Afora alguns movimentos especulativos pontuais, derivados da resposta instantânea dos mercados de riscos aos momentos e episódios de pico registrados pelas CPIs em funcionamento no Congresso Nacional, percebe-se reduzida interferência da crise política nos resultados macroeconômicos do país. Tal constatação revela o amadurecimento de uma jovem democracia em uma nação constituída, em sua maioria, por agentes sociais que não gostariam de desperdiçar uma nova oportunidade de ingresso, presença e participação ativas em um ciclo de expansão econômica sustentada, fortemente articulado com a dinâmica mundial. A progressiva internacionalização das correntes de comércio das empresas brasileiras, atestada pelos extraordinários resultados da balança comercial, corrobora esse diagnóstico.
De fato, o efeito imediato da instabilidade política foi a agudização do enfraquecimento da imagem dos representantes da sociedade, incluindo partidos políticos, governo e congressistas, erodida desde que o Palácio do Planalto concedeu espaço para a chegada do deputado Severino Cavalcanti à Presidência da Câmara dos Deputados, e acrescida pelos episódios como mensalão, uso de peças íntimas do vestuário masculino e jipe Land Rover. A esse respeito, pesquisa do Instituto Datafolha apontou que 49,0% dos brasileiros não acreditam na existência de políticos honestos.
Ainda assim, ao menos enquanto a gestão econômica preservar a mão estendida na direção do establishment financeiro e/ou persistirem sinais de participação expressiva de parlamentares nos atos ilícitos recentemente denunciados, a hipótese de impedimento do mandato do presidente da República ficaria mais distante, a despeito de sua nova linha dialética desorientada e contraditória, sugerindo vulnerabilidade econômica em um país que estaria pronto para crescer, segundo sua própria visão recente.
O mais grave, porém, é que as decisões de investimentos em ampliação da capacidade produtiva da economia já vinham emitindo sinais de fadiga em decorrência da situação de desaceleração das vendas e da produção, associada aos juros altos, e da indefinição dos parâmetros regulatórios e a morosidade na definição e execução dos projetos infra-estruturais prioritários. Só a título de exemplo, o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) alertou o risco de apagão energético a partir de 2009 em razão da demora na concessão de licenças ambientais para novos projetos.
Isso significa que a expansão potencial do sistema econômico brasileiro poderia estar sendo sacrificada pelo arrefecimento da disposição empreendedora das empresas, materializada no engavetamento de novos projetos. Essencialmente, ao praticar os juros reais mais elevados do planeta, sem controle de fluxos de capitais, com reduzido estoque de reservas internacionais e em processo de valorização cambial, o Brasil assegura rentabilidade e liquidez às operações de financiamento da dívida pública, oferecendo segurança aos credores. Em compensação, constrói um quadro de exacerbação de incertezas, de dimensões nada desprezíveis, no terreno das expectativas e dos movimentos antecipatórios dos agentes financeiros, a ponto de o próprio exercício da democracia poder consubstanciar estopim de uma nova crise.
Outro complicador compreende o ajuste das contas públicas, centrado em bases frágeis. A receita pública depende, em grande proporção, da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) e das Desvinculações das Receitas da União (DRU), que devem desaparecer no final 2007, e a ausência de margens para elevações legais de carga tributária ficou patente com a rejeição da Medida Provisória (MP) 232.
Em contrapartida, as despesas são compostas por itens ascendentes como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujo peso no PIB subiu de 2,5% em 1988 para 7,7% em 2004, situação que deve se agravar em caso de aprovação de aposentadorias a donas de casa, vendedores ambulantes e autônomos, por intermédio do pagamento de contribuições atuarialmente menores que o custo dos benefícios.
Por tudo isso, antes de ser tratada como uma ameaça, a instabilidade política poderia servir de motivo para uma audaciosa negociação de uma agenda de desenvolvimento, em complementação à estabilização monetária, conquistada em 1994 e mantida com a aplicação de medidas econômica de curto prazo. Para tanto, afigura-se crucial um rearranjo criterioso de prioridades, acoplado a uma arrojada mobilização política para o aprofundamento das alterações institucionais de uma nação com dimensões continentais e desigualdades seculares.
A base desse processo poderia abarcar uma reforma política, incluindo a busca de diminuição do poder financeiro sobre as campanhas eleitorais, a instituição da fidelidade partidária durante os mandatos dos parlamentares, a revisão das dimensões das bancadas por unidades de federação e a priorização do financiamento público dos ciclos eleitorais. Igualmente importante seria o aprimoramento das regras de contratação de serviços públicos, de maneira a coibir desvios de recursos, e a revalorização dos servidores, com a multiplicação de carreiras e de programas de capacitação.
Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da FAE Business School Centro Universitário.
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