de ti, medo da crítica, do poder que te prometem e nem saberias usar. Tu mesmo te subestimas e te desprezas. Quando te prometem liberdade nacional ignorando a tua, pessoal, dá-lhes vivas e palmas. Não o faças, cuida de tua vida e não deixes que a doença emocional a destrua!". Documento histórico pela imortalidade e coragem, a obra encerra a mensagem de que a merecida felicidade é construção diária, sem medo de altos vôos e da profundidade. Felicidade que não deve ser comumente devorada e sim gozada em plenitude, regada, como faz o jardineiro com as plantas e o homem da terra com as colheitas.

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